Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 3ª Parte – XVIII
Ten Marques (KM 100) – KM 252 – II
11.03.1914
– Relata Roosevelt –
11.03.1914 – Na manhã seguinte, verificamos que, durante a noite, nos acontecera um sério contratempo. Havíamos acampado na base da corredeira e as canoas ficaram amarradas às árvores da barranca, já no remanso. As duas canoas velhas, embora uma delas fosse a nossa maior canoa para cargas, eram remendadas, e uma delas fazia água. Durante o dia, o Rio subiu de nível, e essa canoa rachada, que mergulhava muito n’água, encheu-se certamente aos poucos com a água que as ondulações lhe atiravam sobre a borda, e afundou-se arrastando a companheira; rebentaram-se então as amarras e desapareceram rolando pelo fundo. Saiu uma canoa à sua procura e se constatou terem aquelas canoas esbarrado nas rochas do fundo pedregoso, despedaçando-se imediatamente; e seus grandes fragmentos, que em breve foram encontrados flutuando nos remansos ou lançados na praia, indicaram que era inútil procurá-las. Àquela corredeira foi dado o nome de “Canoas Quebradas”.
Não era coisa agradável precisar deter-nos por alguns dias; devido às corredeiras, tínhamos avançado com lentidão, e era importante apressarmos a viagem, pois nosso suprimento de víveres era necessariamente limitado e nada sabíamos do que nos esperava adiante. Mas não havia outro remédio: tínhamos de fazer uma canoa grande ou duas pequenas. Chovia a cântaros quando os homens se espalharam em várias direções à procura de bons paus para canoas.
Três – que afinal se verificou que não eram muito próprios para o caso – foram achados junto ao acampamento; eram árvores de magnífico aspecto, uma delas com quase 02 m de diâmetro à altura de um metro do solo. Os machados atacaram-na sob a vigilância do Coronel Rondon. Lyra e Kermit partiram a caçar, em direções opostas. O primeiro matou um jacu, que ficou para nós, e o segundo trouxe dois macacos que serviram para os Camaradas. Ao cair da noite, o tempo melhorou. A lua estava quase cheia, e a água encachoeirada exibia um brilho prateado. Nossos homens eram “voluntários regionais”, isto é, tinham se alistado nos serviços da Comissão Telegráfica, especialmente para o trabalho no Sertão, com paga elevada, como era justo, em vista das privações, das dificuldades do serviço e do risco para a saúde e para a vida. Dois deles haviam acompanhado o Coronel Rondon na sua exploração de oito meses em 1909, ocasião em que seus homens eram praças do Batalhão de Engenheiros que ele comandava.
Seus quatro auxiliares durante os últimos meses daquela excursão foram os Tenentes Lyra, Amarante, Alencarliense ([1]) e Pyrineus. O naturalista Miranda Ribeiro também o acompanhou. Foi nesse ano que, seguindo a pé, através de zona totalmente desconhecida, o Coronel e sua comitiva atingiram afinal o Ji-Paraná, que figurava nos mapas [e em muitos ainda figura] com seu curso inteiramente errado, com mais de um grau fora da posição real.
Quando chegaram aos afluentes do Ji-Paraná, um terço dos membros da comitiva estava tão enfraquecido pelas febres, que mal podiam se arrastar. Não tinham bagagem e as roupas se achavam em frangalhos, alguns já andavam quase nus. Durante meses não tiveram outro alimento além da pouca caça que matavam e de frutas silvestres e cocos; se não fora a grande abundância de cocos brasileiros, eles todos teriam perecido. No primeiro Rio caudaloso que encontraram, fizeram uma canoa e Alencarliense nela seguiu para levantar-lhe o curso. Com ele seguiram Ribeiro, o Dr. Tanajura ([2]), que não podia andar devido a uma ferida no pé, 3 homens que a febre inutilizara para caminhar e 6 que ainda se achavam em estado de remar. Quando o resto da comitiva atingiu o Rio navegável mais próximo, mais 11 homens prostrados de febre quase haviam chegado a seu fim. Ali deram eles com um pobre diabo que estivera perdido durante meses e morria lentamente à fome.
Nada havia comido além de cocos e crisálidas de insetos ([3]). Não podia mais andar, apenas conseguia ficar em pé e cambalear por uma pequena distância. Outra canoa foi feita e nela Pyrineus desceu levando os 11 homens doentes e o vagabundo quase moribundo. O Cel Rondon conservava o moral da turma fazendo cumprir a rotina militar. O corneteiro esfarrapado tinha sua corneta. O Tenente Pyrineus perdera toda a roupa, exceto um chapéu e uma ceroula. O Tenente seminu enfileirou seus 11 febrentos, a corneta soou e todos ficaram em posição de atenção para ouvirem o macilento Coronel ler a Ordem do dia. A canoa partiu então Rio abaixo com sua carga de doentes, e os 12 homens restantes continuaram sua caminhada estafante.
Quando, uma quinzena depois, encontraram afinal um barracão de seringueiros, 3 homens já estavam inteira e literalmente nus. Nesse meio tempo, Amílcar tinha subido o Jaci-Paraná um ou dois meses antes com provisões, a fim de encontrá-los, porque nesse tempo os mapas indicavam erradamente aquele Rio como maior, em vez de menor que o Ji-Paraná, Rio que, na realidade, era o que estavam descendo. O Cel achava-se convencida de que descia o Jaci-Paraná. Amílcar regressou depois de passar por grandes provações e perigos. As 2 comitivas finalmente se encontraram na Foz do Ji-Paraná onde este entra no Madeira. O extraviado que fora encontrado estava a caminho de se restabelecer, tendo ficado numa fazenda do Madeira, onde podia receber o tratamento necessário […]. (ROOSEVELT)
– Relata Cherrie –
11.03.1914 – Esta manhã verificamos ter ocorrido durante a noite nosso primeiro sério infortúnio! As 2 velhas e grandes canoas, que formavam a maior das duas balsas, romperam as amarras, na noite passada, e espatifaram-se nas rochas. Não há nada que possamos fazer a não ser aguardar a construção de uma ou duas canoas. Isso significa perder tempo e consumir nosso limitado suprimento de víveres. Uma árvore adequada foi logo encontrada, e abatida. Foram medidos 08 m, a partir da base, para a canoa, e o trabalho rendia satisfatoriamente. É muito cedo para fazer uma estimativa, mas parece que, trabalhando todos os dias até a noite, a construção poderá ser concluída em quatro dias. A coleta não é boa, só consegui uma nova espécie para a coleção. Atirei em um tucano novo, mas que foi completamente arruinado, como espécime, ao cair numa pedra e quebrando o bico. O Cel Rondon esteve durante todo o dia orientando o trabalho e mantendo os homens ocupados na confecção da canoa. (CHERRIE)
12.03.1914
– Relata Roosevelt –
12.03.1914 – Os homens ainda trabalhavam esforçadamente na escavação da madeira resistente do enorme tronco, com machado e enxó, enquanto todos vigiávamos e fiscalizávamos para que os preguiçosos não flanassem ([4]) à custa dos diligentes. Kermit e Lyra voltaram a caçar; aquele conseguiu um mutum, que foi bem recebido, pois estávamos procurando por todos os meios economizar nossas provisões. Comíamos palmitos, também. Passei o dia todo procurando caçar no mato próximo ao Rio, mas nada encontrei. […]
Mesmo assim era agradável percorrer a enorme floresta silenciosa. Aqui e acolá, erguiam-se árvores gigantescas e, da base de algumas, subiam formidáveis sapopemas. As trepadeiras e cipós eram de todos os tamanhos e feitios; alguns retorcidos e outros não; uns caíam diretos de galhos delgados a mais de 30 m de altura; outros, quais longas serpentes, se enroscavam nos troncos das árvores. Outros ainda pareciam cordas cheias de nós.
Pouco ruído se ouvia na sombra, e o vento raramente agitava o ar quente e úmido. Raras flores e aves. Os insetos eram muito abundantes e ainda quando seguíamos lentamente, era sempre impossível evitá-los – sem falar dos nossos inseparáveis companheiros, as abelhas, as muriçocas e, em especial, os borrachudos ou mosquitos sanguessugas. Quando atravessava um emaranhado, despertei uma caixa de vespas, que ativamente mostraram sua zanga; em seguida, por descuido, pisei no carreiro de uma pequena horda de formigas carnívoras; a seguir tropecei e, segurando-me a um galho, derrubei uma chuva de formigas de fogo; e, no meio de tudo isto, minha atenção foi particularmente alertada pela picada de uma saúva gigante, que ardia como a de uma vespa, cuja ferroada senti por espaço de três horas.
Os Camaradas andavam em geral descalços ou só usavam sandálias; seus pés e tornozelos estavam feridos e inflamados das picadas dos borrachudos e formigas, e alguns deles achavam-se incapacitados para o trabalho. Todos nós sorríamos menos ou mais, tendo os rostos e mãos ligeiramente inflamados das ferroadas dos borrachudos; apesar da roupa, estávamos com todo o corpo mordido de formigas e de carrapatinhos do mato. Devido à chuva e ao suor, nossas roupas estavam úmidas quando as despíamos à noite, e igualmente úmidas quando as vestíamos pela manhã. (ROOSEVELT)
– Relata Cherrie –
12.03.1914 – Um belo e claro dia. O trabalho na canoa continua tão rápido quanto poderíamos esperar. O Cel Rondon nunca desvia o foco de seu trabalho. […] Não fui mais bem sucedido do que ontem e só consegui obter um bom e grande tucano.
Minhas mãos estão consideravelmente doloridas e inchadas. O Borrachudo ([5]) é um inseto que pousa, pica, deixa uma pequena mancha preta, e voa. O Cel Roosevelt matou um “mutum”. Não há ninguém da nossa equipe que não vá ficar muito satisfeito quando esta viagem chegar ao fim. Há muitas incertezas e obstáculos a enfrentar e a possibilidade de abreviar sua conclusão nos serve de estímulo. (CHERRIE)
13.03.1914
– Relata Roosevelt –
13.03.1914 – Durante todo o dia, os homens trabalharam na canoa, fazendo bom progresso. De quando em quando, todos tinham de ajudar a virar e mudar a posição do enorme e pesado tronco. O trabalho continuava até 22h00, quando o tempo estava claro. À noite, alguns homens seguravam velas, e os outros manejavam o machado e a enxó, em pé ao lado, ou dentro do grande tronco meio escavado; e as luzes vacilantes das velas iluminavam a floresta tropical que se erguia na escuridão circundante. […] (ROOSEVELT)
– Relata Cherrie –
13.03.1914 – […] Havia rações suficientes para alimentar os Camaradas por 35 dias e as rações preparadas para os membros da Expedição durariam talvez 50 dias. Avaliamos que ainda nos faltem cerca de 600 km a percorrer. Nestes 15 últimos dias, mantivemos uma média de cerca de 07 km! […]. Nesse ritmo, vamos ter somente 35 dias de gêneros! Sem sombra de dúvidas, enfrentaremos dias difíceis pela frente. (CHERRIE)
14.03.1914
– Relata Rondon –
14.03.1914 – A nova embarcação ficou pronta e foi lançada ao Rio no dia 14. Recomeçamos a navegação às 13h00 continuamo-la até as 17h00, fazendo um percurso de 14.671 metros. Estabelecemos o nosso 10° acampamento num ponto da margem esquerda, onde havia um tucum gigante [Astrocarum tucuman] cortado a machado de pedra, naturalmente por índios moradores nas proximidades deste lugar.
[…] o Ten Lyra matou […] um gralhão, ave da família dos “Falconídeos”, que nos forneceu a designação do acampamento. Desde o “Quebra-Canoas”, viemos encontrando o Rio com o aspecto de uma cachoeira continua, sobre leito de diábase. Por esse motivo, tivemos de abandonar o processo, anteriormente empregado no levantamento das estações fixas, e adotamos o das visadas com a canoa da frente em movimento. As florestas modificam-se também: agora, de ambos os lados, vemos numerosas árvores de seringa e de castanhas do Pará, e como o terreno é montanhoso, com certeza o caucho será abundante. Entre as madeiras de lei características da região amazônica, continuam a aparecer muitas das que são peculiares à sub-bacia do Paraguai. Das palmeiras, a Buriti, a Açaí e a Patauá são frequentes e numerosas; a Inajá, a Bacaba, a Tucuman e outras, são mais raras. (RONDON)
– Relata Cherrie –
14.03.1914 – A chuva caía sem parar desde manhã cedo até por volta das 12h00. […] Minha coleção vai mal. Antes das 12h00, a nova canoa [“a Arapuã”] foi lançada às águas, alegrando-nos, ela flutuava muito bem.
Por volta das 13h30, reiniciamos a descida do Rio. A corrente é muito rápida, levando-nos rapidamente adiante. Passamos por um grande número de Rápidos, o que tornou a descida bastante interessante. Dois destes Rápidos eram definitivamente muito perigosos para serem transpostos por uma canoa carregada. A canoa encheu d’água e acabou submergindo! Trabalhei furiosamente para salvá-la. A tarde foi muito satisfatória, rendendo cerca de 15 km. (CHERRIE)
15.03.1914
– Relata Rondon –
15.03.1914 – Deixamos o acampamento do “Gralhão”, às 07h00 de 15, e como o curso do Rio daí para baixo se nos apresentasse calmo, retomamos o trabalho do levantamento por estações fixas. No entanto, essa calma pouco durou, ao fim de 4.184 metros, às águas começaram, mais uma vez, a correr impetuosas, e iam meter-se por um perigoso Canal de nova cachoeira, de onde saiam em furiosos borbotões. Reconhecida a importância do obstáculo e a impossibilidade de o vencermos de frente, mandei aproar a minha canoa para a margem esquerda e dei ordem à da frente, portadora da mira, que fizesse o mesmo. Apenas em terra, eu, o Ten Lyra e o proeiro Joaquim fomos explorar o traçado de um caminho que nos levasse ao fim da cachoeira, onde desejávamos acampar. Terminado este trabalho, voltamos ao lugar onde estava aproada minha canoa, para providenciar sobre o transporte das cargas. Ao chegarmos, não encontrei o Sr. Kermit, nem vi a sua canoa; perguntei ao piloto Antônio Correia o que havia acontecido, e este respondeu-me que o Sr. Kermit, desatendendo à minha ordem de abicar, havia descido a cachoeira.
Retrocedemos logo sobre os nossos passos em direção à cachoeira. Pouco adiante, vejo que vem correndo para nós o nosso cão Trigueiro, que viajava na canoa da frente. Maior se tornou o nosso desassossego, porque o cão apresentava sinais evidentes de ter estado mergulhado na correnteza. Apertamos o passo e quando íamos alcançar uma ladeira, no fim do caminho, avistamos o Sr. Kermit, que a vinha subindo, todo molhado. O alívio que então sentimos expandiu-se, quase sem vontade nossa, num gracejo:
Então, magnífico banho! Não foi?
O interpelado respondeu-nos que havia escapado de morrer e que os outros náufragos, os canoeiros João e Simplício, estavam na margem oposta, onde se tinham refugiado, nadando. A canoa e toda a carga tinham desaparecido na voragem. Já desoprimidos das apreensões relativas à sorte dos náufragos, pudemos ouvir a narração do Sr. Kermit. Disse-nos que, ao tentar fazer o reconhecimento do Canal, vira a sua embarcação bruscamente colhida pela corrente, ser arrastada para baixo da cachoeira que ali estava e de mais outra que aquela se seguia; correndo, assim, ingovernável, de queda em queda, ela se havia finalmente alagado e submergido.
Havia, pois, uma segunda cachoeira; dirigimo-nos para ela, resolvidos a examiná-la atentamente. Lá chegados, todas as pesquisas que fizemos na esperança de encontrarmos alguma cousa para salvar, foram infrutíferas; sobre as águas e nas margens nada vimos, que pudesse sequer lembrar o naufrágio ocorrido momentos antes. Eu e o Ten Lyra iniciamos o estudo do varadouro que devia ligar a segunda cachoeira à primeira; o Sr. Kermit continuou aquelas pesquisas, percorrendo a margem, para baixo.
Depois de algum tempo, no caminho que seguíamos, encontramos o canoeiro João que havia, afinal, atravessado o Rio. Contou-nos que o Sr. Kermit depois de haver examinado a cachoeira, ordenara a descida pelo Canal, e, desprezando a informação que se lhe dava, de não ser a passagem praticável, insistiu no seu propósito, repetindo a ordem. À vista disso, o canoeiro julgou-se na obrigação de obedecer, apesar de saber que aquilo era uma temeridade. Metida na correnteza, a canoa não aguentou: tomou água e alagou-se.
João, que a pilotava, querendo salvá-la, saltou para o Rio e procurou sustenta-la, por meio do cabo de amarração, preso na proa. Todos os esforços, porém, foram baldados: a embarcação, arrebatada pelo ímpeto das águas emborcou. Depois, ele a tinha visto descendo, com o fundo para cima, e sobre ela o Sr. Kermit e o Simplício. Esta narrativa deixou-nos desconsolados: o pobre Simplício não se havia salvo com o João, nem com o Sr. Kermit. Só nos restava uma esperança: era o resultado das pesquisas que estavam sendo feitas para baixo da última cachoeira. Mas essa era tão fugitiva! Ainda assim, mandamos o João auxiliar o Sr. Kermit.
Infelizmente chegou o momento em que nos era impossível continuarmos a acalentar as nossas ilusões: Simplício tinha se afogado! Esta tristíssima certeza desabou sobre os expedicionários, como dolorosa desgraça, que a todos tocava. Ninguém inicia, é certo, uma empresa do gênero desta em que nos achávamos empenhados, sem antes se ter familiarizado com a ideia dos perigos a que se vai oferecer e das inúmeras ocasiões em que se terá de encontrar com a morte. Não era, pois, o imprevisto de sua chegada o que nos aturdia, mas sim a mágoa de termos perdido um companheiro com quem nos sentíamos irmanados pela comunhão dos trabalhos passados e das privações e esperanças provadas na realização de um objetivo que já pertencia a todas as vontades e a todos os corações. Querendo dar uma expressão a esses nossos sentimentos, perpetuamos o nome do desditoso Simplício nesta cachoeira, no marco quilométrico erguido no acampamento, colocamos a seguinte inscrição:
Nesta Cachoeira faleceu o pobre Simplício (RONDON)
– Relata Magalhães –
15.03.1914 – O desastre ocorrido na Cachoeira, que tomou o nome de “Simplício”, em homenagem à vítima, foi consequência da afoiteza de Kermit Roosevelt e de sua inexperiência. Rondon examinara pessoalmente o obstáculo e, com a indiscutível autoridade de sertanista prático, declarou logo a Kermit que seria em vão tentar a passagem por água, pelo que, internando–se com o Tenente Lyra, foi explorar o terreno para escolha do “varadouro”. Kermit, a quem parecera talvez demasiado prudente a resolução tomada pelo Chefe da Expedição Brasileira, examinou a Cachoeira e ordenou aos dois homens que tripulavam a canoa da mira, os exímios canoeiros João e Simplício, a descida pelo Canal. À objeção de não ser a passagem praticável, insistiu no seu propósito, repetindo a ordem, a que o piloto se julgou na obrigação de obedecer, apesar de ter consciência do perigo a que se iam expor.
Realmente, segundo sua própria narrativa e a do outro sobrevivente, o piloto João, a canoa tomou água e alagou-se logo no começo da temerária descida. O piloto saltara então, para o leito do Rio, procurando sustentá-la pelo cabo de proa, mas o ímpeto das águas venceu os esforços que empregara e a canoa emborcou. Viu ainda João a embarcação, arrastada pela correnteza, águas abaixo, com o fundo para cima, e sobre ela Kermit e Simplício. Precipitada assim, em segundo tombo, sumiu-se, entretanto, e com ela desapareceu para sempre o corpo do inditoso Simplício.
Kermit, felizmente, salvara-se, sem saber como e, de roupas encharcadas, veio ao encontro de Rondon, a quem referiu o risco que correra, devido a sua imprudência de moço. (MAGALHÃES, 1941)
– Relata Cherrie –
15.03.1914 – O infortúnio continua perseguindo-nos, e, ainda nesta manhã, perdemos outra canoa e um dos rapazes morreu afogado. Todo infortúnio é uma tragédia! Kermit tentou passar para o outro lado do Rio muito próximo das Cachoeiras; a canoa foi apanhada por um redemoinho e levada para baixo, através de duas séries de Rápidos. Ela virou na segunda corredeira. Kermit e João conseguiram chegar à margem, mas Simplício nunca mais foi visto. Além de uma vida, perdemos uma canoa, 10 dias de alimentos e parte das ferramentas para a construção de barcos, além do rifle de Kermit. A perda de uma vida humana é sempre uma tragédia, mas a perda da canoa e de sua carga foi uma tragédia ainda maior para os membros restantes do nosso grupo. (CHERRIE)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 27.09.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
CHERRIE, George Kruck. Dark trails: Adventures of a Naturalist ‒ USA ‒ New York ‒ G. P. Putnam’s Sons, 1930.
MAGALHÃES, Amílcar Armando Botelho de. Pelos Sertões do Brasil (1928) – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Companhia Editora Nacional, 1941.
RONDON, Cândido Mariano da Silva. Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9 de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro Phenix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos da Expedição Roosevelt‒Rondon e da Comissão Telegráfica ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.
ROOSEVELT, Theodore. Nas Selvas do Brasil ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Livraria Itatiaia Editora Ltda ‒ Editora da Universidade de São Paulo, 1976.
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=tYkH5YO38IQ&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=40
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Alencarliense: Alencarliense Fernandes da Costa.
[2] Tanajura: Joaquim Augusto Tanajura.
[3] Crisálidas de insetos: tapurus.
[4] Flanassem: ficassem ociosos.
[5] Borrachudo: pium.
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