Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 3ª Parte – XVII
P. Ten Marques (KM 100) – KM 252 – I
07 a 09.03.1914
– Relata Rondon –
07 a 09.03.1914 – A mudança do 7° para o 8° acampamento foi feita por terra, seguindo um caminho da extensão de 490 m, aberto na mata, contornando a cachoeira. Esses trabalhos e 03 preliminares para a varação das canoas fizeram-se no dia 7. A cachoeira constava de 2 saltos principais, distantes um do outro 100 m, precedidos e seguidos de corredeiras perigosas. Os degraus eram formados por um espigão de pórfiro vermelho, que atravessava o leito do Rio normalmente à sua direção.
Reconheci, no dia imediato, que, abaixo do ponto escolhido para saída daquele varadouro, era preciso abrir um segundo, com o comprimento de 180 m. Apesar de nestes trabalhos se empenhar toda a boa vontade do Ten Lyra e do Sr. Kermit, não foi possível termina-los antes do dia 10, Estes acontecimentos causavam grandes contrariedades ao Sr. Roosevelt, que temia resultar de tudo isso maior demora na terminação da viagem e portanto algum prejuízo para os seus projetos de breve regresso aos Estados Unidos. Examinava constantemente o desenho que íamos levantando do caminhamento diário, procurando prognosticar o termo desta e de outras contrariedades.
Mas, apesar de tudo, não se afastava uma linha sequer do seu hábito de escrever diariamente o registro das suas impressões de momento e mais algumas páginas do livro destinado a divulgar o que estava vendo e passando nesta travessia dos Sertões brasileiros. Além disso, dedicava algum tempo de cada dia para se internar pela floresta, levando a sua espingarda. Nestas incursões, ia sempre sozinho; e o mais frequente era voltar sem caça alguma, visto como, por sofrer de miopia, não conseguia descobrir de longe os animais, os quais, por sua vez, se espantavam e fugiam quando, procurando ele aproximar-se, ouviam o barulho dos seus passos. (RONDON)
– Relata Roosevelt –
07 a 09.03.1914 – Passamos os dias 07, 08, 09 a transportar as cargas, a arrastar por terra e lançar à água as canoas, desviando-nos da série de corredeiras em cujo início havíamos parado. No primeiro dia ([1]), transferimos o acampamento para baixo daquela série de corredeiras, a 1,5 km Rio abaixo. Era um local pitoresco e encantador, à beira d’água, havendo aí uma pequena enseada com praia de areia compacta. No ponto médio da praia, se erguia d’água um grupo de três palmeiras buritis, cujos grandes troncos se assemelhavam a colunas.
Em volta da clareira onde ficavam as barracas existiam várias árvores muito grandes, entre as quais duas seringueiras. Kermit desceu o Rio pelo trajeto de 05 ou 06 km e voltou com um jacu, tendo verificado que no ponto que atingira a ave, outras corredeiras ‒ quase uma Cachoeira ‒, exigiam que de novo arrastássemos as canoas para outro transbordo.
Antônio, o Pareci, matou um grande macaco, o que me agradou, pois fazer tais baldeações é serviço pesado, e os homens gostavam de carne. Até então Cherrie havia reunido no Rio da Dúvida 60 aves, todas novas para a coleção e algumas, provavelmente, para a ciência também. Vimos sinais frescos de pacas, quatis e caititus, e Kermit, com os cães, levantou uma anta que atravessou o Rio mesmo nas corredeiras, mas ninguém conseguiu atirar nela. Uma canoa bem grande, com carga leve, conseguiria provavelmente descer por aquelas corredeiras, exceto em um ou talvez dois lugares. Mesmo com tal canoa, porém, seria loucura fazer a tentativa, no caso de uma Expedição exploradora, em que a perda de uma canoa ou de sua carga seria um verdadeiro desastre; acresce que semelhante canoa não poderia ser utilizada devido à impossibilidade de arrastá-la nas baldeações, quando estas se tornassem inevitáveis. Quanto às nossas canoas, não flutuariam nem meio minuto naquelas águas revoltas.
No segundo dia ([2]), as canoas e cargas foram levadas para baixo das primeiras corredeiras. Lyra abria a passagem e colocava os roletes de madeira, enquanto Kermit, com o cadernal, arrastava as canoas da água para cima do barranco, à força de cordas e músculos. Todos então juntavam as forças, pois, sobre aquele terreno desigual, era necessário o esforço de todas as pessoas para se arrastarem as canoas. Nesse ínterim, o Coronel com um ajudante media as distâncias e depois seguiu para uma caçada demorada, mas não achou caça. Eu desci, acompanhando o Rio por espaço de alguns quilômetros, e também nada encontrei. Na densa mataria tropical da Bacia Amazônica é muito difícil caçar, especialmente para quem esteja procurando atravessar a região tão depressa quanto possível.
Em uma viagem como a nossa, conseguir caça era, em larga escala, uma questão de sorte. No dia imediato ([3]), Lyra e Kermit desceram as canoas e cargas, com trabalho ingente, até à praia das três palmeiras, onde estavam as barracas. Numerosas pacovas cresciam em torno e os homens utilizavam suas folhas imensas, algumas com quatro metros de comprimento por quase um de largura, para cobrirem os frágeis abrigos em que armavam suas redes. Entrei na mata, mas, no emaranhado do cipoal, só por mero acaso poderia enxergar algum animal de porte. Em geral, a mata era silenciosa e deserta. De vez em quando, passavam pequenos bandos de aves de espécies várias – pica-paus, papa-formigas, tangarás, tiranos – bem como na primavera e no outono passam nas matas do Norte os bandos de toutinegras, gaios e pegas.
Sobre as pedras e sobre as frondosas árvores próximas do Rio, existiam grandes orquídeas brancas e lilases – a sobrália ([4]), de perfume delicado e agradável. Naquele ensejo, meus livros pareciam-me um tanto indigestos e o dia talvez se me tornasse enfadonho, se Kermit não me tivesse emprestado a seleta de poesias francesas de Oxford. Eustáquio Deschamp, Joaquim du Bellay, Ronsard, o delicioso La Fontaine, o delicioso, porém terrivelmente difícil Villon, a Guitarra de Victor Hugo, os versos de Madame Desbordes-Valmore sobre a menina e o travesseiro, os versos mais delicados, sobre uma criança, que se poderiam escrever – estes e muitos outros confortaram-me bastante quando os lia, de gaze na cabeça e luvas, sentado em um tronco, à beira do Rio desconhecido, na floresta amazônica. (ROOSEVELT)
10.03.1914
– Relata Rondon –
10.03.1914 – Afinal, no dia 10, pudemos prosseguir o reconhecimento do Dúvida, para baixo daquelas cachoeiras, cuja maior ficou com a designação de “6 de Março”. Não chegamos a percorrer 732 m inteiramente desembaraçados; logo encontramos outro rápido. Felizmente, nele existia um Canal por onde foi possível varar as canoas, descarregadas; as cargas e as pessoas desceram por terra a distância de 403 m, ao fim da qual se puderam embarcar de novo. Ainda assim, a nossa marcha atrasou-se de três horas, que foi o tempo necessário para concluir a passagem.
Ao rápido, demos o nome de Jacaré, por ter sido aí que, pela primeira vez, avistamos, no Dúvida, um desses anfíbios ([5]). A uns 607 m abaixo desse rápido, deparou-se-nos outro, que transpusemos sem mais trabalho do que o de descarregar as canoas e fazê-las descer pelos canais, tripuladas por um piloto e um proeiro. Como já fosse bastante tarde, o Sr. Roosevelt opinou que deveríamos fazer alto e acampar. O levantamento acusou para esse dia o insignificante percurso de 1.847 m; estávamos, pois, a mais de 102 km do ponto inicial da Expedição. O Rio apresentava-se-nos com a largura de 100 m, correndo através de solo em que aflorava a diábase ([6]). Ao nosso 9° acampamento, estabelecido neste lugar, dei a princípio o nome de “Jacutinga Atirada”, mas, no dia seguinte, tive de mudá-lo para o de “Quebra-Canoas”.
O motivo de semelhante substituição, foi o ter-se, durante a noite, arrebentado a amarra de uma das balsas, que, ficando à mercê da correnteza encachoeirada do Rio, se foi despedaçar de encontro às pedras. Assim perdemos duas canoas e, para as substituir fizemos abater e escavar uma grande árvore, da família das Euphorbiaceas, cuja madeira, denominada Tatajuba, é de cor amarelada. (RONDON)
– Relata Cherrie –
10.03.1914 – As duas últimas das canoas foram arrastadas pelo varadouro “Rápidos 06 de março” e nossos equipamentos e suprimentos foram carregados ao meio-dia. Nosso atual Acampamento fica a, mais ou menos, um quilômetro abaixo do último, na margem direita do Rio. No entanto, fica abaixo de outra série de três Rápidos. Nós todos caminhamos. As cargas foram desembarcadas e transportadas no primeiro e no terceiro rápido, mas foram carregadas nas canoas para ultrapassar o segundo rápido. Ver os homens descerem a terceira série de Rápidos nas canoas vazias foi bastante emocionante. Ao descer a menor das duas “balsas”, ela afundou e, para não perdê-la, os barqueiros pularam na água e puxaram-na para a terra. A segunda balsa, formada pelas duas velhas canoas, foi conduzida cuidadosamente e foi passada próxima das margens e abaixo dos Rápidos. (CHERRIE)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 24.09.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bilbiografia
CHERRIE, George Kruck. Dark trails: Adventures of a Naturalist ‒ USA ‒ New York ‒ G. P. Putnam’s Sons, 1930.
RONDON, Cândido Mariano da Silva. Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9 de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro Phenix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos da Expedição Roosevelt‒Rondon e da Comissão Telegráfica ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.
ROOSEVELT, Theodore. Nas Selvas do Brasil ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Livraria Itatiaia Editora Ltda ‒ Editora da Universidade de São Paulo, 1976.
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=tYkH5YO38IQ&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=40
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Primeiro dia: 07.03.1914.
[2] Segundo dia: 08.03.1914.
[3] Dia imediato: 09.03.1914.
[4] Sobrália: seu nome homenageia o botânico espanhol Francisco Martin Sobral.
[5] Anfíbios: répteis.
[6] Diábase: dolerito.
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