Augusto Aras defendeu direito da etnia Xokleng sobre área que é objeto do RE 1017365, em julgamento no STF
“Não se pode invisibilizar os nossos ancestrais, que nos legaram este país”. A afirmação é do procurador-geral da República, Augusto Aras, e foi feita em sustentação oral apresentada na tarde desta quinta-feira (2), durante o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365/SC pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O caso analisa a validade da tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Para o PGR, o art. 231 da Constituição Federal garante aos povos indígenas direitos originários sobre as terras de ocupação tradicional.
Ao pedir o provimento do recurso, Aras defendeu o direito da etnia Xokleng sobre a área objeto de disputa possessória, sugerindo tese de repercussão geral no sentido de reconhecer o dever estatal de proteção dos direitos de comunidades indígenas antes mesmo da conclusão do processo demarcatório de seus territórios. Para garantir a segurança jurídica de todo o processo, a identificação e delimitação das terras deve ser feita no caso concreto, aplicando-se a cada situação a norma constitucional vigente a seu tempo. Ao iniciar a sustentação, o PGR destacou que o julgamento deve elucidar três pressupostos: definir se a proteção jurídica de terras indígenas começa com a demarcação, eventual adequação da tese do marco temporal e decisão sobre a possibilidade de ocupação indígena em áreas de proteção ambiental.
Com julgamento iniciado na última quinta-feira (26) pelo Plenário do STF, o recurso extraordinário discute, de forma concreta, um pedido de reintegração de posse movido contra o povo Xokleng, em Santa Catarina. A demarcação da área é questionada pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (antigo Fatma), já que o local coincide com reserva ambiental. O argumento para a contestação é a tese do marco temporal, entendimento suscitado pela primeira vez no caso Raposa Serra do Sol. Agora, pretende-se chegar a um entendimento definitivo sobre o tema. O Supremo reconheceu a repercussão geral do caso e, ao final do julgamento, vai estabelecer tese para orientar as decisões futuras de todo o Poder Judiciário.
Indigenato – Na sustentação, Aras lembrou que, ao reconhecer direitos originários dos indígenas sobre as terras de ocupação tradicional, a Constituição Federal adotou o instituto do Indigenato, pelo qual os índios são senhores naturais de suas terras e titulares da posse sobre elas. “As comunidades indígenas guardam relação própria com a terra, dotada de ancestralidade e de preservação de seu peculiar modo de ser, inerentes à sua sobrevivência física e cultural. É diretamente da terra que os índios extraem sua sobrevivência alimentar e, a partir dela, preservam suas tradições culturais intergeracionais. A terra, para os índios, é sagrada e assume uma relevância identitária”, afirmou o PGR.
O procurador-geral sustentou ainda que a fruição do direito dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam não depende da prévia demarcação das glebas. “A medida demarcatória apenas atribui segurança jurídica, ou seja, esclarece e facilita a reivindicação dessas terras na eventualidade de conflito possessório. De toda sorte, a demarcação é de índole declaratória, não constitutiva. Demarcar uma terra indígena equivale a reconhecer um status pré-existente, vale dizer, consiste em atestar a ocupação dos índios como circunstância anterior à demarcação”, afirmou Augusto Aras.
Direitos humanos – Segundo o PGR, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já afirmou que a aplicação da tese do marco temporal contradiz as normas internacionais e interamericanas de direitos humanos, em particular a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Isso porque não leva em consideração os casos em que os povos indígenas foram expulsos de seus territórios, muitas vezes com violência, razão pela qual não estariam ocupando suas terras em 1988. “É preciso que se diga com clareza: haverá casos em que, mesmo não havendo posse por parte dos índios em 5 de outubro de 1988, a terra poderá ser considerada como tradicionalmente ocupada por eles”, explicou o PGR.
Aras afirmou também que a demora na regularização das terras indígenas, bem como a falta de proteção das comunidades durante a tramitação do processo, configura violação de direitos humanos. Por isso, é dever do Estado proteger e garantir os direitos constitucionais das comunidades durante todo o processo demarcatório.
No caso concreto discutido no recurso extraordinário, o PGR defendeu que a demarcação do território do povo Xokleng está de acordo com a legislação e passou por todas as etapas necessárias. Deve, portanto, ser mantida. Segundo ele, não há qualquer conflito entre preservação ambiental e ocupação indígena. “A proteção das áreas indígenas é compatível com a proteção ambiental”, afirmou.
O julgamento do recurso extraordinário teve 39 sustentações orais. Além do PGR, também se posicionaram contra a tese do marco temporal a defesa do povo Xokleng, entidades representantes de povos indígenas como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e outras, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Defensoria Pública da União (DPU), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Instituto Socioambiental (ISA), a Conectas Direitos Humanos, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Estado do Amazonas, entre outras instituições, organizações e entidades.
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Procuradoria-Geral da República
PUBLICADO POR: MPF
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