Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 2ª Parte – XVIII
Carlos Von den Steinen
NOTÍCIA HISTÓRICA – A Noroeste de Cuiabá estanceam ([1]) os “Campos dos Paresí” de onde nascem os afluentes tanto do Rio Paraguai, como do Tapajós e do Madeira. Dos mais antigos índios Paresí, só um pequeno “reliquat” ([2]) ainda subsiste, porque se cindiram (dividiram) em muitas outras tribos. Tirante (Fora) os Cabixis, que frequentemente tornam sem segurança os arredores da Cidade de Mato Grosso ([3]), levam os Paresí uma existência pacífica. Era nosso desejo conhecer e estudar os Bororos, desde que se nos afigurava impossível uma visita aos Paresí; mas, em direção quase ponteira ([4]), aconteceu que estes vieram ter conosco. A maior fortuna, para isso, encontramo-la no então Presidente da Província, Coronel Francisco Rafael de Mello Rego ([5]), por haver colhido todos os nossos desejos com mostras de carinho e de interesse. Ele e a sua distinta esposa, D. Carmina, dentre os Cuiabanos e Cuiabanas a mais completa dama, a ponto de nos parecer uma criatura de outro mundo, obrigam-nos aos maiores agradecimentos, pela indefessa ([6]) solicitude.
Em 10 de janeiro, entreguei ao Presidente o pedido de que conseguisse a vinda de alguns Paresí à capital, fazendo-o também eu, para Diamantino a particulares, porque me afirmavam não serem cumpridas as ordens do nosso Presidente “conservador” pelas pessoas de influência daquele lugar, mais “liberais”. Sobre os Paresí há mesmo comunicações, para nós importantes, de um de seus descobridores, – o Capitão Antônio Pires de Campos ([7]) que nô-las deu em 1723, após um conhecimento de tantos anos, esboçadas num quadro geral daquele “reino” de que nós agora não podemos reunir senão os destroços ainda conservados! Eis a informação:
Naquelas dilatadas chapadas habitam os Paresí, reino muito dilatado, e todas as águas correm para o Norte. É esta gente em tanta quantidade, que se não podem numerar as suas povoações ou Aldeias; muitas vezes em um dia de marcha se lhe passam 10 ou 12 Aldeias, e em cada uma destas tem 10 até 30 casas, e nestas casas se acham algumas de 30 até 40 passos ([8]) de largo, e são redondas de feitio de um forno, mui altas e em cada uma destas casas, entendem, se agasalhará toda uma família. Todos vivem de suas lavouras, em que mais se fundam ([9]) são mandiocas, algum milho e feijão, batatas; muitos ananás e singulares em admirável ordem plantados, de que costumam fazer seus vinhos e usam também cercar de Rio a Rio o campo; entre esta cerca fazem muitos fojos ([10]) em que caçam muitos veados, emas e outras muitas castas ([11]).
Estes gentios não são guerreiros, e só se defendem quando os procuram: as suas armas são arcos e flechas e usam também de uma madeira muito rija e dela fazem umas folhas largas que lhes servem de espadas e também tem suas lanças, mas pequenas, que com elas defendem suas portas, para o que fazem as ditas portas tão pequeninas, que para se entrar, é necessário ser de gatinhas e também usam estes índios de ídolos; estes tais tem uma casa separada com muitas figuras de vários feitios em que só é permitido entrarem os homens; as tais figuras são mui medonhas, e cada uma tem sua buzina de cabaça que dizem os ditos gentios serem das figuras e o mulherio observa lei tal que nem olhar para estas tais coisas usam e só os homens se acham nelas naqueles dias de galhofas e determinados por eles em que fazem suas danças e se vestem ricamente.
Os trajes ordinários deste gentio é trazerem os homens uma palhinha nas partes genitais e as mulheres com suas tipoinhas a meia perna cujos panos fazem elas mesmas de tecido de penas e de ricas cores com muita curiosidade e lavores de várias castas e feitios. A curiosidade nos machos e fêmeas é extrema; são muito asseados e perfeitos em tudo, que até suas estradas fazem mui direitas e largas e as conservam tão limpas e concertadas e que se lhe não achará nem uma folha.
Antônio Pires enaltece com calor a aptidão das mulheres na beleza e no colorido de todos os seus trabalhos; fala da arte das penas de papagaio e de outros pássaros de caprichosas cores e se extasia diante dos artefatos de pedra, de madeira resistente que sem auxílio de instrumentos de aço eles fabricam. Os chefes trazem ao pescoço uma pedra polida semelhante ao jaspe ([12]) em forma de Cruz de Malta.
Soberano, entre os numerosos chefes do povo que habita uma vasta superfície toda produtiva e de clima agradável, toma apelidos portugueses como mostras de agradecimento em honra da Missão Católica. Em contraste com os Paresí, cita Antônio Pires de Campos os Cavihis e Cabixis, bárbaros selvagens erradios ([13]) postos em fuga apesar das 130 espingardas da sua gente, em cujas cabanas deram com vasos cheios de carne humana e cavaletes com crânios e fêmures. […] (STEINEN)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 11.08.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Filmetes
- https://www.youtube.com/watch?v=-ek3beISFFA&t=456s
- https://www.youtube.com/watch?v=rECpPlEurDI&t=23s
- https://www.youtube.com/watch?v=wxA1AJchYFM&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=23
- Expedição Centenária R-R – III Parte – Fase I – YouTube
- https://www.youtube.com/watch?v=3bt42u-sGtA&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=20
Bibliografia
STEINEN, Carlos Von den. Os Paresí – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – RIHGB – Tomo 84 – 2ª Parte, 1918.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Estanceam: se encontram.
[2] Reliquat: remanescente.
[3] Cidade de Mato Grosso: primeira capital do Mato Grosso, Vila Bela da Santíssima Trindade foi fundada em 19.03.1752, pelo Capitão Dom Antônio Rolim de Moura, que instituiu o governo da Capitania de Mato Grosso, desmembrado da Capitania de São Paulo.
[4] Ponteira: frontal.
[5] Coronel Francisco Rafael de Mello Rego: Presidente da Província de Mato Grosso de 16.11.1887 a 06.02.1889.
[6] Indefessa: incansável.
[7] Capitão Antônio Pires de Campos: bandeirante paulista que percorreu as terras do atual Estado do Mato Grosso apresando índios. Pires de Campos como “expert” da região produziu um relato bastante minucioso sobre diversas nações indígenas.
[8] Passos: como um passo = 0,82 m – 24,6 m até 32,8m.
[9] Fundam: plantam.
[10] Fojos: armadilhas para animais – consistia em escavar um buraco profundo no solo e cobri-lo com ramos e folhas.
[11] Castas: espécies animais.
[12] Jaspe: variedade de quartzo de coloração avermelhada, amarelada ou variada.
[13] Erradios: errantes.
Deixe um comentário