Expedição Centenária Roosevelt-Rondon  2ª Parte – XV

Expedicionários

Aldeia Jatobá ‒ Aldeia Zanakwa I  

Poucos pernilongos mas, por outro lado, piuns de várias espécies eram um tanto excessivos; variavam de tamanho entre o pólvora e a grande mutuca preta. As pequenas abelhas sem ferrão não se amedrontavam e com dificuldade são afastadas quando pousam na mão ou no rosto, mas nunca picam, só fazendo cócegas na pele. Apareciam também abelhas grandes que havendo pousado, não ofendiam se não fossem molestadas; no caso contrário enterravam o ferrão cruel. Os insetos não eram de ordinário inconveniente sério, mas em certas horas se tornavam tão numerosos que eu tinha de escrever de luvas e com a gaze na cabeça. (ROOSEVELT)

Aldeia Jatobá à Fazenda Estrela (29.10.2015) 

A partir de Tapirapuã nosso percurso se dirigia para o Norte, subindo e atravessando o planalto deserto do Brasil. Das fraldas desta zona elevada, que é geologicamente muito antiga, defluem para o Norte os tributários do Amazonas, e os do Prata para o Sul, fazendo imensos volteios e desvios sem conta. (VIVEIROS)

Partimos da Aldeia Jatobá, às 08h10, depois de nos despedirmos da Cacique Nair e agradecer-lhe o apoio prestado. O traçado da estrada se estendia altaneiro pelo “divortium aquarum” (divisor de águas).

Do alto do lombo de nossas mulas deslumbrávamo-nos com a paisagem magnífica que nos permitia avistar, ao longe, as nascentes que alimentam o Rio-mar de um lado e do outro as que fluíam para a Bacia do Prata. Esquecêramos de entrar em um acesso arenoso à direita e um gentil motociclista Paresí oportunamente orientou-nos a pegar uma estreita trilha que nos conduziria ao caminho correto.

[…] dia após dia trotamos para a frente transpondo chapadas intermináveis de campos e cerrado ralo, com arbustos quase sempre pouco mais altos do que um cavaleiro. Alguns tinham flores amarelas, brancas, róseas e cor de laranja; as mais lindas eram as glórias-matinais. (ROOSEVELT)

Embora grande parte das trilhas e estradas seja argilosa e muito escorregadia após as chuvas encontramos desta feita um trecho arenoso. A aridez do Cerrado impressionava-nos, os arbustos retorcidos com seus troncos carbonizados pelas queimadas constantes eram vítimas silenciosas não só de uma natureza nem sempre benfazeja, mas principalmente pela ação secular e criminosa e daninha por parte dos aborígines.

A falta de gramíneas e água prenunciava sérias dificuldades para nossos espartanos muares. A vegetação calcinada, porém, apresentava aqui e ali pequenas e delicadas flores de todos os matizes que momentaneamente quebravam a monotonia da paisagem. Por volta das 11h00, apeei, para descansar as pernas, conduzindo a mula Bolita pelo cabresto. No limite da Área Indígena, avistei uma boa poça d’água, 300 m fora de nossa rota, alertei meus parceiros e conduzi a Bolita até o local.

Qualquer água ou alimento ao longo do percurso não devia nem podia ser menosprezado e tinha de ser devidamente aproveitado. Os animais é que estavam sendo exigidos fisicamente nessa etapa e, por isso mesmo, necessitavam de especial atenção. Logo à frente, fizemos a parada do almoço no acampamento provisório montado pelo Sargento Yuri e o Soldado Eder. Desencilhamos os animais e os soltamos na plantação de uma grande fazenda vizinha à Área Indígena. Chegamos à Fazenda Estrela por volta das 17h30, depois de cavalgar 30 km. O arrendatário paranaense gentilmente conseguiu um local para montarmos as barracas e carregarmos os equipamentos eletrônicos.

Savanização Milenar – Tiriós

Processo de Savanização Milenar  

Os índios sempre souberam como lidar com a terra. São eles que nos ajudam a manter vivas nossas matas e contribuem para a preservação de nossos mananciais. (Mércio Pereira Gomes)

Alguns desavisados acham que o cerrado ralo e abrasado dos Paresí sempre teve estas características, na verdade a ação antrópica, mais do que a da própria natureza através dos raios, alterou significativamente as zonas da mata de transição e do cerrado para o triste cenário que observamos hoje. O ex-Presidente da FUNAI Mércio Pereira Gomes e outros tantos antropólogos e ambientalistas atrelados a convicções ideológicas sem nenhuma fundamentação científica, mostram desconhecer a cultura que tanto defendem e as leis que regem a sobrevivência dos povos nativos. O Professor Evaristo Eduardo de Miranda afirma que o processo de savanização não só teve origem com os povos primitivos, mas como continua até os dias de hoje.

Embora Miranda faça essa observação exclusivamente em relação a áreas florestais, é lógico que ela ocorreu e continua ocorrendo em outros biomas.

O uso sistemático do fogo pelos humanos, principalmente como técnica de caça, favoreceu a extensão ou a manutenção de ecossistemas abertos como as savanas ou cerrados, em detrimento das áreas florestais, mesmo em condições climáticas desfavoráveis. […]

Condicionamentos locais de clima e solo podem acelerar ou limitar esse processo, mas o caráter nômade de vários grupos de caçadores-coletores espalhou esse fenômeno em diversos locais da região amazônica. Esse processo de savanização, de ampliação de áreas de cerrados em detrimento das florestas, ainda segue seu curso nos dias de hoje, em vários locais da Amazônia, promovido por culturas ameríndias bem posteriores aos primeiros caçadores-coletores. […]

A regressão das florestas e a ampliação dos cerrados devido ao uso do fogo podem ser observadas nitidamente em sequências de imagens de satélite, de vários anos, tiradas de áreas indígenas no Norte do Pará, na região dos Tiriós, próxima da fronteira com o Suriname. Ali, os indígenas promoveram um crescimento anual da área dos cerrados em detrimento da floresta, pelo uso generalizado do fogo em grande escala.

Eles alteram a dinâmica vegetal com a promoção de gigantescos incêndios anuais, os maiores de todo o Brasil. Eles propagam-se ao sabor dos ventos alísios do Hemisfério Norte, na direção Nordeste-Sudoeste. (MIRANDA)

Para verificar a destruição promovida pelos Tiriós basta se observar no “Google Earth” (Imagem 29) uma região totalmente desmatada de 160 por 80 quilômetros aproximadamente na fronteira do Suriname com o Brasil (Norte do Pará). As observações de Miranda são reforçadas pelos relatos de Oscar Canstatt, em 1871, de Roquette-Pinto, em 1912 e de Warren Kempton Dean, em 2004:

Seu modo de caçar os animais em fuga é bárbaro e só possível onde não há nenhuma lei protetora das florestas. No tempo seco, sobretudo, quando o Sol tropical torra com seus raios abrasadores os campos e o mato baixo, ateiam-lhe fogo, e emboscam a caça em lugar onde o elemento destruidor não os pode atingir. Aí é fácil abater a caça que, em desabalada fuga, corre para a única vereda salvadora. (CANSTATT)

Por meio do fogo costumam também matar algumas espécies: ateiam labaredas no cerrado, de maneira a rodear certa área; quando a caça foge às chamas, atacam-na. […] O fogo das queimadas que o raio acende, ou o índio, ou o sertanejo, lambe o karêke e o sapé, requeima o murici e a mangabeira; e eles custam a brotar. Mas o pau-santo, mal cessa o fogo, ainda todo negro, com o tronco rachado pelo calor, cobre-se de pontos alvos, abre em flor, qual um retalho de noite que se matiza de estrelas. (ROQUETTE-PINTO)

Um grupo caingangue residente no Paraná, que havia recebido ferramentas de aço apenas no século XX, lembrava-se de que não mais tinha de escalar árvores, outrora uma atividade muito frequente, para apanhar larvas e mel. Muitos dos que caíam das árvores morriam ‒ agora eles simplesmente derrubavam as árvores. (DEAN)

Madame Marie Octavie Coudreau, quando realizava o reconhecimento do Rio Cuminá, afluente do Rio Trombetas, no dia 28.07.1900, narra:

A jusante da Cachoeira do Armazém, à margem direita, entre as colinas que se estendem ao longo das margens, uma espessa fumaça preocupou-me. Que fumaça será essa? Existem campos além dessas colinas, ou será que os indígenas estão fazendo a coivara? Só posso fazer conjecturas, não tenho meios para me certificar. (OCTAVIE COUDREAU)

Leandro Narloch apresenta, igualmente, uma série de evidências que desfaz a imagem preservacionista do indígena brasileiro e mostra a preocupação dos colonizadores com a manutenção e a exploração sustentável das florestas.

O mito do índio como homem puro e em harmonia com a natureza já caiu há muito tempo, mas é incrível como ele sempre volta. […] As tribos que habitavam a região da mata atlântica botavam o mato abaixo com facilidade, usando uma ferramenta muito eficaz, o fogo. […] Os portugueses criaram leis ambientais para o território brasileiro já no século XVI. […] No Brasil, essa lei protegeu centenas de espécies nativas. Em 1605, o regimento do Pau-Brasil estabeleceu punições para os madeireiros que derrubassem mais árvores do que o previsto na licença. […] “Essa legislação garantiu a manutenção e a exploração sustentável das florestas de Pau-Brasil até 1875, quando entrou no mercado a anilina”, escreveu o biólogo Evaristo Eduardo de Miranda. “Ao contrário do que muitos pensam e propagam, a exploração racional do Pau-Brasil manteve boa parte da mata atlântica até o final do século XIX e não foi a causa do seu desmatamento, fato bem posterior”. (NARLOCH)

Eu era ainda um jovem adolescente quando tomei conhecimento, pela primeira vez, da Carta que o Cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, em meados do Século XIX, enviou ao então Presidente dos Estados Unidos Franklin Pierce (04.03.1853 a 04.03.1857) quando este apresentou uma proposta de comprar as terras ocupadas por aqueles nativos. O desabafo do Cacique ainda me vem à mente cada vez que vejo ambientalistas de gabinete propalando que os aborígines são lídimos defensores da natureza.

Cacique Seatle

Lembro, apenas a título de exemplo, que: em setembro de 2000, os índios Caiapó da aldeia Puicararanca, São Félix do Xingu, PA, fizeram reféns 40 agentes da Polícia Federal e IBAMA, que fiscalizavam a extração ilegal de mogno dentro da Reserva Indígena. Que em 2014, o doleiro Carlos Habib Chater foi denunciado na operação “Lava a Jato” por associar-se ao Cacique João Bravo na extração ilegal de diamantes na devastada terra dos Cinta-larga. A lista seria interminável, por isso mesmo, paro por aqui.

Folha de S. Paulo, 23.12.1998

Folha de S. Paulo, 27.09.2000

Folha de S. Paulo, 12.08.2007

Folha de S. Paulo, 12.08.2007

Globo.com, 08.12.2015

Globo.com, 04.12.2019

A Carta em questão deve ser considerada dentro de um contexto cronológico e histórico adequado, embora alienados ambientalistas desconsiderem esses fatores, deve-se levar em conta também, que a dinâmica social de todos os seres humanos vem sofrendo mudanças radicais alterando a visão dos nossos íncolas em relação à natureza que os cerca, tornando-os cada vez mais pragmáticos.

Flores do Cerrado

Achar que os interesses dos aborígenes são diversos dos demais seres humanos é trabalhar com a ficção é moldá-los com o lirismo fantasioso e encantador do grande escritor José Martiniano de Alencar.

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 06.08.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Filmetes  

Bibliografia  

CANSTATT, Oscar. Brasil: Terra e Gente (1871) ‒ Brasil ‒ Brasília, DF ‒ Senado Federal, 2002.

DEAN, Warren Kempton. A Ferro e Fogo: a História e a Devastação da Mata Atlântica Brasileira ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Cia. Das letras, 2004.

MIRANDA, Evaristo Eduardo de. Quando o Amazonas Corria para o Pacífico ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Editora Vozes, 2007.

NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Editora Leya, 2009.

OCTAVIE COUDREAU, Marie. Voyage au Cuminá – França – Paris – A. Lahure, Imprimeur-Éditeur, 1901.

ROOSEVELT, Theodore. Através do Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora Nacional, 1944.

VIVEIROS, Esther de. Rondon Conta Sua Vida ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Livraria São José, 1958.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].