Eles prometem uma mobilização na semana que vem, quando o Supremo deve julgar ação contra o marco temporal na demarcação de terras

Audiência reuniu lideranças indígenas da Raposa Serra do Sol – Reila Maria/Câmara dos Deputados

A uma semana da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o marco temporal das demarcações de terra, indígenas mostraram, na Câmara dos Deputados, o que consideram um modelo de gestão territorial na reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Eles participaram nesta quarta-feira (18) de audiência conjunta das Comissões de Direitos Humanos e Minorias e de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio. O processo de demarcação de Raposa Serra do Sol começou no fim dos anos 1970. A homologação só ocorreu em 2005, seguida de várias contestações judiciais encerradas em 2008, quando o STF garantiu a demarcação contínua do território.

Nessa histórica sessão do Supremo, a causa foi defendida por Joenia Wapichana (Rede-RR), então primeira advogada indígena do Brasil. Hoje deputada e coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, Joenia avalia que Raposa Serra do Sol traz lições e exemplos que devem ser levados em conta no momento em que o STF decide se o direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras é originário, ou seja, vem desde antes de 1500, ou deve se submeter a outro marco temporal, como a ocupação das terras até a data de promulgação da Constituição de 1988, por exemplo.

O julgamento, que envolve disputa do Povo Xokleng com o governo de Santa Catarina, está marcado para 25 de agosto e terá repercussão geral, ou seja, a decisão servirá de diretriz para as demais ações judiciais e gestões governamentais.

A deputada espera uma decisão do STF que reforce os direitos indígenas. “A comunidade Xokleng está, no Supremo Tribunal Federal, contra a tese do marco temporal, que também surgiu na época da discussão da Raposa Serra do Sol. Nós estamos contando os dias para que realmente a gente possa dar um basta a esse retrocesso todo que estamos vivendo”, afirmou.

Mobilização
Entre os dias 22 e 28, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) vai promover o Acampamento Luta pela Vida, que pretende reunir várias etnias em Brasília na mobilização em torno do julgamento no STF.

Para reverter o que chamam de “fake news” e campanhas contra seus territórios, os indígenas da Raposa Serra do Sol repudiaram referências a miséria e desorganização na reserva, como foi o caso do coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), o Makuxi Edinho de Souza.

“Na Terra Indígena Raposa Serra do Sol não existe indígena passando fome e não tem indígena no lixão. A Terra Indígena Raposa Serra do Sol não está abandonada, ela está sendo cuidada. No decorrer da luta para garantir esse território, perdemos 21 lideranças e estamos hoje superando esse grande desafio”, relatou.

A Terra Indígena Raposa Serra do Sol ocupa parte dos municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutã, habitada por cerca de 28 mil pessoas das etnias Makuxi, Taurepang, Ingarikó, Patamona e Wapichana. Ivo Aureliano, Makuxi do Conselho Indígena de Roraima, mostrou vários projetos de geração de renda em curso, como a produção orgânica de arroz, feijão, milho, batata e frutas, além da criação de gado nas áreas de “lavrado”, como é conhecida a savana da região.

As comunidades elaboraram planos de gestão territorial e ambiental para orientar o desenvolvimento sustentável e há até estudos e monitoramento das mudanças climáticas e desenvolvimento de energia eólica dentro da terra indígena. Ao todo, Raposa Serra do Sol abriga 141 escolas, 887 professores e 8.316 alunos. Nas áreas de saúde e saneamento, foram capacitados quase 400 agentes indígenas.

Com o apoio do Judiciário, a reserva conta o primeiro Polo Indígena de Conciliação e Mediação do Brasil, que atua na superação de conflitos internos. Alcebíades Constantino, do Povo Sapará e coordenador estadual da Juventude Indígena de Roraima, mostrou o envolvimento comunitário na gestão territorial. “Nosso papel de juventude hoje é fortalecer o sonho das nossas lideranças que lutaram por esse território. Nós sabemos gerir o nosso território nos espaços acadêmicos de formação em direito e gestão territorial, gestão coletiva em saúde. Quando a gente fala que quer ter autonomia e sustentabilidade é exatamente isso”, destacou.

Projetos
Além da mobilização em torno do julgamento no STF, os indígenas também reafirmaram a contrariedade com propostas em tramitação no Congresso Nacional. Coordenadora de ações entre os jovens de Raposa Serra do Sol, Carla Jarraira fez referências aos Projetos de Lei 191/21 e 490/07 que, entre outros pontos, ampliam a exploração econômica dentro das terras indígenas, inclusive com atividades minerais.

Ela lamenta os recentes casos de violência contra meninas indígenas. “Muitas das vezes, lá atrás na história, o garimpeiro que entrou na comunidade foi o que estuprou uma mãe, o que estuprou uma senhora de idade, o que estuprou uma menina. E quero aqui me solidarizar com os indígenas Guarani-Kaiowá, porque recentemente duas meninas foram estupradas por lavoureiros que estão aí e dizem que são o progresso”.

O caso citado por Carla Jarraira está sendo investigado pela polícia de Dourados, no Mato Grosso do Sul.

Filho de Aldo da Silva Mota, uma das vítimas das disputas fundiárias em Raposa Serra do Sol em 2003, o Makuxi Amarildo Mota reconhece problemas ainda existentes na terra indígena – como a invasão de garimpeiros ilegais, por exemplo – mas exalta a demarcação contínua da reserva. “Antigamente, tinha invasão de não-indígenas, fazendeiros, marreteiros. Hoje, nós, povos indígenas, vivemos com liberdade”, comemorou.

Uma advogada especializada em direito agrário foi convidada pelos deputados Geninho Zuliani (DEM-SP) e Joaquim Passarinho (PSD-PA), mas não pode comparecer à audiência por dificuldades na agenda.

Reportagem –  José Carlos Oliveira
Edição – Geórgia Moraes

PUBLICADO POR:    CÂMARA DOS DEPUTADOS