Participantes de audiência na Câmara esperam que a ‘tese do marco temporal’ seja vencida em definitivo
O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre demarcações de terras indígenas, previsto para esta quarta-feira (25), pode ser o início da reversão de uma série de ameaças aos povos originários em curso nos três poderes da União. A opinião foi manifestada por lideranças indígenas e juristas que participaram de audiência da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (24).
Em uma disputa dos povos Xopleng, Guarani e Kaingang com o governo de Santa Catarina, o STF vai decidir se o direito dos indígenas à demarcação de suas terras é originário do descobrimento do Brasil, em 1500, ou deve se submeter ao marco temporal da promulgação da atual Constituição Federal, considerando apenas as ocupações de terras até 5 de outubro de 1988.
Ex-procuradora federal, a jurista Deborah Duprat afirmou que, desde o julgamento da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2008, o STF tem reconhecido os usos, costumes e tradições dos povos originários na delimitação de um amplo espaço que permita habitação, produção, preservação dos recursos naturais e reprodução física e cultural de cada povo.
“Os direitos remontam à época da invasão, porque se reconhece que houve ali uma expropriação violentíssima. No processo constituinte, reconheceu-se que esse é um país formado por desterritorializações e diásporas, e que esses povos foram organizando a sua tradicionalidade nos locais possíveis”, observou ela.
Para Deborah Duprat, os povos indígenas “não estão mais em Copacabana nem em Ipanema porque foram expulsos, mas conseguiram se reconstruir como grupo em outros espaços. É um julgamento importantíssimo que vai dizer muito de nós e das nossas instituições”, disse.
O julgamento do STF terá repercussão geral, ou seja, a decisão passará a orientar a gestão federal e os demais julgamentos em outras instâncias judiciais. Para juristas, indígenas e parlamentares que participaram da audiência na Câmara, será a oportunidade de reverter o que chamam de “retrocessos” na política indigenista do Executivo, projetos de lei “nocivos” no Legislativo e demora do Judiciário na garantia de direitos expressos na Constituição.
Juliana Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), ressalta a relevância do julgamento do STF para a correção de algumas condicionantes impostas na demarcação de Raposa Serra do Sol, em Roraima, e que têm se tornado danosas aos interesses indígenas. Algumas delas, inclusive, estariam justificando a apresentação de projetos de lei no Congresso sobre exploração econômica das reservas.
Acampamento em Brasília
Poran Potiguara, integrante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), da Paraíba, citou a mobilização de mais de 6 mil índios que vieram acompanhar o julgamento no Acampamento Luta pela Vida, montado ao lado da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. “Respeitem as nossas organizações sociais. Juízes que vão julgar: vocês têm a responsabilidade de nos assegurar o direito à vida”, disse.
Coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) também manifestou esperança de reversão da onda de “retrocessos”, a partir do julgamento. “Espero que, rapidamente, a gente possa mudar esse cenário negativo e sombrio”, disse.
Várias lideranças indígenas discursaram durante a audiência na Câmara. Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami, de Roraima, pediu que os não-indígenas “deixem o povo da floresta cuidar do meio ambiente em paz”. Megaron Txucarramãe, da Terra Indígena Kapoto-Jarina, no Mato Grosso, e Alessandra Munduruku, da Federação dos Povos Indígenas do Pará, denunciaram a série de invasões de suas terras por grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais.
Defesa do território
Representando o Movimento dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba), Patrícia Krin Si Atiki fez uma defesa enfática dos territórios tradicionais, como o que ela ocupa na Terra Indígena Pankararé.
“É dessa terra que sobrevivemos e que tiramos os frutos, as caças e onde criamos nossos filhos. É dentro de um território indígena que a gente se encontra como membro de uma comunidade, zelando pelo nosso patrimônio espiritual e pelo nosso patrimônio de vida: nosso território, nossa terra, nossa casa”, disse.
Para o presidente da Comissão de Legislação Participativa, deputado Waldenor Pereira (PT-BA), o STF deve encerrar, de vez, a tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas.
“O marco temporal é uma interpretação definida por ruralistas e setores interessados na exploração das terras indígenas. Na nossa opinião, a tese é injusta porque desconsidera as expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos povos indígenas até a promulgação da Constituição”, observou.
Indígenas, juristas e parlamentares também fizeram muitas críticas ao Projeto de Lei 490/07 e 13 apensados, que trata de demarcação e exploração econômica de terras indígenas. O texto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça no fim de junho e aguarda a análise do Plenário da Câmara.
Não havia defensores do marco temporal na audiência pública.
Reportagem – José Carlos Oliveira
Edição – Roberto Seabra
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PUBLICADO POR: CÂMARA DOS DEPUTADOS
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