A pesquisa ajuda a qualificar a compreensão sobre os efeitos do fogo nos diferentes biomas brasileiros. Na Amazônia, cuja temporada de seca se intensificará a partir de agosto, a expectativa de aumento dos incêndios florestais é preocupante.

Postada em: Museu Goeldi

Agência Museu Goeldi – Para aumentar a compreensão sobre as complexas dinâmicas do fogo nos biomas e ecossistemas brasileiros, 11 pesquisadores formularam o paper intitulado “Understanding Brazil’s catastrophic fires: Causes, consequences and policy needed to prevent future tragedies” (“Compreendendo os incêndios catastróficos no Brasil: causas, consequências e políticas necessárias para prevenir futuras tragédias”, em português), publicado na última semana pela revista Perspectives in Ecology and Conservation.

Segundo os estudiosos, entre os quais se encontra Ima Célia Guimarães Vieira, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), a ideia é oferecer base científica apropriada que ajude a conduzir decisões de manejo apropriadas e políticas mais eficientes na gestão de incêndios em vegetação nativa de todos os biomas e ecossistemas do Brasil.

O estudo parte de um cenário preocupante: o clima mais seco e a fragilização de estruturas de fiscalização e de combate a incêndios florestais aumentam os riscos da chamada “temporada do fogo” na Amazônia, prevista para iniciar no próximo mês de agosto.

Os dados recentes justificam o alerta, na medida em que o Brasil encerrou o ano de 2020 com o maior número de focos de queimadas em uma década, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Além disso, nos últimos dois anos, os índices de desmatamento na Amazônia, comumente associados ao de queimadas na região, tiveram os registros mais altos desde 2015.

Outro destaque negativo se deu em outro bioma, o Pantanal, que teve no ano passado 30% de seu território atingido por 22.119 focos de queimadas, cerca de 120% a mais que no ano anterior.

Regimes de fogo – De acordo com os autores da pesquisa, “os biomas e ecossistemas brasileiros variam em resposta e vulnerabilidade ao fogo”.

Em ecossistemas como campos graminosos e savanas (a exemplo do Cerrado e dos Campos Sulinos), caracterizados pela dominância de gramíneas, as plantas e animais apresentam diversas adaptações e sinergias com o fogo, por isso sob uma perspectiva ecológica, são considerados “pirofíticos ou dependentes do fogo”. O manejo controlado do fogo, nesse contexto, previne a acumulação de biomassa, evitando incêndios acidentais, enquanto queimadas acidentais ou criminosas alteram o regime de fogo, provocando a degradação do ambiente.

Já nas florestas tropicais, como a Amazônia e a Mata Atlântica, a relação se dá de forma contrária: elas não são adaptadas ao fogo e não queimam com facilidade, exceto quando sofrem de extrema seca ou degradação, que as tornam mais vulneráveis aos incêndios. Quando essas florestas se incendeiam, de forma natural ou provocada, o fogo pode causar sérios efeitos negativos à biodiversidade, o que faz com que elas sejam classificadas como “sensíveis ao fogo”.

“De um modo geral, ecossistemas dependentes de fogo se beneficiam de queimadas para a manutenção de sua biodiversidade e de seus processos ecológicos, enquanto que o contrário ocorre no caso de ecossistemas sensíveis ao fogo. O impacto causado por um incêndio num dado ecossistema – seja ele dependente ou sensível em relação ao fogo – é determinado pelo regime de fogo, ou seja, o padrão apresentado pelo tipo de queimada, sua frequência, sazonalidade, intensidade e extensão”, explicam os autores do estudo.

No entanto, com a intensificação das atividades agropecuárias e as mudanças climáticas, por exemplo, os regimes considerados “naturais” de fogo têm sido modificados, levando a uma maior frequência e extensão das áreas queimadas, bem como a alteração da época de queima.

“Esses regimes de fogo alterados costumam trazer efeitos negativos, não apenas sobre a biodiversidade, mas também quanto aos processos e serviços ecossistêmicos”, explicam os cientistas.

Gestão do fogo – No que se refere às políticas ambientais, mesmo em ecossistemas dependentes do fogo, uma política de “Fogo Zero” tem prevalecido no Brasil desde os tempos coloniais.

“Somente a partir da década de 1970, novos entendimentos sobre o fogo foram sendo desenvolvidos lentamente, à medida que o assunto passou a ser considerado pela ciência. Os efeitos negativos da exclusão do fogo em ecossistemas pirofíticos – como perda de biodiversidade e o acúmulo de combustível, que pode levar a incêndios catastróficos – passaram a ser estudados”, apontam os autores do artigo.

A partir de 2008, uma estratégia governamental de Manejo Integrado de Fogo (MIF) passou a ser concebida e aperfeiçoada, com aplicações em unidades de conservação federais.

Um exemplo é o Parque Nacional das Sempre Vivas (na região de Diamantina, Minas Gerais), onde pesquisadores, gestores da unidade de conservação e população local construíram uma estratégia de Manejo Integrado do Fogo.

Fonte de subsistência para os moradores locais, as sempre vivas têm a sua floração estimulada pelo uso do fogo. “O manejo dessas plantas pelas populações locais envolve o uso do fogo pois se acredita que o fogo possa estimulá-las a produzir mais flores. Porém é muito importante observar como utilizar esse fogo e a quantidade de flores que pode ser retirada para garantir a continuidade de todas as espécies”, conta Vânia Pivello, pesquisadora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e uma das autoras do paper.

Apesar dos sucessos, o Manejo Integrado do Fogo ainda não foi amplamente implementado em todo o país e permanece restrito a um número relativamente pequeno de áreas protegidas, principalmente no Cerrado.

No que se refere às terras privadas, nas quais muitas vezes são iniciados os incêndios durante a preparação de sistemas agrícolas e pastagens, ainda não há uma estratégia geral para o gerenciamento do fogo.

Amazônia – A pesquisadora Ima Vieira ressalta como, na Amazônia, cujas florestas são vulneráveis em relação aos incêndios, as queimadas costumam ser criminosas, como consequência direta do desmatamento.

“O desmatamento está muito elevado na Amazônia desde março e ninguém desmata sem tocar fogo depois para limpar a área para cultivo ou para especulação de terra, então a situação já preocupa antes mesmo do início da temporada do fogo, que começa em agosto”, comenta.

Diante desse cenário, ela classifica como alarmante o desmonte das políticas ambientais e a banalização do impacto dos incêndios ao meio ambiente, economia e saúde.

A crítica se soma ao apontamento do estudo de que a má governança exacerba ainda mais o risco e danos de incêndios florestais.

Segundo os autores, as políticas de combate aos incêndios devem ser melhoradas por meio da colaboração entre diferentes setores da sociedade, com cinco pontos essenciais para o gerenciamento eficaz: base de informação adequada, integração de políticas de manejo de fogo e das terras, agências governamentais equipadas e bem treinadas, definição de uma agenda de pesquisa nacional, educação e divulgação.

Serviço: Para acessar o paper “Understanding Brazil’s catastrophic fires: Causes, consequences and policy needed to prevent future tragedies”, clique aqui. Com 23 páginas, o texto encerra com um quadro com respostas a frequentes dúvidas sobre incêndios em ecossistemas brasileiros.

Texto: Brenda Taketa, com informações do resumo executivo e de Érica Speglich, da assessoria de imprensa da USP

PUBLICADO POR:     MUSEU GOELDI