Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 1ª Parte – VIII 

O Paiz, n° 12.594, 09.12.1913

Theodore Roosevelt – II 

O Paiz, n° 10.594 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Quinta-feira, 09.10.1913 

A Vinda do Sr. Roosevelt  

Está em viagem para o Brasil o Sr. Theodore Roosevelt, que deve ser acolhido aqui com manifestações excepcionais de apreço, tanto pela radiação do seu nome notável no domínio do pensamento, como na arte de governar, e pelo que a sua personalidade tem de intensamente representativa da civilização americana. “Deve ser” não significa uma deliberação já assente por parte das autoridades ou dos centros intelectuais da metrópole brasileira, mas a obrigação em que uns e outros se acham de manifestar ao grande estadista e vigoroso escritor o alto conceito em que tem a sua obra de democrata, a sua capacidade de diretor da política de uma grande nação, o seu talento de publicista possante e original.

É tempo de se pensar na melhor maneira por que se há de acolher o Ex-presidente dos Estados Unidos, espírito de renome e influência universal, e que tão particulares testemunhos de interesse mostrou pelo progresso da nossa República.

São visitas desta ordem, espontâneas, ditadas pela curiosidade intelectual por um visível sentimento de simpatia, que nos devem lisonjear. O Sr. Roosevelt tem um grande público que admira a sua independência de caráter, a justeza das suas observações, a superioridade do seu critério, e, assim, o que da sua pena sair sobre a situação da nossa terra, sobre os problemas que o preocupam, sobre os traços especiais da nossa evolução social, política e econômica, sobre o pitoresco das nossas paisagens e dos nossos costumes, há de atrair para o Brasil uma larga atenção, produtora mais tarde de excelentes frutos.

Não é por esse lado somente que a sua vinda deve ser apreciada, embora não fique mal a nenhum povo, como a nenhum indivíduo, pensar nos proveitos nobres que pode colher de um incidente, para o qual não concorreu, mas que, inteligentemente aproveitado, lhe pode determinar resultados utilíssimos. O que acima de tudo, é claro, nos impõe o grato encargo de festejar o advento do Sr. Roosevelt é a compreensão que todos temos da grandeza da sua ação política, do seu amor à paz universal, do seu empenho pela concórdia e pela prosperidade americana. Os Estados Unidos devem ao grande homem monumentos de verdadeiro orgulho patriótico, tão brilhante foi o concurso que trouxe ao acréscimo do seu prestigio internacional.

Ao gênio político de Roosevelt deve a poderosa República grande parte da influência de que dispõe no concerto das potências e o ambiente de confiança e admiração com que nos principais países do continente passaram a ser, julgadas as suas ideias e tendências em relação às Repúblicas latinas, por cuja integridade ela sempre zelou, fiel ao compromisso tradicional de Monroe.

O período da sua administração constitui uma das páginas mais vibrantes e gloriosas da história daquele admirável país. A paz entre a Rússia e o Japão, trabalho do Presidente daquela República, bastaria para dar à sua individualidade uma fulguração imorredoura. Não há, nos últimos tempos, exemplo de uma tão grande autoridade envolta em tão larga, carinhosa e entusiástica estima, como aquela de que gozou o eminente democrata durante os anos de sua fecundíssima presidência. O cortejo que algumas monarquias poderosas fizeram ao chefe dessa deslumbrante democracia, disputando-lhe as graças e enaltecendo-lhe o valor, dá a medida do êxito dessa administração inolvidável.

Este artigo não visa, porém, a reconstituição dos serviços que, em escala espantosa, prestou ao progresso do seu país e ao aumento da civilização universal. Não chegou ainda a hora do cumprimento desse dever; o que se quer é simplesmente relembrar a imponência desse vulto, que, fora do poder, e por ele tão nobilitado, ainda exerce sobre os espírito dos governantes e dos povos a fascinação do talento, como condutor perspicaz que foi das energias e das aspirações da sua vigorosa e liberalíssima nacionalidade.

O Sr. Roosevelt, dissemos atrás, mostrou sempre pelo Brasil um grande interesse, acompanhando os seus progressos e prestando-lhe até o auxílio da sua boa vontade na solução das dificuldades que para o problema do Acre criara a fundação do Bolivian Syndicate.

Sem a intervenção do Governo Americano, esse grupo financeiro não teria aberto mão dos seus direitos ao verdadeiro domínio do território em que se instalara, escudado numa “Carta” do gênero das grandes companhias exploradoras dos Sertões africanos.

A solicitude com que a Chancelaria da grande República, interpretando os sentimentos de cordialidade do Sr. Roosevelt com o nosso país, procurou obter a acomodação da empresa aos desejos de Rio Branco, recomendou logo o grande estadista ao apreço nacional.

A viagem de Elihu Root ao Brasil, para assistir à inauguração da Conferência Pan-Americana, obedeceu ao pensamento do Chefe do Estado que se esforçava por manifestar à opinião Sul-americana o seu espírito de amizade sincera, dissipando velhos e desarrazoados preconceitos sobre o caráter autoritário e imperialista da política dos Estados Unidos, em relação aos povos latinos do continente. Se o Sr Root percorreu diversas Repúblicas, não há negar que só pensou nessa visita depois de resolvida a viagem à metrópole brasileira.

Era claro que essa audição a uma República Sul-americana, motivada pelo fato da reunião da Conferência Internacional, devia ser tomada pelas outras como uma prova da perfeita amizade que os Estados Unidos lhes votavam, alheados por completo de qualquer ideia de preponderância, num futuro mais ou menos próximo. O Sr. Root quis, porém, ser gentil com as principiais, para que não houvesse entre elas motivo para ciúmes, e prolongou a sua excursão de proveitosa e inteligente confraternidade.

O Brasil não pôde esquecer, porém, o empenho que o Governo de Roosevelt pôs em lhe patentear o seu afeto por essa ocasião, delicadeza que o povo compreendeu naturalmente emocionado, festejando por forma verdadeiramente entusiástica o seu eminente auxiliar de Governo. Além do dever em que nos achamos, como sociedade culta, de demonstrar a nossa admiração por um dos espíritos mais notáveis do tempo, com uma bela folha de serviços à liberdade, à paz, à civilização, ilustre nas letras, grande na política, soldado heroico e pensador profundo, há ainda a consideração especial do reconhecimento que nos cumpre prestar pelas suas provas de estima, tão sinceras como úteis. […] (O PAIZ, n° 10.594)

O Paiz, n° 10.602, 17.10.1913

O Paiz, n° 10.602 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Sexta-feira, 17.10.1913

Roosevelt

A Sua Próxima Chegada a Esta Capital 

A próxima visita do Sr. Theodore Roosevelt, o brilhante estadista “yankee” e antigo Presidente da grande República do Setentrião, vai ser, dentro de uma semana, a nota sensacional da vida brasileira. Além de se tratar de um homem notável por todos os títulos, político, pensador e tribuno, “sportman” consumado e perfeito “gentleman” em toda a extensão do vocábulo, hoje de nomeada mundial, conquistada vitoriosamente desde o seu vigoroso Governo nos Estados Unidos até as suas múltiplas excursões pelos diversos continentes, em cujo coração se há entranhado em curiosos e interessantes estudos, tem ainda para nós um outro encanto – é haver sido sempre um grande amigo da nossa Pátria.

O Governo, em nome do Brasil, vai recebê-lo com todas as honras, se bem que a sua vinda ao nosso pais se revista de caráter puramente particular, tendo mesmo, por principal escopo, estudar o nosso meio e as nossas coisas, como tem feito em outros países, o que exige uma certa tranquilidade de ânimo e, para que não dizer logo, requer, acima de tudo, uma justificada liberdade de ação.

Seria assim insensato que se pretendesse entre nós, quer pelo mundo oficial, quer pelas outras classes da nossa sociedade, tomar-lhe o tempo inteiro; de que dispõe, e que não é muito, com festas sobre festas e intermináveis homenagens, transformando-o em um simples prisioneiro de Exagerados carinhos privando-o de satisfazer a natural curiosidade científica que o atrai principalmente às nossas plagas.

Não há dúvida que é dever nosso cercá-lo do grande afeto, de que fez jus por mais de uma ocasião, quer como simples cidadão, quer como chefe supremo de seu país, dando-nos constantes e evidentes provas de alta estima e consideração, e concorrendo com isso a reafirmar as cordiais e fecundas relações que sempre ligaram as duas maiores potências da América, desde que ambas se tornaram independentes das respectivas metrópoles. […]

Tudo isto justifica a satisfação com que o Governo da República e os brasileiros em geral receberão tão ilustre e prezado hóspede; estamos certos de que o acolhimento que terá de todos será tanto mais sincero e expressivo, quanto não se revestirá de excessivas exibições, que não estão mais ao nível de nossa cultura, e que nos reduziriam, diante do seu olhar perscrutador de sociólogo e cientista, às ridículas proporções de certos povos que, conto mesmo nos descreve, teve ensejo de visitar em algumas regiões pouco civilizadas.

Se o Governo brasileiro adotar para a recepção do grande estadista o protocolo “Yankee” se não servilmente, ao menos em suas linhas gerais, em se tratando de um ex-chefe de Estado, o seu desembarque se deverá realizar no Arsenal de Marinha, onde, em sala especial, receberá os cumprimentos do representante do Presidente da República, Ministros das diversas pastas, Presidentes do Senado e da Câmara, com as respectivas comissões de diplomacia; embaixador americano e seus secretários; diplomatas estrangeiros que o desejem cumprimentar; altos funcionários da República; Presidente e demais diretores do Instituto Histórico, no qual vem especialmente fazer uma conferência e delegados de outras instituições de ciência, letras e comércio. […]

Além da recepção em que, naturalmente, deverá apresentá-lo à sociedade brasileira o Sr. Edwin Morgan, e das festas promovidas pela colônia norte-americana, é possível que o Sr. Ministro das Relações Exteriores lhe ofereça um “garden-party” em um dos nossos soberbos parques, e as Comissões de diplomacia do Senado e da Câmara lhe deem um grande baile.

O ilustre estadista terá assim ensejo de se achar em contato com a nossa sociedade culta durante alguns dias; e, depois de fazer a sua Conferência no Instituto Histórico, é possível que passe a visitar, além do Instituto Oswaldo Cruz, alguns dos nossos grandes estabelecimentos fabris, para fazer ideia do progresso real das nossas indústrias, seguindo a percorrer um dos Institutos de instrução agrícola, fundados pelo Ministério da Agricultura, e uma ou duas das nossas colossais fazendas de café.

A sua demora nesta cidade será agora curta, partindo depois para S. Paulo, onde passará alguns dias, e visitando talvez Minas Gerais.

Deixando sua ilustre família em companhia de seu filho, em S. Paulo, o Sr. Roosevelt irá por terra, através do Paraná, S. Catarina e Rio Grande do Sul, até Montevidéu, passando-se daí para Buenos Aires e seguindo, finalmente, até ao Chile.

Daquela República, onde ficará uma semana talvez, regressará ao Brasil, onde virá encontrar-se com o Coronel Rondon, com este empreendendo uma longa excursão pelos nossos Sertões, devendo percorrer zonas até hoje jamais transitadas por estrangeiros, sendo possível que com o seu intrépido companheiro faça a exploração de um Rio que nunca foi estudado. Essa viagem será para Roosevelt talvez a mais bela página das suas ousadas aventuras pelas florestas. Chamado pelo Governo, é provável que chegue hoje a Manaus o Coronel Rondon dali partindo hoje mesmo em um dos paquetes do Lloyd, devendo aqui aportar poucos dias depois daquele ilustre viajante. […] Seja bem-vindo o grande amigo do Brasil. (O PAIZ, n° 10.602)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 01.06.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia  

O PAIZ, n° 10.594. A Vinda do Sr. Roosevelt – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – O Paiz, n° 12.594, 09.12.1913.

O PAIZ, n° 10.602. Roosevelt – A Sua Próxima Chegada a Esta Capital – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – O Paiz, n° 10.602, 17.10.1913.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].