Expedição Centenária Roosevelt-Rondon  1ª Parte – XXVIII

O Canoeiro

Corumbá – Boca do Rio Cuiabá II  

20.12.1913 

Rondon 

Para evitar outras caminhadas improfícuas, mandei no dia seguinte um dos azagaieiros, denominado Miguel Henrique, correr os campos, a ver-se encontrava sinais recentes da presença de onças. O homem voltou com a notícia de haver descoberto rastros da noite precedente, reveladores da passagem de um casal daqueles felinos para um Capão de mato, onde eles tinham o seu refúgio. (RONDON)

21.12.1913 

Rondon 

Para esse lugar partimos na madrugada e 21 e, pouco depois das 06h00, descobríamos a primeira onça, um belo espécime da nossa temível canguçu, que foi abatida por uma bala certeira da Springfield do Sr. Roosevelt. (RONDON)

22.12.1913  

Rondon 

No dia imediato tomamos rumo do Taquari Velho e descobrimos a segunda onça, que foi morta pelo Sr. Kermit, a tiro de Winchester. (RONDON)

23.12.1913 

Magalhães 

A 23, pelas 11h15, partiu a carreta conduzindo as bagagens e às 14h45 partiu a comitiva da Expedição através dos campos alagados, de regresso ao porto do Riozinho [braço do Rio Taquari] onde reembarcou todo pessoal no paquete “Nyoac”, que aí aguardava essa chegada. (MAGALHÃES, 1916)

24.12.1913 

Pereira Cunha  

Às 07h00, deixávamos o Porto do Riozinho, águas abaixo, entrando às 08h20 no Rio Paraguai e por ele subindo em busca de Corumbá. Estávamos na véspera do Natal, esse dia que a humanidade inteira, com ou sem ideia de religião, dedica ao aconchego do lar, às doçuras da família e principalmente às crianças; e nós, todos nós ali reunidos, distantes dos lares e das famílias, tínhamos, insensível, involuntariamente, pensamentos que voltejavam em torno disso. Ao almoço, Roosevelt, que desde o primeiro dia tinha-me sempre como seu vizinho, encaminhou a conversa para a religião; eu discorri larga e francamente sobre o que penso a respeito: a grande vantagem da sua ação sobre as massas, o apoio para os crentes, o consolo para os que sofrem, e a dificuldade que sentia na adoção de qualquer delas, embora me sentisse perfeitamente equilibrado, pautando meus atos por uma sã moral, fruto principal de qualquer religião bem formada. Estendi-me ainda sobre o difícil problema de encaminhar os filhos na religião, a escolha que fizera para os meus depois de muito refletir e, após todo o meu discurso, algumas vezes interrompido para discussão de um ou outro ponto, ficamos de pleno acordo, como em geral sucedia com as nossas constantes palestras.

Eu ia terminar nesse dia a minha excursão e deixar, com pesar, tão agradável companhia, mas Roosevelt insistia para que eu continuasse e, de acordo com o Coronel Rondon, tudo ficou arranjado de modo que fosse satisfeita a sua vontade, que bem se casava com a minha. Realmente, durante os poucos dias dessa primeira parte da excursão, as nossas relações eram cada vez mais estreitas e amistosas, e dir-se-ia que, a cada sessão de prosa, que correspondia, em geral, a cada refeição, mais intenso tornava-se esse sentimento recíproco. Aliás, pouco após a apresentação em que, como sempre, não se trocam mais que palavras banais, a primeira vez que tive ocasião de conversar com o Ex-presidente dos Estados Unidos, na manhã em que partíramos de Corumbá, fácil foi sentir através da sua conversa, do seu olhar, da sua expressão, o homem forte, enérgico, pronto e inteligente.

A inteligência de Roosevelt não é dessas que se percam em especulações filosóficas vazias, sonhos quiméricos de cérebros inúteis que se divertem em tecer palavras em torno de hipóteses, não, Roosevelt, como ele próprio diz, não vê importância alguma nas palavras, uma vez que elas não representam ações ou fatos; ama e defende a liberdade, mas não faz dessa “palavra” um ídolo intangível, pois que, para que todos gozem com ordem dessa mesma liberdade, é preciso regularizá-la e não consentir que cada um tome a porção que lhe aprouver; esse é que é o fato real e é isso que tem importância e cunho prático; a palavra liberdade em si nada vale, e utilizá-la sem peias é querer a anarquia.

Roosevelt é o tipo do forte, de energia sã e ação pronta, e a prova era a viagem que ia empreender através do Brasil: descer um Rio desconhecido, e isso com 55 anos de idade.

Mas, como ficou dito, e sem acrescentar mais elogios ao meu novo e distinto amigo, uma vez decidido que prolongaria a minha excursão, foi preciso tratar de pôr em ordem o que me pertencia, ver o que era mister adicionar para a nova empresa e preparar-me para saltar no Ladário, onde necessitaria tomar e ordenar providências. Às 14h00, passamos pela foz do Paraguai Mirim, Braço que liga ao Rio S. Lourenço e célebre na retomada de Corumbá pelo General José Maria Coelho, que por aí desceu de Cuiabá, para retomar Corumbá com tropas por ele organizadas; e, enfim, às 16h00, tomava eu o escaler do meu navio, deixando o “Nyoac” seguir para Corumbá. Se o prazer da agradável companhia e o gênero de esporte já constituíam para mim encantos dos quais um bastaria para arrastar-me, calcule-se como não seria intensa a minha alegria, ao juntar-se ainda o ignorado do rumo da excursão que íamos empreender.

Correndo o mais que me era dado, só às 19h00 estava pronto e embarcava na lancha do meu navio, o “Oyapock”, para apanhar o “Nyoac”, em Corumbá, quatro milhas de Rio acima. Com ânsia, esperei que o motor da lancha quisesse acabar com um desses caprichos que os motores de explosão reservam para desesperar e muitas vezes matar os homens, se deles depende, como nos aeroplanos, a vida dos mortais; o motor em movimento e embarcado que fui, mal nos tínhamos afastado poucas dezenas de metros do costado do navio; e eis de novo o recalcitrante motor parado, em plena correntada do Rio Paraguai… Oh raiva indizível! Oh desespero! Oh destino cruel e maldito! Já se havia esgotado uma hora de trabalho incessante e inútil e de irritação improfícua; a lancha descia plácida e serena pela tranquila correnteza do Rio, enquanto o “Nyoac” ficava cada vez mais distante e suspenderia ferro, às 22h00! Amargurados momentos!

Quando passamos a contrabordo pelo meu navio, eu pedi socorro, mas, àquela hora, só estava arriado um pesado bote a dois remos, e foi ele o enviado em nosso auxílio; mas, se a esse bote já era difícil fazer vencer a correnteza, calcula-se o que seria a dar reboque à nossa lancha, aliás bem pequena.

Avançávamos aos centímetros e com esforços incríveis; o tempo corria vertiginoso, e a esperança de apanhar o “Nyoac” fugia com a mesma velocidade. Quase às 21h30, conseguimos atingir o monitor “Pernambuco” e, aí conseguindo uma outra lancha, no seu motor, também à explosão, embarquei todas as minhas esperanças.

Os quarenta minutos de subida do Rio foram, como sempre sucede em circunstâncias análogas, de uma lentidão esmagadora; as luzes dos vapores fundeados em Corumbá não permitiam que eu distinguisse o “Nyoac” dentre eles e, assim, só ao termo da atribulada viagem, ou antes, a uns 50 m do navio, consegui verificar que o “Nyoac” ainda não tivera deixado o porto; mas era bem tempo. Faltavam cinco minutos para as 22h00, e essa tinha sido a hora fixada para termo da minha espera. O alívio que senti ao saltar a bordo e a satisfação demonstrada por Theodore Roosevelt, ao abraçar-me, fizeram dissipar o mau humor que havia bem explodido contra os motores de explosão, que tantos e tão bons serviços nos prestam… quando funcionam bem.

Às 22h00, deixamos o porto, águas acima; o Paraguai dá aí 3 compridas voltas das quais se avista, por longo tempo, Corumbá, cujo efeito é realmente belo com a sua profusa e intensa iluminação elétrica, cintilante na elevação em que é construída, debruçada sobre o Rio, pitoresca e garbosa como é difícil imaginar a quem nunca tenha visto essa longínqua cidade.

Por detrás dela, ao longe, recortando o céu límpido, avista-se a massa negra da serra do Urucum, que encerra as ricas minas de manganês, a serra de S. Domingos e a de Piraputanga; e, enquanto de um lado tem-se esse espetáculo, do lado esquerdo, apertando o Rio, em que navegávamos, o pantanal imenso, sombrio e triste na escuridão da noite, estende-se sem fim. (CUNHA)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 29.06.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Filmetes  

Bibliografia 

CUNHA, Comandante Heitor Xavier Pereira da. Viagens e Caçadas em Mato Grosso: Três Semanas em Companhia de Th. Roosevelt – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Livraria Francisco Alves, 1922.

MAGALHÃES, Amílcar A. Botelho de. Anexo n° 5 – Relatório Apresentado ao Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon – Chefe da Comissão Brasileira – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Papelaria Macedo, 1916.

RONDON, Cândido Mariano da Silva. Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9 de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro Phenix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos da Expedição Roosevelt-Rondon e da Comissão Telegráfica ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].