Substitutivo, que reúne 14 projetos que tramitam sobre o assunto, trata do marco temporal e das atividades econômicas nesses territórios

Lideranças indígenas em Brasília acompanham a votação da proposta – Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

O relator da proposta que muda as regras para a demarcação de terras indígenas, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), apresentou nesta quarta-feira (16), seu parecer na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Um pedido de vista adiou a votação do projeto.

Maia apresentou um substitutivo aos 14 projetos que tramitam em conjunto. O principal, Projeto de Lei 490/07, submete a demarcação de terras indígenas ao Congresso Nacional. O texto apresentado pelo relator é mais amplo, não trata de demarcação por lei, porém traz outros temas polêmicos como o chamado marco temporal e mudanças no usufruto pelos povos originários, com a possibilidade, por exemplo, de instalação de bases, unidades e postos militares, expansão da malha viária, e exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico.

O substitutivo apresentado pelo relator considera terras indígenas:

  • aquelas tradicionalmente ocupadas pelos índios, por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições;
  • as áreas reservadas, consideradas as destinadas pela União por outras formas que não a prevista anteriormente; e
  • as áreas adquiridas, consideradas as havidas pelas comunidades indígenas pelos meios admissíveis pela legislação, tais como a compra e venda e a doação.

Marco temporal
O texto busca consolidar em lei um ponto polêmico, que é a tese do marco temporal. A proposta garante como terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros apenas aquelas que, na promulgação da Constituição de 1988, eram simultaneamente: por eles habitadas em caráter permanente; utilizadas para suas atividades produtivas; imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

A comprovação desses requisitos deverá ser devidamente fundamentada e baseada em critérios objetivos. A ausência da comunidade indígena na área pretendida em 5 de outubro de 1988 impede o direito à terra, salvo em caso de conflito possessório, fato que deverá ser devidamente comprovado.

Segundo o texto, a demarcação contará obrigatoriamente com a participação dos estados e municípios em que se localize a área pretendida e de todas as comunidades diretamente interessadas, sendo franqueada a manifestação de interessados e de entidades da sociedade civil, desde o início do processo administrativo demarcatório, a partir da reivindicação das comunidades indígenas.

É assegurado aos entes federados o direito de participação efetiva no processo administrativo de demarcação de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

Aos interessados na demarcação serão assegurados, em todas as suas fases, inclusive nos estudos preliminares, o contraditório e a ampla defesa, sendo obrigatória a sua intimação desde o início do procedimento e permitida a indicação de peritos auxiliares.

O substitutivo proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas e considera nulas demarcações que não atendam aos preceitos estabelecidos pelo texto. Os processos administrativos de demarcação de terras indígenas ainda não concluídos deverão ser adequados às novas regras.

Se for verificada a existência de justo título de propriedade ou posse em área tida como necessária à reprodução sociocultural da comunidade indígena, a desocupação da área será indenizável, segundo a proposta.

Áreas reservadas
O texto cria as “áreas indígenas reservadas”, destinadas pela União à posse e ocupação por comunidades indígenas, de forma a garantir sua subsistência digna e preservação de sua cultura, que poderão ser formadas por: terras devolutas da União discriminadas para essa finalidade; áreas públicas pertencentes à União; e áreas particulares desapropriadas por interesse social.

As reservas, parques ou colônias agrícolas indígenas constituídas nos moldes do Estatuto do Índio serão consideradas áreas indígenas reservadas.

As áreas indígenas reservadas são de propriedade da União, ficando a sua gestão a cargo da comunidade indígena, sob a supervisão da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Caso, em razão da alteração dos traços culturais da comunidade ou por outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo, seja verificado não ser a área indígena reservada essencial à garantia da subsistência digna e preservação da cultura da comunidade, a União poderá retomar a terra, dando outra destinação de interesse público ou social; ou destiná-la ao Programa Nacional de Reforma Agrária.

São áreas indígenas adquiridas as havidas pela comunidade mediante qualquer forma de aquisição permitida pela legislação civil, tais como a compra e venda ou a doação.

Mineração e garimpo
Com relação ao uso e à gestão das terras indígenas, a proposta estabelece que o usufruto da terra pelos povos originários não abrange:

  • o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;
  • a pesquisa e lavra das riquezas minerais, que também dependerão de autorização do Congresso, assegurando-lhes a participação nos resultados da lavra, na forma da lei;
  • a garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira; e
  • as áreas cuja ocupação atenda a relevante interesse público da União.

Ainda segundo o texto, o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente.

Também fica assegurada a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal em área indígena, independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente.

O ingresso de não indígenas em áreas indígenas poderá ser feito: por particulares autorizados pela comunidade indígena; por agentes públicos justificadamente a serviço de um dos entes federativos; pelos responsáveis pela prestação dos serviços públicos ou pela realização, manutenção ou instalação de obras e equipamentos públicos; por pesquisadores autorizados pela Funai e pela comunidade indígena; por pessoas em trânsito, no caso da existência de rodovias ou outros meios públicos para passagem.

Exploração econômica
O substitutivo faculta o exercício de atividades econômicas em terras indígenas, desde que pela própria comunidade, porém admitida a cooperação e contratação de terceiros não indígenas. Os frutos da atividade devem gerar benefícios para toda a comunidade e a posse dos indígenas deve ser mantida sobre a terra, ainda que haja atuação conjunta de não indígenas no exercício da atividade. Os contratos devem ser registrados na Funai.

Fica permitido o turismo em terras indígenas, organizado pela própria comunidade, sendo admitida a celebração de contratos para a captação de investimentos de terceiros. Por outro lado, fica vedada a qualquer pessoa estranha às comunidades a prática de caça, pesca, extrativismo ou coleta de frutos, salvo se relacionada ao turismo organizado pelos próprios indígenas.

Povos isolados
No caso de indígenas isolados, cabe ao Estado e à sociedade civil o absoluto respeito a suas liberdades e meios tradicionais de vida, devendo ser evita ao máximo o contato, salvo para prestar auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública.

O texto também modifica a legislação que trata do plantio de organismos geneticamente modificados (Lei 11.460/07) para retirar a vedação ao plantio em terras indígenas.

Segundo o relator, deputado Arthur Oliveira Maia, o substitutivo “busca consolidar em lei o entendimento amplamente majoritário, em garantia da segurança jurídica”.

“Enxergando os indígenas como cidadãos brasileiros que são, pretendemos conceder-lhes as condições jurídicas para que, querendo, tenham diferentes graus de interação com o restante da sociedade, exercendo os mais diversos labores, dentro e fora de suas terras, sem que, é claro, deixem de ser indígenas. De fato, é inconcebível que os indígenas, de posse de 117 milhões de hectares de terra, apresentem os piores índices socioeconômicos do País”, defendeu o parlamentar.

Povos originários
A deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), por outro lado, afirmou que o texto atende a interesses diversos. “Para quem não conhece a questão indígena, não é somente dizer se os indígenas têm ou não 14% das terras, mas saber que são os povos originários. Muitos têm interesse nas terras indígenas, seja para o agronegócio, para ocupação, para fins de exploração dos recursos naturais como mineração, hidrelétrica, e uma série de projetos, que não conseguem entender e nem respeitar a questão dos povos originários desse país”, criticou a deputada.

Parlamentares de oposição também chamaram atenção para a manifestação de indígenas que se encontravam do lado de fora da Câmara, e eram contrários à proposta.

O deputado Giovani Cherini (PL-RS) disse que queria aprovar a proposta “justamente pela causa indígena”. “Hoje, o que acontece, o índio briga na aldeia, e resolve criar outra área, arruma antropólogo, arruma ONG, e surgem outras áreas. Essa é a grande briga. Hoje o índio no Brasil tem 14% das terras, o índio no Brasil é latifundiário e passa fome. Eu sou defensor dos índios”, afirmou.

Já a deputada Erika Kokay (PT-DF) criticou a tese do marco temporal por, em sua visão, não levar em conta que povos que foram expulsos de suas terras poderão não ter direito a elas. Ela também falou contra outros pontos do texto. “Aqui se ousa roubar a terra do povo indígena. E aqui o parecer do relator estabelece que se pode fazer malhas viárias e uma série de intervenções nos territórios indígenas sem consultá-los. Se permite, inclusive num País que é campeão no veneno, que se estabeleça as produções transgênicas em territórios indígenas”, lamentou.

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Reportagem – Paula Bittar / Edição – Roberto Seabra / CÂMARA DOS DEPUTADOS

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