Recurso Extraordinário que servirá de paradigma para julgamentos futuros deve ser analisado pelo STF nesta quarta-feira (30)

Arte: Secom/MPF

“O art. 231 da Constituição Federal reconhece aos índios direitos originários sobre as terras de ocupação tradicional, cuja identificação e delimitação há de ser feita à luz da legislação vigente à época da ocupação”. Com esse entendimento, o procurador-geral da República, Augusto Aras, reiterou o posicionamento do Ministério Público Federal (MPF) contra a tese do marco temporal, em debate no Recurso Extraordinário 1.017.365/SC. O caso, que tem repercussão geral reconhecida, está na pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta-feira (30).

A tese do marco temporal condiciona a demarcação de territórios indígenas à ocupação do local na época da promulgação da Constituição de 1988 ou à comprovação de que a população foi removida da área à força, sob resistência persistente – o chamado “esbulho renitente”. Em memorial enviado aos ministros da Corte Superior, no entanto, Aras sustenta que o direito dos indígenas sobre suas terras é “congênito e originário”, independentemente de titulação ou reconhecimento formal.

O PGR argumenta que o Brasil sempre manteve com os indígenas relação de reconhecimento do seu direito às terras de ocupação tradicional, “seja como Colônia de Portugal, como Reino Unido a Portugal e Algarves, como Império do Brazil, como República dos Estados Unidos do Brazil e, agora, como República Federativa do Brasil”. No memorial, Aras apresenta o histórico da legislação nacional sobre o tema, comprovando que o direito dos indígenas às suas terras sempre esteve presente no sistema legal brasileiro e é reconhecido por todas as Constituições do país, desde 1934.

Segundo o procurador-geral, “a adoção da data da promulgação da Constituição Federal vigente (5.10.1988) como referencial insubstituível para o reconhecimento aos índios dos direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam iria de encontro ao regime de direito intertemporal e ignoraria a existência de uma ordem normativa prévia à 1988”.

Augusto Aras ressalta que, conforme a Constituição vigente, a demarcação de terras indígenas é um ato de mero reconhecimento declaratório do direito originário dos índios às terras de ocupação tradicional, com o objetivo de assegurar a sobrevivência física e a preservação da identidade cultural dessas populações. Afirma ainda que as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre ela, imprescritíveis. “Não produzem efeitos jurídicos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse por terceiros das terras indígenas”, registra o memorial.

No documento enviado aos ministros do Supremo, o PGR defende que a identificação, delimitação e demarcação das terras indígenas deve ser pautada na metodologia antropológica, aliada a estudos de naturezas etno-histórica, sociológica, geográfica, cartográfica e ambiental, entre outras. “A conciliação da metodologia antropológica com a análise do regramento jurídico decorrente da legislação vigente à época da ocupação possibilitará decisão assertiva e segurança jurídica para todos os envolvidos”, afirma.

Paradigma – O caso concreto em pauta no STF refere-se a uma ação de reintegração de posse movida pela Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente (Fatma) contra os índios Xokleng, de Santa Catarina. A área em disputa, que já teve a ocupação tradicional reconhecida administrativamente, está localizada dentro da Reserva Biológica do Sassafrás. O recurso extraordinário foi apresentado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) com o objetivo de reverter acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que, além de não reconhecer a posse dos indígenas sobre as terras, afirmou que haveria incompatibilidade entre a presença deles e a preservação do meio ambiente.

No memorial, o procurador-geral da República enfrenta o argumento e defende que é preciso reconhecer a possibilidade de dupla afetação de uma área sob os aspectos da proteção da comunidade tradicional e do meio ambiente. “É equivocada a assertiva no sentido de que a sobreposição espacial entre terras indígenas e áreas ambientalmente protegidas representa, por si só, fator de risco ao meio ambiente, motivo pelo qual o estabelecimento de uma hierarquia entre a tutela do meio ambiente e os direitos das populações indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional, com prevalência do primeiro, fere a ordem constitucional vigente”, aponta Aras no documento. Para o PGR, deve-se “harmonizar ambas as dimensões na perspectiva da preservação da sustentabilidade do modo de vivência tradicional, contemplando os interesses dos membros da comunidade de hoje e futuros”.

Íntegra do Memorial

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