No mês em que se celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente (5), senadores assumem a complexa posição de avaliar e definir as regras que nortearão a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (LGLA), por meio do PL 3.729/2004, recém-aprovado na Câmara após 17 anos de tramitação.

Pelo texto, só haverá necessidade de manifestação de todas as autoridades envolvidas no caso de terras indígenas com a demarcação homologada – Gleilson Miranda/Governo do Acre – Postada em: Agência Senado

Para alcançar o equilíbrio entre proteção ambiental e atividade econômica, base do desenvolvimento sustentável, os parlamentares vão se deparar com regras gerais que buscam simplificar e agilizar o processo licenciatório, mas que atualmente estão envoltas em questionamentos sobre aumento de litigiosidades, vulnerabilidade ambiental e desconfiança internacional.

Criticada por organizações, entidades científicas e sociedade civil, a aprovação rápida da matéria no Plenário da Câmara — com rejeição de todas as tentativas de partidos para mudar o texto final — levou o projeto aos Top Tweets no Brasil durante o período de sua votação.

O texto foi aprovado na forma de substitutivo apresentado pelo deputado federal e ex-ministro da Agricultura Neri Geller (PP-MT). Traz questões que envolvem tipos e dispensas de licenciamento, autodeclaração, prazos, responsabilidades, entre outras particularidades extensíveis a todos os entes da Federação.

Mal chegou ao Senado, a matéria já ensejou a manifestação dos senadores em Plenário ou em redes sociais. A realização iminente de audiências públicas foi dada como imprescindível por alguns parlamentares.

Presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), Jaques Wagner (PT-BA) afirma querer ir além ao propor que a matéria (PL 3.729/2004) seja analisada com relatoria no colegiado e não apenas em Plenário.

— Precisamos ter uma tramitação que valorize o tema e o Senado. É impossível querer aprovar a toque de caixa. Independente se é ambientalista ou produtor, precisamos acabar com essa dicotomia, o que a gente precisa é de desenvolvimento com sustentabilidade ambiental — expõe o senador.

Jaques Wagner é um dos autores — ao lado dos senadores Confúcio Moura (MDB-RO) e Fabiano Contarato (Rede-ES) — do PL 1.070/2021, recém-aprovado no Senado, que institui a Campanha Junho Verde, a ser promovida pelos poderes públicos na União, estados e municípios. A proposta desse projeto é desenvolver o entendimento da população sobre a importância da conservação dos ecossistemas, do controle da poluição e degradação dos recursos naturais.

Vice-presidente da Casa, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) já protocolou o pedido de audiência pública na CMA sobre o PL 3.729/2004. Para o senador, a matéria é de suma importância diante do objetivo central de simplificar e dar celeridade ao processo licenciatório.

“Assim, a fim de que a necessária otimização dos processos de licenciamento ambiental não se torne motivo de descumprimento de normas ambientais ou relaxamento na fiscalização de seu cumprimento, sugerimos que o Senado, por meio de seu colegiado especializado, se debruce detidamente sobre a matéria, por meio de audiência pública”, afirmou

Em rede social, o senador Paulo Paim (PT-RS) opinou que o PL “é uma tragédia anunciada”.

— Se virar lei, poderá gerar recordes de desmatamento. A Amazônia perdeu, em abril deste ano, 581 quilômetros quadrados, o maior para o período, desde 2016. O Brasil precisa proteger seus biomas: Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampa. Temos que controlar a poluição, barrar o desflorestamento, cuidar dos recursos hídricos, defender a natureza. Brumadinho e Mariana continuam na memória. Chega de irresponsabilidade.

O Senado deve priorizar a análise do projeto este ano, segundo o presidente da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), senador Acir Gurgacz (PDT-RO).

— Vamos priorizar a discussão em torno do novo marco legal para o licenciamento ambiental, tema muito ligado à agricultura, ao meio ambiente e à geração de emprego e renda no país — garante Gurgacz.

Jayme Campos (DEM-MT) também acredita que a proposta pode trazer maior segurança jurídica, simplificação de procedimentos e redução da burocracia estatal.

— Vou analisar a matéria com rigor técnico e ouvir sugestões da sociedade civil e do setor produtivo. Defendo a convergência entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental — afirma.

Debates

Para a diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, é fundamental que o Senado resgate o papel das comissões e amplie o debate com os diversos setores da sociedade e comunidade científica.

— Essa é uma agenda estratégica para o país e, portanto, cabe ao Senado prover esse debate, com visão de futuro, corrigir os problemas do texto e negociar com a Câmara os aperfeiçoamentos necessários — diz.

Malu enfatiza que o mundo está na década da restauração dos ecossistemas e em um momento de emergência climática, rumo à Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2021 (COP 26).

— O Brasil precisa resgatar a sua credibilidade no cenário internacional, honrando compromissos com os acordos internacionais. Para isso, precisa que essa LGLA traga condições reais de valorização dos biomas brasileiros, de controle social por meio da transparência, de governança e eficiência— completa a diretora.

Opinião ratificada pelo professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Luiz Sánchez.

— Os senadores têm um desafio e uma responsabilidade. Corrigir o substitutivo da Câmara é extraordinariamente difícil, mas o projeto de lei também é extraordinariamente importante. Meu recado é que os senadores ouçam a sociedade e a ciência.

Ao apoiar o atual texto do projeto, o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, pondera que a ausência de um marco legal sobre licenciamento ambiental gera uma série de prejuízos ao país, entre eles, insegurança jurídica.

— Não ter uma legislação unificada significa ter centenas de normas locais complexas e discrepantes, gerando insegurança a todos, desde o empreendedor até o Poder Judiciário, que busca soluções em ordenamentos intrincados e nebulosos. E esse é um dos maiores motivos de atrasos de investimentos em todo o país, inibindo a geração de empregos, paralisando a máquina pública e incentivando desvios de conduta.

Assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Justus afirma que a entidade é favorável à aprovação do projeto de lei exatamente como se encontra.

— Ele está dentro de todos os julgamentos que o Supremo Tribunal Federal [STF] tem feito. O texto buscou aquilo que é possível do ponto de vista de compatibilizar as normas constitucionais e considera a questão da estrutura dos órgãos ambientais. O projeto tem o equilíbrio necessário para cobrar daquelas atividades que tem um potencial poluidor ou degradador maior, as exigências específicas para cada tipo de empreendimento.

Legislação

A atual legislação foi elaborada a partir da década de 80. A Lei 6.938, de 1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, apresenta as hipóteses legais de exigência de licenciamento para a aprovação de empreendimentos considerados de alto impacto ao meio ambiente.

São muitas as resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) — órgão instituído por essa mesma lei — que estabelecem regras de procedimentos e situações nas quais o licenciamento é exigido, bem como as modalidades de licença, tudo por normativa infralegal.

Importantes resoluções do Conama instituíram, por exemplo, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima), por meio da Resolução 1, de 1986. Já a Resolução 237, de 1997, trata da regulamentação das etapas de licenciamento.

O regramento da LGLA se estenderá a União, estados e municípios. Mas é a norma mais benéfica ao meio ambiente a que prevalece.

— A Constituição federal, no seu artigo 24, inciso VI, estabelece a competência concorrente em matéria ambiental. Então, todos os entes da federação podem legislar sobre meio ambiente, estabelecer seus regramentos próprios de licenciamento ambiental e quando surge uma norma geral, ela vai nortear todo esse regramento que está abaixo. No entendimento hoje das normas concorrentes, entre a geral e as suplementares, a norma mais benéfica, mais protetiva ao meio ambiente prevalece perante a menos restritiva — explica a consultora legislativa da área de meio ambiente Karin Kässmayer.

O professor Luiz Sánchez enfatiza que o licenciamento ambiental é um dos mais importantes instrumentos de política pública.

— Basicamente, o licenciamento ambiental significa “pensar antes de agir”, ou seja, para obter uma licença, o empreendedor deve conhecer as futuras consequências ambientais de seu projeto e propor soluções para evitar ou minimizar os impactos ambientais — expõe o acadêmico.

Dessa forma, Sánchez compara o licenciamento ao velho adágio “prevenir é melhor do que remediar”:

— Para a sociedade sai mais barato, porque quem sofre as consequências são, em primeiro lugar, as pessoas, principalmente as mais vulneráveis, e em seguida, as gerações futuras. Toda lei ambiental deveria primar pelo longo prazo, não por questões imediatistas.

Nove ex-ministros do Meio Ambiente, entre eles a ex-senadora Marina Silva, afirmam em carta que houve, ao longo dos últimos 40 anos, muitos avanços em aspectos importantes do desenvolvimento econômico, industrial, social, tecnológico e ambiental que certamente justificam uma atualização e unificação responsável da legislação de licenciamento ambiental.

 “Todavia, não é o que o substitutivo ora apresentado propõe. Dentre os graves problemas que distorcem e fragilizam um dos principais instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente, o substitutivo ora comentado abre uma série de exceções ao licenciamento de inúmeras atividades econômicas e à aplicação de instrumentos fundamentais para o licenciamento de forma a praticamente criar um regime geral de exceção ao licenciamento, com forte ênfase ao autolicenciamento, uma novidade até então sequer debatida com a sociedade”, assinalam os ex-ministros.

Dispensas e litigiosidades

Agenda estratégica para o país, a atual proposta do marco legal do licenciamento esbarra em uma série de discordâncias ao ampliar e abranger em esfera federal questões polémicas como dispensas licenciatórias (veja quadro com os principais pontos do projeto de lei).

Um dos pontos mais sensíveis é o artigo 8º do PL 3.729/2004, que apresenta uma longa lista de 13 dispensas de licenciamento para atividades potencialmente impactantes, entre elas: obras de saneamento básico (tratamento de água e de esgoto sanitário); manutenção em estradas e portos (dragagens); distribuição de energia elétrica com baixa tensão (até 69 Kv); obras emergenciais de infraestrutura; pontos de entrega de produtos abrangidos por sistemas de logística reversa; usinas de triagem de resíduos sólidos; usinas de reciclagem de resíduos da construção civil; pátios, estruturas e equipamentos para compostagem de resíduos orgânicos; e ecopontos e ecocentros, destinados a entrega de resíduos de origem domiciliar para a reciclagem.

— O que chama atenção são alguns empreendimentos ou atividades que são potencialmente poluidores e que geram impactos ambientais. Também não foi levado em consideração o porte desses empreendimentos, assim como o grau desse impacto — aponta Karin.

A consultora afirma que essa é uma abertura muito grande para a litigiosidade.

— Se esses dispositivos forem eventualmente transformados em lei, é alto o risco de gerar uma discussão judicial pela violação de princípios constitucionais ambientais.

Algumas atividades agropecuárias também foram dispensadas de licenciamento, com as condicionantes de a propriedade estar regular no Cadastro Ambiental Rural (CAR), em processo de regularização ou ter firmado termo de compromisso para recompor vegetação ilegalmente suprimida.

Entraram nessa lista o cultivo de espécies de interesse agrícola (temporárias, semiperenes e perenes); pecuária extensiva e semiextensiva; pecuária intensiva de pequeno porte e pesquisa de natureza agropecuária, que não implique risco biológico.

Para o consultor técnico da CNA, o licenciamento ambiental no país há muitos anos está judicializado. Justus afirma que o projeto é polêmico e existe sim antiga polarização de posições.

— O Brasil precisa de investimento de toda ordem e temos de dar segurança para os investidores. A judicialização é um direito de ser levar à Justiça qualquer pleito quando alguém se sente lesado e não pode ser utilizada como um pretexto para deixar de aprovar o projeto. Se lá na frente o STF entender que certos dispositivos são inconstitucionais, não se aplicará aquilo que for considerado irregular — diz.

Novas modalidades de licenciamento

O PL 3.729/2004 apresenta a licença por adesão e compromisso (LAC), assim como a licença ambiental única (LAU), novidades no ordenamento federal, mas já instituídas nos estados.

Novas modalidades de licenciamento são importantes e corroboram com a desburocratização, podendo haver tratamentos diferenciados, de acordo com o porte e o potencial poluidor da atividade ou empreendimento, segundo Karin.

— Precisamos de um marco geral de licenciamento ambiental que garanta mais segurança jurídica, para deixar de ficarmos à mercê dessas resoluções do Conama. Mas, ao mesmo tempo, temos que evitar essas redações equivocadas ou mesmo pontuais, que não vão facilitar essa simplificação, mas pelo contrário, vão gerar um aumento de litigiosidade — alerta a consultora do Senado.

A previsão de uma LAC no projeto está relacionada a empreendimentos não sujeitos a estudos de impacto ambiental (EIA).

A possibilidade de muitos empreendimentos serem licenciados pelo modelo autodeclaratório e automático, sem controle de órgãos ambientais, remete a aumento do desmatamento da Amazônia e de outros biomas, na opinião do consultor jurídico do Instituto Socioambiental, Maurício Guetta.

 — A segunda razão para o aumento do desmatamento é a vedação constante do projeto do órgão licenciador estabelecer condicionantes, isto é, medidas a serem adotadas pelo empreendedor no que diz respeito à prevenção e à mitigação dos impactos de desmatamento de diversos empreendimentos. Posso afirmar que 95% do desmatamento da Amazônia advêm de um raio de 5,5 quilômetros das estradas — diz Guetta.

Do outro lado, o consultor Rodrigo Justus rebate as críticas que ligam o projeto ao desmatamento.

—O Código Florestal regula a necessidade ou obrigatoriedade de autorização de supressão. É preciso que se faça o cadastramento inaugural e prove que a área a ser aberta pode ser usada, que não é reserva, ou área de preservação permanente, não é uma nascente, ou seja, ter condições legais de ser utilizada para conseguir essa autorização. Logo, a lei de licenciamento não tem nenhuma correlação com a questão de autorização de desmatamento legal ou ilegal — defende.

Para o presidente da CBIC, o licenciamento ambiental representa hoje uma área cinzenta que, como consequência, agride o meio ambiente em vez de preservá-lo.

— Modernizar, simplificar, uniformizar e criar segurança jurídica é caminhar rumo ao desenvolvimento sustentável. E nada melhor do que uma legislação transparente, objetiva e punitiva para quem não a cumpre — pondera Martins.

Áreas protegidas

Há no procedimento de licenciamento ambiental a necessidade de as autoridades envolvidas se manifestarem em empreendimentos que estejam em áreas protegidas, em torno de unidades de conservação, terras indígenas ou áreas tituladas a remanescentes de comunidades quilombolas.

São manifestações que precisam ser feitas por entidades como a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Mas pelo atual texto, a manifestação das autoridades envolvidas não vincula a decisão da autoridade licenciadora, outro ponto bastante polemizado.

— O projeto praticamente exclui as chamadas autoridades envolvidas, os órgãos responsáveis por determinadas matérias. Isso é muito grave. O projeto limita, por exemplo, que apenas terras indígenas homologadas seriam avaliadas, o que significaria que as demais terras indígenas em processo de demarcação, que representam cerca de 40% do total, seriam praticamente inexistentes para fins de licenciamento ambiental — pondera o consultor do Instituto Socioambiental.

Da mesma forma, diz Guetta, ao exigir territórios titulados de comunidades remanescentes de quilombos, o projeto exclui 87% dos territórios em processo de titulação.

— Ou seja, elimina-os do mapa para fins de licenciamento ambiental e avaliação de impacto.

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(Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)