MPF é contra entendimento, pois Constituição reconhece direitos dos indígenas à posse das terras de ocupação tradicional, sem marco de tempo
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar nesta quarta-feira-feira (30) o Recurso Extraordinário 1.017.365, que analisa a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Pelo entendimento, um território somente poderia ser demarcado se os indígenas provarem que o ocupavam no momento da promulgação da Constituição de 1988 ou em caso de comprovado conflito pela posse da terra. Para o MPF, no entanto, a tese viola o art. 231 da Constituição Federal, que reconhece o direito originário dos povos indígenas à posse das terras tradicionalmente ocupadas sem estabelecer nenhuma data ou marco no tempo.
O recurso extraordinário em pauta discute uma reintegração de posse movida contra o povo Xokleng, em Santa Catarina, e teve a repercussão geral reconhecida. Com isso, a decisão do STF no caso irá orientar julgamentos futuros sobre a temática. Para o MPF, o Supremo deve reconhecer que as terras indígenas precisam ser protegidas pelo Estado, independentemente da conclusão de processo de demarcação, e que o direito à posse não se sujeita a um marco temporal de ocupação preestabelecido.
Raposa Serra do Sol – A tese do marco temporal foi suscitada pela primeira vez no julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. No entanto, de acordo com o próprio Supremo, o entendimento valeu apenas para aquele caso. O MPF já defendeu a inconstitucionalidade do entendimento em diversas ocasiões, em duas notas técnicas assinadas pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR) e em manifestações enviadas ao STF pelo atual procurador-geral, Augusto Aras, e por sua antecessora, Raquel Dodge.
Na nota técnica mais recente, expedida em maio do ano passado, a 6CCR reafirma que a Constituição reconhece aos indígenas o direito originário à posse das terras de ocupação tradicional como uma norma jurídica primária e preexistente, não sujeita a marcos de tempo. Lembra também que, de acordo com o art. 231, “são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. Ou seja, não é preciso que os indígenas estejam presentes, de forma permanente, em determinado lugar para caracterizar a ocupação tradicional, ao contrário do que diz a tese do marco temporal.
“Há no âmbito constitucional, desde o ano de 1934, proteção às terras indígenas, mantendo-se presente até a Constituição da República de 1988”, explica a 6CCR. Para o órgão, o Supremo não deve validar o marco temporal, que representa violação do direito dos povos indígenas às terras de ocupação tradicional. “A defesa de um marco temporal (5 de outubro de 1988) para o reconhecimento das terras ocupadas pelos indígenas opõe-se ao próprio conceito de direito originário à posse, conforme §1º do art. 231”, conclui o texto.
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