Procuradores da República defenderam a inconstitucionalidade de atos normativos e projetos de lei que violam direitos dos povos originários
Em audiência pública no Congresso Nacional, nessa terça-feira (15), a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) reiterou o posicionamento do órgão contrário a atos normativos e projetos legislativos que afrontam os direitos originários dos povos indígenas. Promovido pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, o encontro reuniu lideranças, parlamentares, juristas e representantes de órgãos federais e associações com o objetivo de debater as ameaças enfrentadas pelos povos indígenas no Brasil.
A audiência foi requerida pelo deputado federal Waldenor Pereira (PT-BA) em razão da implementação da Instrução Normativa Conjunta nº 1/2021, elaborada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A norma dispõe sobre os procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de terras indígenas e cujo empreendedor sejam organizações indígenas.
Na ocasião, o procurador da República Felício de Araújo Pontes classificou o documento como controverso e inconstitucional. Isso porque a IN conjunta afirma permanecer respeitado o direito de usufruto exclusivo dentro das terras indígenas pelos povos indígenas, mas em seu art. 1º define que as organizações poderão ter composições mistas de indígenas e não indígenas. “É uma grande contradição. Para que essa instrução normativa pudesse valer seria necessário revisar não somente a própria Constituição, mas que surgisse um novo poder constituinte para dizer que tudo o que foi determinado pela Constituição de 1988 não pode mais vigorar no Brasil”, ponderou.
A matéria já foi questionada pelo MPF, a partir de ofício encaminhado à Funai e ao Ibama em março deste ano. Na avaliação do órgão, mesmo que esteja previsto na IN que a composição mista deverá ser majoritariamente de domínio indígena, constitucionalmente somente os indígenas possuem o direito, imprescritível, de usufruir das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes em seus territórios. “Essa instrução viola o direito a autodeterminação dos povos indígenas, além da consulta prévia, livre e informada – direitos conquistados a partir de muita luta dos líderes durante as décadas de 70 e 80. Além disso, mexe com as cláusulas pétreas da Constituição e isso não pode acontecer”, concluiu Pontes.
Marco temporal – Outro ponto discutido na audiência pública foi a tramitação do Projeto de Lei 490/07, que está na pauta de votação da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJC). A proposta legislativa determina que as terras indígenas sejam demarcadas por meio de leis, transferindo a competência para determinar a demarcação das terras indígenas da Funai para o Congresso Nacional. O projeto prevê ainda a restrição da demarcação de terras indígenas com base na tese do marco temporal, que estabeleceu como requisito para demarcação a presença indígena na terra na data da promulgação da Constituição Federal (5/10/88) ou a comprovação de existência de disputa judicial pela posse.
Em sua explanação, o procurador da República Tiago Modesto destacou que o projeto legislativo é “flagrantemente inconstitucional”, além de demonstrar clara pretensão de suprimir o núcleo essencial de direitos indígenas assegurados na CF/88 e na Convenção 169/OIT, fragilizando a proteção constitucional dos direitos das comunidades indígenas e dos territórios tradicionais. Modesto afirmou que o PL tramita com base, inclusive, em premissas equivocadas, como a de que a tese do marco temporal que se pretende legalizar, conforme previsão contida no PL, “apenas confirmaria entendimento já supostamente chancelado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF)”.
O procurador esclareceu que a matéria é controversa e ainda está pendente de discussão e julgamento no Supremo, em sede de recurso extraordinário com repercussão geral. Modesto destacou que o reconhecimento da aplicação geral da tese do marco temporal em todo e qualquer caso pelo Congresso Nacional ou mesmo pelo Supremo esbarraria em dispositivos constitucionais e na própria jurisprudência da Corte. “O que se espera é que o STF reconheça que a tese do marco temporal não pode ser aplicada, porque, além de ignorar o esbulho sofrido por indígenas antes de 1988, inviabiliza o reconhecimento declaratório da ocupação originária/tradicional das terras indígenas, matéria objeto de proteção constitucional e que consubstancia verdadeira cláusula pétrea”, esclareceu.
O representante da 6CCR destacou a atuação coordenada do MPF em âmbito nacional, com a adoção das medidas cabíveis, contra iniciativas atentatórias aos direitos territoriais indígenas, a exemplo da Instrução Normativa (IN) 09 da Funai. Mencionou, ainda, as medidas extrajudiciais e judiciais apresentadas pelo MPF no sul da Bahia em relação à situação conflituosa envolvendo a demarcação da TI Tupinambá.
Secretaria de Comunicação Social
Procuradoria-Geral da República
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