Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 1ª Parte – VII

In The Brazilian Wilderness – Th. Roosevelt

 Theodore Roosevelt – I 

Voltemos agora nosso olhar para um dos personagens formidáveis e, considerado por alguns controvertido, dessa epopeica jornada. Vamos reportar suas impressões, seu pensamento para que o leitor possa julgar por si só esta personalidade marcante cujas ações alteraram profundamente os destinos da humanidade no alvorecer do século XX. No seu livro “Nas Selvas do Brasil” o Ex-presidente Theodore Roosevelt faz um relato pormenorizado de Expedição Científica Roosevelt Rondon:

Dedicatória 

A S. Exª Lauro Müller

Ministro das Relações Exteriores do Brasil e a seus colegas de Governo.

Ao Coronel Rondon

Distinto oficial do exército, homem de alta envergadura mental e moral, explorador intrépido e a seus auxiliares Capitão Amílcar, Tenente Lira, Tenente Melo, Tenente Lauriano, Dr. Cajazeiras, do Exército Brasileiro e Eusébio de Oliveira, nossos companheiros no trabalho científico e na Expedição aos Sertões.

Este livro lhes é dedicado com estima, consideração e afeto, pelo seu amigo, Theodore Roosevelt

Through the Brazilian Wilderness.

Capítulo I 

A Partida 

Certo dia, em 1908, ao findar meu mandato presidencial, o Padre Zahm ([1]), sacerdote de minhas relações, veio procurar-me. Fôramos camaradas por algum tempo; éramos, ambos, admiradores de Dante e gostávamos de história e ciências. Eu costumava recomendar aos teólogos o seu livro “Evolução e Dogma”. Natural de Ohio, aprendera as primeiras letras à velha maneira americana, numa pequena escola de madeira, onde, por sinal, era também aluno Januarius Aloysius MacGahan, mais tarde famoso correspondente de guerra e amigo de Skobeloff.

O Padre Zahm me contou que, já naquele tempo, MacGahan acrescentava à sua extremada intrepidez uma cavalheiresca simpatia pelos fracos: era sempre o defensor de qualquer menino maltratado por outro mais forte. Mais tarde, o Padre Zahm frequentou a Universidade de Notre Dame, em Indiana, juntamente com Maurício Egan, que eu nomeei para Ministro na Dinamarca, quando ocupei a presidência.

Por ocasião de sua visita, o Padre Zahm acabava de regressar de uma viagem pelos Andes, havendo descido em seguida o Amazonas, e viera propor-me que, terminado o período presidencial, fôssemos juntos subir o Paraguai, atingindo os Sertões da América do Sul. Naquela ocasião, meu desejo era ir à África; e, assim, o assunto ficou de lado. Mas, de vez em quando, voltávamos a tratar do assunto. Cinco anos depois, no verão de 1913, aceitei os convites que me foram dirigidos pelos Governos do Brasil e Argentina, para pronunciar Conferências em determinadas associações desses países.

Ocorreu-me então que, em vez de fazer uma viagem convencional de turista, unicamente por Mar, em torno da América do Sul, eu poderia vir para o Norte, depois de acabar minhas Conferências, pelo centro do continente, até o Vale do Amazonas.

Resolvi escrever ao Padre Zahm, revelando meus projetos. Antes, porém, queria avistar-me com os diretores do Museu Americano de História Natural, de Nova York, para verificar se lhes interessaria eu levar comigo dois naturalistas ao interior do Brasil e realizar, durante a viagem, coleta de espécimes para o Museu.

Escrevi a Frank Chapman, Chefe da Seção de ornitologia do Museu, e aceitei seu convite para almoçar no Museu num determinado dia em começos de junho. Além de vários naturalistas, também encontrei no almoço, com grande surpresa, o Padre Zahm. Disse-lhe então que pretendia realizar a viagem à América do Sul.

Também ele resolvera empreendê-la e fora procurar o Sr. Chapman para ver se este podia recomendar um naturalista para acompanhá-lo. Desde logo declarou que iria comigo. Chapman ficou muito satisfeito quando soube que nós pretendíamos subir o Paraguai e atravessar o Sertão até o vale do Amazonas, porque grande parte da área que teríamos de atravessar ainda não fora explorada com o fim de se obterem espécimes para coleções.

Entendeu-se com Henry Fairfield Osborn, Presidente do Museu, que me escreveu dizendo que o Museu teria satisfação em comissionar, sob minha direção, dois naturalistas que Chapman escolheria com a minha aprovação. Os homens que Chapman recomendou foram os Srs. George Kruck Cherrie e Leo Edward Miller. Aceitei-os com prazer.

O primeiro teria de atender, sobretudo, à ornitologia e o segundo à mamalogia ([2]) da Expedição, mas ambos deveriam auxiliar-se mutuamente. Seria impossível encontrar dois homens melhores para uma Expedição dessa natureza. Eram ambos veteranos das florestas tropicais americanas.

O jovem Miller, natural de Indiana, era um naturalista entusiasta, e com aptidão literária e científica. Achava-se, na ocasião, nas florestas da Guiana, e reuniu-se a nós em Barbados. Cherrie, mais idoso, natural de Iowa, era então fazendeiro em Vermont. Tinha esposa e seis filhos. A senhora Cherrie acompanhara-o por dois ou três anos, nos primeiros tempos de casados, em suas viagens de coleta pelo Orenoco. O segundo filho do casal nascera num acampamento duas centenas de milhas distante de homens e mulheres brancos. Em uma noite, poucas semanas depois, foram obrigados a abandonar o local onde pretendiam pernoitar, porque a criança estava impertinente, e com seu choro atraiu uma onça que se pôs a rondar o acampamento, ao escurecer, e cada vez mais próximo, até que o casal julgou mais seguro voltar ao Rio e buscar outro lugar para dormir. Cherrie passara cerca de 22 anos colhendo materiais nos trópicos americanos. Tal como a maioria dos naturalistas de campo que tenho conhecido, era ele um homem excepcionalmente destemido e eficiente; por vontade própria ou por força das circunstâncias, vira-se obrigado a mudar de profissão várias vezes, chegando a tomar parte em revoluções. Por duas vezes esteve preso em consequência dessas atividades; passou três meses no cárcere de um país Sul-americano, esperando a cada momento ser fuzilado.

Em outro país, como interlúdio às suas ocupações ornitológicas, tomou o partido de um aventureiro político, levando 2,5 anos nessas atividades entrecortadas de imprevistos. O “chefete” revolucionário, a cuja sorte ele se ligou, subiu ao poder e Cherrie imortalizou-o dando seu nome a uma nova espécie de tordo papa-formigas – detalhe delicioso, por associar duas atividades que raramente vivem juntas: a ornitologia e as guerrilhas.

Em Anthony Fiala, que fora explorador ártico, encontramos um homem excelente para cuidar da organização do equipamento e do embarque. Além dos seus quatro anos de região ártica, Anthony Fiala servira na esquadrilha de Nova York em Porto Rico, durante a guerra com a Espanha, e nessa ocasião conheceu sua gentil esposa, que era de Tennessee. Ela veio com os quatro filhos do casal para as despedidas no cais.

Meu secretário, o Sr. Frank Harper, seguiu conosco. Jacob Sigg, que servira três anos no Exército dos Estados Unidos, e que era ao mesmo tempo enfermeiro e cozinheiro, com inclinação natural para aventuras, ia como assistente pessoal do Padre Zahm. No Sul do Brasil, meu filho Kermitt reuniu-se a mim. Trabalhava na montagem de uma ponte e, dois meses antes, quando estava numa enorme viga de aço suspensa por um guindaste, esta falseou e ele caiu com a ferragem sobre o leito de pedras. Escapou com duas costelas quebradas, dois dentes arrancados e um joelho em parte deslocado, mas já estava praticamente restabelecido quando partiu conosco.

Em sua composição, a nossa Expedição era tipicamente americana. Kermitt e eu éramos de velha cepa revolucionária, correndo em nossas veias um pouco de todas as espécies de sangue que existiam neste lado do oceano nos tempos coloniais

O pai de Cherrie nascera na Irlanda e sua mãe na Escócia; vieram muito jovens para os Estados Unidos e seu pai serviu durante toda a guerra civil num regimento de cavalaria de Iowa. Sua mulher era de velha estirpe revolucionária. O pai do Padre Zahm era um imigrante alsaciano e sua mãe, filha de escocês e americana, descendia de uma sobrinha do General Braddock. O pai de Miller viera da Alemanha e sua mãe, da França. Os pais de Anthony Fiala eram tchecos da Boêmia. O pai servira quatro anos na guerra civil, no Exército da União. Sua mulher, natural de Tennessee, descendia de revolucionários. Harper era natural da Inglaterra e Sigg da Suíça. Éramos tão diferentes em matéria de credo religioso, quanto em origens étnicas. O padre Zahm e Miller eram católicos, Kermitt e Harper episcopais, Cherrie presbiteriano, Fiala batista, Sigg luterano e, quanto a mim, pertencia à igreja protestante holandesa.

Como armamento, os naturalistas levavam espingardas de dois canos calibre 16, das quais uma, a de Cherrie, tinha um terceiro cano, estriado, sob os outros dois. As armas de fogo para o resto da Expedição foram fornecidas por Kermitt e por mim, inclusive a minha carabina Springfield, duas carabinas Winchester de Kermitt, uma de calibre 405 e 30-40, a espingarda Fox calibre 12 e outra calibre 16 e dois revólveres, um Colt e um Smith and Wesson. Levamos de Nova York duas canoas de lona, barracas, mosquiteiros, bastante filó, inclusive redes para chapéus, e camas de vento e redes leves. Levamos cordas e roldanas que nos foram muito úteis em nossa viagem de canoa. Cada qual se vestiu segundo suas preferências. Minhas roupas eram de pano cáqui, como as que usei na África, com duas camisas de flanela do Exército americano e duas camisas de seda; um par de sapatos ferrados e perneiras e um par de botas de couro, com atacadores, que me subiam até os joelhos.

Os dois naturalistas me haviam prevenido de que convinha usar ou perneiras ou botas altas como proteção contra cobras; levei também luvas por causa dos pernilongos e mutucas. Pretendíamos, sempre que possível, alimentar-nos com o que pudéssemos encontrar, mas levamos algumas rações de emergência, das que se usam no Exército, e também 90 latas, cada uma com provisões diárias para cinco homens, preparadas por Anthony Fiala. […]

Through the Brazilian Wilderness

Meu plano exato de operações teria de ser, necessariamente, um tanto indefinido. Mas, chegando ao Rio de Janeiro, o Ministro Lauro Müller, que com a maior gentileza manifestara grande interesse pessoal pela minha Expedição, informou-me de que havia arranjado as coisas de modo que no Alto Paraguai, na cidade mato-grossense de Cáceres, eu me encontrasse com um Coronel do Exército Brasileiro quase índio pelo sangue.

O Cel Rondon tem sido durante um quarto de século o mais destemido explorador do “hinterland” brasileiro. Naquela ocasião estava em Manaus, mas seus subordinados se encontravam em Cáceres e foram avisados de nossa chegada.

O Sr. Lauro Müller, que, além de eminente homem público, é também um espírito dotado de grande cultura, possuindo traços que me faziam lembrar John Hay, se propôs a me auxiliar no sentido de dar a minha viagem muito maior alcance do que eu havia a princípio planejado. Tomado de vivo interesse na exploração e desenvolvimento do interior do Brasil, convenceu-se de que minha Expedição podia ser utilizada para difundir no estrangeiro um conhecimento mais geral do país.

Declarou-me que cooperaria comigo de todas as maneiras, se eu quisesse chefiar uma Expedição que, entrando pela área inexplorada do Oeste de Mato Grosso, tentasse descer um Rio que corria para rumo desconhecido, mas que exploradores bem informados, acreditavam ser um Rio caudaloso inteiramente desconhecido pelos geógrafos. Pressuroso e satisfeito, aceitei a proposta, pois senti que com esse apoio a Expedição podia ter alto valor científico e trazer uma contribuição considerável ao conhecimento geográfico de uma das regiões menos conhecidas regiões da América do Sul. De acordo com o nosso entendimento, ficou assentado que o Cel Rondon e alguns de seus auxiliares me encontrariam em Corumbá ou em outro local Rio abaixo, e que juntos tentaríamos a descida do tal Rio cujas cabeceiras eles já haviam atravessado.

Eu precisava viajar pelo Brasil, Uruguai, Argentina e Chile, durante seis semanas, a fim de cumprir meus compromissos, fazendo Conferências. Quanto a Fiala, Cherrie, Miller e Sigg, eles se separaram de mim no Rio de Janeiro, prosseguindo para Buenos Aires no navio em que viéramos de Nova York. De Buenos Aires, subiram o Paraguai para Corumbá, onde ficaram esperando por mim. Os dois naturalistas seguiram na frente, a fim de começarem a colheita de material; Fiala e Sigg viajaram com mais vagar, levando a bagagem pesada. (ROOSEVELT, 1944)

Roosevelt e Lauro Müller no Rio de Janeiro

Roosevelt foi recebido e aclamado no Brasil como grande estadista que era em função de suas memoráveis intervenções facilitando o equacionamento da Questão Acreana agravada com a criação do Bolivian Syndicate e mediando com ponderação e acerto os termos do Tratado de Portsmouth.

O reconhecimento mundial pelos seus esforços e determinante atuação em prol da assinatura do Tratado de Portsmouth, conciliando interesses tão antagônicos, entre a Rússia e o Japão, foi materializado através da concessão do prêmio Nobel da Paz de 1906, tornando-se o primeiro norte-americano a receber tal distinção. O Jornal “O Paiz”, RJ, publicou uma série de reportagens à respeito da vinda de Roosevelt ao Brasil:

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 31.05.2021 –  um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia 

ROOSEVELT, Theodore. Através do Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora Nacional, 1944.   

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]    Zahm: John Augustine Zahm.

[2]    Mamalogia ou Mastozoologia: ramo da zoologia que se ocupa do estudo dos mamíferos.