Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 1ª Parte – VI

Roosevelt e Rondon à bordo do “Nyoac”

A Expedição Científica Roosevelt-Rondon  

No dia 04.10.1913, chegava eu à estação de Barão de Melgaço, vindo da Barra dos Bugres, ponto extremo Meridional das Linhas Telegráficas de Mato Grosso ao Amazonas, cujas obras e serviços inspecionara, quando recebi do Sr. Ministro das Relações Exteriores, Dr. Lauro Müller, um telegrama, convidando-me para acompanhar o Ex-presidente dos EUA, Sr. Cel Theodoro Roosevelt, na viagem que projetava realizar pelo interior do Brasil, até alcançar o território de Venezuela. Respondi, aceitando o honroso encargo; e no mesmo dia, segui em demanda do Rio Comemoração de Floriano, que desci, servindo-me dos meios de transporte criados pela Comissão das Linhas Telegráficas; entrei no Pimenta Bueno e em seguida no Ji-Paraná, em cuja foz encontrei o aviso “Cidade de Manaus”, que me levou à Capital do Amazonas.

Atendendo à urgência que havia, de providenciar sobre a organização de elementos indispensáveis à travessia da Expedição, tomei desde logo algumas medidas que seriam aproveitáveis qualquer que viesse a ser o itinerário finalmente escolhido pelo eminente estadista americano, para sair do Maciço Central do Brasil na Bacia Amazônica. De todos os caminhos que se poderiam seguir, pareceu-me preferível um dos oferecidos pelos cursos do Arinos, Juruena, Papagaio e Dúvida; por esse motivo, mandei preparar canoas à margem de cada um desses quatro Rios, em pontos de fácil acesso para expedicionários que penetrassem no Chapadão dos Paresí, vindos das cabeceiras do Paraguai. Durante a minha viagem para Manaus, recebi comunicação de que o projeto do Sr. Roosevelt era entrar no Amazonas pelo Tapajós e neste pelo Arinos. Mas, evidentemente, tal percurso, de novo, pouco poderia proporcionar a uma Expedição que visava desvendar aspectos ainda desconhecidos dos nossos Sertões. Decidi, pois, submeter à apreciação do nosso ilustre hóspede outros itinerários, que poderiam com mais vantagem ser seguidos pela sua comitiva, e para esse fim telegrafei de Manaus para o Rio de Janeiro, ao Chefe da Seção de Desenho da Comissão Telegráfica, 1° Tenente Jaguaribe de Mattos, que lhe apresentasse, por intermédio do Ministério do Exterior, as cartas geográficas traçadas no escritório técnico com os elementos fornecidos pelas nossas explorações, indicando os seguintes percursos:

a) De S. Luiz do Cáceres ou de Cuiabá, seguir pela estrada da Comissão das Linhas Telegráficas até a estação “Barão de Melgaço”, e aí embarcar em batelões para descer os Rios Comemoração de Floriano, Ji-Paraná e Madeira;

b) Seguir o mesmo itinerário até a estação “José Bonifácio”, anterior à de “Barão de Melgaço”, e daí, ganhando o passo da Linha sobre o Dúvida, descer e explorar este Rio, que provavelmente levaria a comitiva ao Madeira;

c) Ganhar o Tapajós, descendo o Juruena, e não o Arinos, que é caminho conhecido há mais de um século, a ponto de ter servido por largo tempo de via comercial entre Pará e Mato Grosso;

d) De S. Luiz de Cáceres passar para o vale do Guaporé; descer em lancha, a partir da Cidade de Mato Grosso, este Rio e o Mamoré, até a cachoeira de Guajará Mirim; tomar aí a estrada de ferro Madeira-Mamoré, para chegar à cidade de Santo Antônio do Madeira;

e) Finalmente, alcançar, pela estrada da Linha Telegráfica, o Rio Papagaio, na estação de Utiariti, e por ele entrar no Tapajós.

Destas cinco propostas, a que encerrava maiores dificuldades e imprevistos, era a relativa ao Rio da Dúvida; foi a escolhida pelo Sr. Roosevelt. Ainda em viagem de Manaus para o Rio de Janeiro, onde cheguei a 11 de novembro, organizei o quadro da Comissão Brasileira, escolhendo profissionais que se pudessem encarregar, com o maior aproveitamento possível para o País, dos serviços de astronomia e determinação de coordenadas geográficas, de topografia, botânica, zoologia e geologia, além dos relativos à administração. Destes meus dedicados auxiliares, os que se achavam no Rio de Janeiro seguiram, em turmas sucessivas, de 22 de novembro a 05 de dezembro, para Montevidéu, afim de dali subirem o Paraguai, em demanda de Corumbá e de outros pontos em que deveriam aguardar a chegada da Expedição, aprestando os serviços de que se achavam encarregados.

Quanto a mim, obrigado a demorar-me na Capital da República, para atender às últimas necessidades do aparelhamento dos meios indispensáveis ao bom êxito da Comissão que me fora confiada, seguiria por terra o mais tarde possível, mas ainda a tempo de descer o Paraguai e ir esperar a entrada do Sr. Roosevelt no território da nossa Pátria; para me acompanharem nessa viagem retive comigo o Capitão Amílcar Magalhães e o Dr. Euzébio de Oliveira, respectivamente ajudante e geólogo da Expedição. Todos os volumes de material e bagagens seguiram também por água, via Montevidéu. A 28 de novembro comunicou-me o Ministério do Exterior que o Sr. Roosevelt partiria de Buenos Aires para Assunção, no dia 04 ou 05 de dezembro, e três dias depois continuaria a subir o Paraguai, em demanda de Corumbá.

De posse desse aviso, saí do Rio de Janeiro para S. Paulo, no trem da noite de 02 de dezembro, tendo antes tomado as providências necessárias para poder viajar ininterruptamente pelas estradas de ferro Central do Brasil, Sorocabana, Noroeste e Itapurá a Corumbá. Ao anoitecer do dia 05, chegávamos à ponta dos trilhos da estrada Itapurá a Corumbá, que se achava com a construção um pouco além do Rio Verde, e isso mesmo tendo alguns quilômetros ainda não consolidados e só trafegados por trens de lastro. Aí organizamos a nossa marcha a cavalo, para alcançarmos o extremo da linha que se vinha construindo de Porto Esperança para Itapurá. Percorremos, assim, 168 quilômetros, até Campo Grande, onde chegamos às 06h00 do dia 09. Três horas depois saíamos de Campo Grande em trem especial, que nos levou a Porto Esperança, situado a 2.248 quilômetros do Rio de Janeiro, e onde desembarcamos às 23h00.

Vapor Nyoac

Passamo-nos imediatamente para bordo do vapor “Nyoac”, do Lloyd Brasileiro, que, por ordem do Sr. Ministro do Exterior, aguardava, de fornalhas acesas, a nossa chegada, e demos ordem de zarpar ainda antes de começar a madrugada do dia 10. Pouco depois de uma hora da tarde de 11, ancorávamos defronte da Foz do Rio Apa, onde nos cumpria ficar à espera do Sr. Roosevelt e da sua comitiva. No fim de duas horas, descobrimos a silhueta de um vapor, que vinha subindo a toda velocidade; corremos a fazer os últimos aprestos para a recepção, que julgávamos dever realizar-se daí a pouco.

No tombadilho do “Nyoac” já envergando o uniforme branco designado para essa ocasião, não desprendíamos a vista da embarcação, que, novo Protheus, se nos afigurava mudar de forma a cada instante, ora confirmando as nossas esperanças, ora desenganando-nos.

Afinal, acabamos reconhecendo não ser o tão desejado “Riquielme”, mas sim um rebocador carregado de índios Chamacocos, que passavam para algum estabelecimento industrial das margens do Paraguai e lá iam continuar o triste fadário de semiescravizados de uma sociedade de estranhos, que transformaram as suas livres florestas numa Pátria madrasta, desafeituosa e dura. Assim passamos o dia e a noite de 11 de dezembro. A manhã imediata já nos encontrou a postos, inspecionando o caminho de Assunção. As horas escoaram-se lentamente até às 10h00, e já iam prosseguindo na sua marcha fatal, quando todos nos alvorotamos, vendo aparecer ao fundo do estirão, um navio. Em breve descobrimos o pavilhão que tremulava no mastro de popa e por ele reconhecemos a canhoneira paraguaia.

Às 11h30, a “Riquielme” estava a bombordo do “Nyoac”, e do seu portaló o Sr. Roosevelt correspondia aos acenos de antecipadas saudações que íamos levar a bordo, com os oferecimentos de afetuosa hospedagem que o Governo do meu País lhe mandava oferecer. Ainda a âncora paraguaia não havia mordido o fundo do Rio, e já eu, com os meus auxiliares, me dirigia para o navio, cujo tombadilho ia servir de palco às cerimônias das primeiras apresentações que se tinham de fazer entre um estadista iniciado nos altos segredos ao protocolo da diplomacia europeia e um homem que, havia perto de 25 anos, vivia internado nos Sertões, frequentando as chancelarias Bororos, Paresí e Nhambiquaras e aprimorando-se na etiqueta das respectivas cortes.

Contudo, não me atormentavam os calafrios da estreia, porque, afinal, o conjunto das circunstâncias exteriores, que formam o meio em que temos de agir, nos amparam e ajudam a encontrar os gestos adequados ao momento que atravessamos; e se, quando nos cumprimentamos em Bororo, logo nos dispomos a sentir o odor acre de corpos nus, pintados de urucum, em compensação, quando trocamos amabilidades na língua de Corneille e de Molière, insensivelmente somos arrastados para os domínios das gentilezas e da graça, e sem esforço reencontramos as encantadoras filigranas de que se entretece a vida dos nossos salões. Eis-me, pois, no tombadilho do navio de guerra paraguaio cumprimentando o Sr. Roosevelt em nome do Governo Brasileiro, reiterando-lhe o oferecimento da nossa hospitalidade e apresentando-lhe os membros da Comissão Brasileira, que, desde aquele momento, ficavam às suas ordens. O Sr. Roosevelt respondeu às nossas palavras, não só com a distinção característica do seu grande espírito e alta cultura, mas também com a afabilidade de um verdadeiro amigo da nossa terra e da nossa gente.

Era pensamento do Governo Brasileiro que ali mesmo, na Foz do Apa, recebêssemos a bordo do “Nyoac” a Comissão Americana; mas, ao aludirmos a esta parte do nosso programa, vi que a oficialidade paraguaia passaria por verdadeira decepção se fosse privada da honra de transportar o Ex-presidente dos Estados Unidos até Corumbá. Como o desejo de todos colimava acordemente o mesmo objetivo, que era prestar homenagem ao nosso hóspede, cedi o passo aos paraguaios, satisfeito de que o Destino tivesse sido tão benévolo para comigo a ponto de me proporcionar, logo da primeira vez que me encontrava em caráter oficial nesse País, ocasião de manifestar os meus sentimentos de fraternidade para com o povo de fundo mais genuinamente americano dentre todos os que se formaram nestas terras de Colombo. Resolvido isto, pouco depois do meio-dia a “Riquielme” continuou a subir o Rio, em direção ao Brasil, e o “Nyoac” seguiu-a de perto, comboiando-a. (RONDON, 1916)

Conferências Realizadas no Teatro Fênix

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 28.05.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia  

RONDON, Cândido Mariano da Silva. Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9 de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro Phenix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos da Expedição Roosevelt-Rondon e da Comissão Telegráfica ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].