Navegando o Tapajós ‒ Parte XXIII
Aveiro, PA/Santarém, PA
O Tapajós que eu vi
(Eimar Franco)
Uma das belas características do Tapajós são as nuances de cor que apresenta durante os dias e as noites. Algumas vezes ele tem a cor de esmeralda; outras, a de chumbo; outras, o dourado – como se caprichasse para nos extasiar com sua beleza…
Partida de Aveiro (24.10.2013)
Partimos de Aveiro ao alvorecer e programamos a primeira parada no Sítio dos Sonhos do Sr. Júlio. Tínhamos acabado de aportar quando ele apareceu, acompanhado de sua simpática esposa, e aproveitamos, mais uma vez, para nos despedir deste caro e empreendedor amigo. No Tapajós, as enormes Barreiras de arenito, conhecidas como “Barreiras Vermelhas”, na margem direita, são características das praias a partir da Ponta da Fortaleza, a ESE de Aveiro, até as proximidades da Comunidade de Itapuama onde pernoitamos.
Na margem esquerda, encontramos formações similares que se estendem desde a meia distância entre a Comunidade de Paú e Escrivão para ESE até os limites entre Pinhel e Cametá. As Grandes Barreiras, portanto, estão confinadas, “curiosamente”, às longitudes de 55°37’17,30” O e 55°37’17,20” O, em ambas as margens – em um alinhamento quase perfeito.
Alguns destes ciclópicos paredões exibiam feias cicatrizes de recentes erosões. Algumas provocadas pela ação dos elementos, outras pela camada vegetal que se empoleira nas fissuras do arenito ou ainda pela combinação de ambos.
A rústica vegetação se desenvolve lentamente, equilibrando-se instável e perigosamente nos abismos verticais, entranhando suas delicadas raízes nas pequenas frestas da rocha e, pouco a pouco, como garras vulturinas vão ganhando corpo até que provocam a fratura irreversível do frágil arenito, despencando com ele num suicídio deliberado. Decidimos pernoitar, em uma pequena enseada, a um quilômetro ao Norte da Comunidade de Itapuama. Estava ajudando o Cb Eng Mário Élder a colocar a “malhadeira” quando um cardume de jaraquis aproximou-se, agitando a superfície d’água, e quatro deles emaranharam-se na rede antes mesmo de termos concluído a operação. Era muito bom variar o cardápio de enlatados com arroz ou enlatados e massa para uma caldeirada de peixes frescos.
Falha Geológica
A simples observação da dilatada Foz do Tapajós a jusante de Aveiro, a “curiosa” semelhança da ocorrência das Barreiras Vermelhas nas duas margens em um “curioso” alinhamento longitudinal e a verificação de que o desenho destas margens se encaixam quase que perfeitamente me levaram a considerar a possibilidade da ocorrência de uma falha geológica na região. Considera-se falha geológica uma descontinuidade formada pela fratura das rochas superficiais da Terra (algumas dezenas de quilômetros) pela ação das forças tectônicas.
Como leigo no assunto resolvi consultar minha querida e muito especial ex-aluna do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) Raquel Gewehr de Mello estudante de Geologia da UFRGS e Bolsista de Iniciação Cientifica (PIBIC/CNPq). Disse a ela que a maior parte das formações era de arenito e a minha amada bruxinha foi taxativa:
São arenitos do final do cretáceo, com estratificação cruzada, pelitos e conglomerados. Faziam parte de um sistema lacustrino deltaico com influência marinha e algumas bordas possuem cobertura laterítica e depósitos aluviais recentes.
A Raquel enviou-me mapas e estudos que confirmaram minhas expectativas. Em um deles, intitulado “Neotectônica da Região Amazônica: Aspectos Tectônicos, Geomorfológicos e Deposicionais” de João Batista Sena Costa e outros os autores fazem a seguinte consideração:
Oeste do Pará
Na região Oeste do Pará, as estruturas compõem dois conjuntos principais atribuídos ao Terciário Superior e ao Quaternário [J.B.S. Costa et al. 1994, 1995]. […]
b) O segmento distensivo NNE-SSW tem extensão em torno de 200 km, é marcado por falhas normais que controlam o Baixo curso do Rio Tapajós, e seu desenvolvimento deve ter relação com reativação das falhas normais do Mesozóico. (SENA COSTA)
Partida de Itapuama (25.10.2013)
Partimos mais cedo e fizemos a segunda parada na Ponta Macau. A fotografia aérea do Google Earth mostrava que tínhamos uma Ilha à nossa frente e decidi navegar pela parte interna, entre ela e a terra firme, para fugir dos fortes ventos de NE que travavam nosso deslocamento. Ledo engano, fomos forçados a voltar. Ainda bem que o erro foi de apenas uns 3,5 km, o grande problema de remar a favor do vento, porém, é que se neutraliza, em parte, a sensação de frescor provocada por ele. Antes de consultar as datas dos mapas do Google Earth e da Carta Náutica da Marinha, eu achava que a diferença entre a fotografia e o terreno tinha como justificativa o período em que a fotografia foi tirada. A imagem poderia ter sido obtida durante uma das grandes cheias do Rio Tapajós e agora nos encontrávamos em plena vazante. O episódio do frustrado atalho fez-me “engarupar na anca da história” e voltar ao caso da superprodução de tartaruguinhas, em 2009, no Tabuleiro Monte Cristo administrado pelo IBAMA. A produção que sempre girava em torno de 500.000 animaizinhos pulou, em 2009, para mais de um milhão. Logicamente as mamães tartarugas, tracajás e pitius acompanharam atentamente os resultados catastróficos provocados pela cheia de 2009 e precavidas procuraram, no final do mesmo ano, um local mais elevado e consequentemente mais propício para a desova. Os quelônios trocaram as praias em que normalmente desovavam pela segurança oferecida pelo Tabuleiro Monte Cristo, a única praia cuja cota garantia que ficaria fora do alcance das águas durante as grandes cheias na região.
Voltando ao nosso frustrado atalho. Depois de verificar que a fotografia, de baixa resolução do Google Earth, tirada em 31.12.1969, mostrava um acesso ao Rio que estava agora totalmente bloqueado, inferi que aconteceu um assoreamento provocado pelos sedimentos carreados pelo Igarapé em consequência do desmatamento sem controle de suas margens.
A Carta Náutica, de 30.12.1984, a que mais tarde tive acesso, mostrava que na época em que foi confeccionada esta Boca já não mais existia. Continuando com a nossa jornada, acampamos em um enorme Banco de Areia na altura da Ponta Jaguarari onde depois aportou o simpático e festivo pessoal do Hospital Barco Avaré.
Partida de Jaguarari (26.10.2013)
Os ventos fortes e a canícula foram nossos maiores adversários. Procuramos contornar o problema realizando diversas paradas para nos refrescarmos e hidratarmos. Fizemos as duas últimas antes de Alter do Chão nas proximidades de duas belas Pousadas para poder degustar um bem-vindo refrigerante gelado bem mais barato do que o vendido na Praia de Alter.
Ao ultrapassarmos o extenso Banco de Areia do Cururu, ouvi um grito de “Selva” vindo da embarcação M. M. Vieira, ao que respondi imediatamente, e só então, ao olhar rapidamente para trás, identifiquei meu caro Amigo o TCel Eng Artur Clécio Aragão de Miranda. Mais tarde soube, por ele, que havia uma comitiva com diversos Generais a bordo conhecendo as belezas do Rio Tapajós.. Aportamos na Praia da Moça às 15h40, dez horas depois de iniciarmos nossa exaustiva jornada.
Praia da Moça (Ponta do Cururu)
Era notável a diferença da paisagem da região que observáramos quando por aqui passamos, no dia 10.10.2013, e a de hoje. As praias, que antes recém começavam a despontar, agora exibiam majestosamente suas imaculadas areias brancas.
Uma das belas pedras da Praia ostenta uma pequena cruz que segundo o “Magnata” – guia turístico de Alter do Chão – foi onde o corpo de uma jovem foi encontrado após o naufrágio da embarcação que a transportava. Debaixo de uma das árvores, onde acampamos, sob a areia, encontram-se vestígios dessa embarcação.
Fiquei encantado com as inúmeras formações rochosas esculpidas pelas mãos do Grande Arquiteto do Universo. À primeira vista nos parece um caótico e desarranjado amontoado de grandes monólitos, mas um olhar mais atento, faz-nos descartar esta possibilidade. Há uma estranha e magnífica harmonia por trás desta aparente desordem. Cada formação apresenta um desenho único, uma inclinação, uma composição de cores, uma posição na linda praia que mais parece um museu de arte.
Ponta do Cururu – um Pedacinho do Céu Engastado no Tapajós
Travessos e atabalhoados Querubins provocaram a cisão de parte do Paraíso Celeste. Os atentos Arcanjos tentaram prontamente remediar o desastroso acontecimento procurando na terra um local onde o fragmento pudesse pousar suavemente e permanecer camuflado, oculto, despercebido pelo menos da grande maioria dos mortais.
Depois de vasculharem os ermos sem fim do Planeta Terra, encontraram um local apropriado na margem direita de um amazônico Rio cor de esmeralda, cuja paisagem compunha um cenário idílico compatível com aquela pequena fração do Éden.
Três belas enseadas foram então encravadas na ponta do Cururu, a NO de Alter do Chão, permanecendo ocultas aos olhos da maioria dos humanos que trafegam por aquela área, mais preocupados em desviar suas embarcações dos grandes bancos de areia ali existentes do que apreciar a paisagem ímpar daquelas plagas.
Amigos Investidores
Nossa jornada tapajônica só foi possível graças ao apoio incondicional do Exército Brasileiro por intermédio do Departamento de Cultura e Ensino do Exército (DCEx), do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA), do 2° Grupamento de Engenharia (2°GptE), do 8° Batalhão de Engenharia de Construção (8°BEC) e do 53° Batalhão de Infantaria de Selva (53° BIS) além do necessário aporte financeiro patrocinado por 33 fiéis amigos investidores.
Parceiros de Fé
Nossa jornada tornou-se mais fácil graças à colaboração sempre pronta de dois grandes amigos expedicionários – o Cabo Eng Mário Elder Guimarães Marinho responsável pela segurança, apoio logístico e imagens da Expedição e o Soldado Eng Marçal Washington Barbosa Santos, parceiro de remadas e nosso caro “mestre cuca”.
Filmetes: http://desafiandooriomar.blogspot.com/2013/12/
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 19.05.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
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