Projeto de lei que remove mais de 200 mil hectares de duas unidades de conservação em Rondônia está na mesa do governador para sanção

No final de abril, os deputados da Assembleia Legislativa de Rondônia aprovaram o projeto de lei (PLC nº 080) que reduz em 171 mil hectares a área da Reserva Extrativista Jaci-Paraná – quase 90% do total da unidade de conservação – e retira outros 55 mil hectares do Parque Estadual de Guajará-Mirim. A proposta seguiu então para o gabinete do governador do estado, o coronel Marcos Rocha (PSL), para sanção. Organizações e movimentos socioambientais têm, desde então, articulado-se para pressionar o governador, autor da proposta, que recebeu cinco emendas dos parlamentares, pelo veto. Uma carta aberta enviada para Marcos Rocha nesta quinta-feira (06), e assinada por seis entidades socioambientais, aumenta a pressão contrária à aprovação do PLC nº 080.

O texto é assinado pela Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR), Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Greenpeace, SOS Amazônia, WWF-Brasil e pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), e critica a falta de transparência com que os deputados estaduais votaram o projeto, além de denunciar a situação das comunidades tradicionais na Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná, expulsas com violência e ameaça por invasores que, em seu lugar, colocaram o gado.

“O projeto teve discussão e aprovação relâmpagos, numa única noite. Ofício do governo do estado, autor do projeto, solicitando sua retirada de pauta, foi ignorado. Os parlamentares passaram mais tempo em reuniões secretas do que em sessão pública, em uma demonstração inaceitável de falta de transparência e de déficit democrático. O resultado, ao final da sessão, foi a quase extinção da resex e a desfiguração do parque. As informações exatas sobre os novos limites das unidades de conservação, alteradas durante a votação, nunca foram conhecidas. Os parlamentares aprovaram as mudanças sem nenhuma base científica ou técnica. As alterações foram feitas sem nenhuma discussão com a sociedade. O texto aprovado nunca foi divulgado pela Assembleia Legislativa”, lista a carta endereçada ao governador que pede o veto integral ao PLC nº 080/2020.

O texto traz ainda o testemunho do presidente da Associação de Seringueiros Bentivi, Francisco Lopes da Silva, feito em 2014, quando solicitou ajuda à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) e relatou à época a expulsão violenta de moradores da Resex: “Os grileiros já queimaram quatro casas dos seringueiros nas margens do rio Jaci e estão ameaçando queimar o restante das casas”.

“Agora, a decisão da Assembleia Legislativa reconhece e premia a ação violenta dos grileiros, ao mesmo tempo em que legitima a expulsão de indígenas, seringueiros e extrativistas para dar lugar à pastagem e ao boi. Essa medida contribuiria para enriquecer alguns poucos poderosos, deixando para a população a conta do prejuízo ambiental”, continua a carta ao governador. O texto ressalta ainda os impactos da mudança nas Terras Indígenas Uru-eu-wau-wau, Karipuna, Igarapé Lage, Igarapé Ribeirão, Karitiana e comunidades em isolamento voluntário na região, vizinhos das unidades de conservação. “Esses povos, que nunca foram consultados sobre as alterações nas unidades de conservação, têm agora ameaçadas sua integridade física, cultural e territorial, ficando expostos à expulsão, à doença e à morte”, conclui o texto.

Representação aciona o Ministério Público contra o PLC nº 080

Em outra manifestação contrária ao Projeto de Lei Complementar nº 080, a Frente Ampla de Defesa das Áreas Protegidas em Rondônia, movimento social composto por 65 organizações, instituições e ambientalistas, enviou uma representação ao Ministério Público Estadual de Rondônia (MPE-RO) no qual lista irregularidades no projeto e na tramitação dele na Assembleia Legislativa, como a falta de audiências públicas e de transparência sobre o teor do projeto.

“A Assembleia Legislativa e o Governo do Estado negligenciaram no diálogo com a sociedade civil. Muito embora o parlamento estadual tenha realizado audiência pública, minutos após a aprovação da alteração legislativa, na mesma sessão plenária, o texto original [já legalmente comprometido] foi alvejado por diversas emendas modificativas e supressivas, transmudando substancialmente a proposta debatida e o objeto da audiência pública que, por toda evidência, serviu ao processo como mera carta de embuste num jogo de cartas marcadas”, avalia a representação protocolada pela Frente Ampla.

A ação reforça ainda que desde a sua criação, em 1996, a Resex Jaci-Paraná é alvo de intensas investidas de grileiros, madeireiros e pecuaristas, e “que não prosperam quaisquer alegações no sentido de que as invasões e destruições empreendidas por organizações criminosas na RESEX Jaci-Paraná são áreas “antropizadas” e que não comportam recuperação”.

“Os responsáveis pelas invasões são pessoas abastadas, poderosas e influentes que, mediante o patrocínio de grupos de posseiros e de guerrilhas armadas que atuam como laranjas, avançam nas empreitadas criminosas já conhecidas. Trata-se de grupos que contratam jagunços armados para expulsar à força famílias tradicionais que tiravam seu sustento da floresta. Pessoas humildes têm 50, 100 cabeças de gado, ou talvez um pouco mais, porém, nunca o maior rebanho bovino do estado, estimados em mais de 150 mil bovinos, comercializados regularmente com grandes frigoríficos, como é o caso das invasões na Resex Jaci-Paraná”.

“A gravidade da situação de destruição generalizada da Resex Jaci-Paraná e do Parque Estadual Guajará Mirim sugerem que o Ministério Público adote medidas urgentes, mediante a instauração de procedimentos de investigação pertinente para identificar e registrar as áreas desmatadas, identificando os responsáveis e mensurando os danos causados, bem como a propositura de Ações Civis Públicas para promover a responsabilização civil e criminal dos infratores, a recomposição da área degradada, desestimulando as ações criminosas e prevenindo o agravamento das práticas que atentam contra o meio ambiente. Não carece de grande esforço cognitivo para concluir que o Governo e a Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia, são os maiores incentivadores de invasões das terras indígenas e áreas ambientalmente protegidas”, afirma o texto.

A representação da Frente Ampla solicita que o Ministério Público Estadual encaminhe uma recomendação ao governador pelo veto integral do PLC nº 080; que avalie os possíveis ilícitos do processo legislativo do projeto; e que adote providências para identificar e responsabilizar os infratores e buscar a recomposição florestal das áreas degradadas. Além disso, a representação solicita que, caso sancionado, integral ou parcialmente o PLC, seja ajuizada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido liminar de suspensão dos efeitos da nova lei.

O Eco

PUBLICADO EM:    JORNAL DA CIÊNCIA