Texto trata do licenciamento ambiental em territórios tradicionais e permite que não-índios sejam sócios de empreendimentos indígenas
O Ministério Público Federal (MPF), por meio do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais em Mato Grosso, recomendou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) retirem do artigo 1º da Instrução Normativa Conjunta nº 01/2021 a expressão “organizações de composição mista de indígenas e não indígenas”, assim como revoguem o parágrafo 1º do mesmo artigo. Isto porque o texto viola o princípio do usufruto exclusivo, previsto na Constituição Federal e na lei da criação da Funai, além do Estatuto do Índio e da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).
A IN Conjunta nº 01/2021 dispõe sobre os procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de terras indígenas cujo empreendedor sejam organizações indígenas. Mas, em seu primeiro artigo, o documento traz que as organizações poderão ter composições mistas de indígenas e não indígenas, além de cooperativas ou diretamente via comunidade indígena.
A normativa contraria o que está assegurado no artigo nº 231, parágrafo 2º da Constituição Federal de 1988, onde se lê “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. Além disso, no parágrafo 4º, do mesmo artigo, consta que “as terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”.
Além disso, a impossibilidade da instalação de empreendimentos no interior de terras indígenas, com a participação de organizações de composição mista de indígenas e não indígenas, está prevista no artigo 18 do Estatuto do Índio (Lei nº 6001/1973) e nos artigos 94 e 96 do Estatuto da Terra (Lei nº 4504/1964).
O artigo 18 do Estatuto do Índio traz que as terras indígenas não podem ser arrendadas ou objeto de qualquer negócio jurídico que restrinja o exercício da posse direta pela comunidade indígena. Já os artigos do Estatuto da Terra lembram que, apesar de estarem na posse dos indígenas, essas áreas são pertencentes à União, são de propriedade pública, e o contrato de arrendamento ou parceria na exploração dessas terras é vedado por lei.
O procurador da República, titular do Ofício de Populações Indígenas em Mato Grosso, Ricardo Pael Ardenghi, salienta que, ao tratar sobre “licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor sejam (…) organizações de composição mista de indígenas e não indígenas”, a Instrução Normativa nº 01/2021 está burlando a Constituição Federal.
Pael ressalta que tanto a Funai quanto Ibama tentaram demonstrar que a Instrução Normativa teria sido elaborada com base no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) nº 03/2019, firmado entre Ibama, Funai, indígenas e Ministério Público Federal, em 16 de dezembro de 2019. O TAC tem como objeto a regularização ambiental e fiscal das lavouras mecanizadas das comunidades indígenas Paresi, Manoki e Nambikwara, no interior das Terras indígenas Rio Formoso, Paresi, Utiariti, Tirecatinga e Irantxe, no estado de Mato Grosso. “Mas a IN contraria, ao menos, três cláusulas do acordo firmado, não contou com a participação dos indígenas na sua elaboração e eles sequer se utilizam das tais organizações mistas, pois concordam que viola o TAC”, completou o procurador.
Conforme acordado no TAC, as cooperativas indígenas devem assegurar a exploração da terra e o desenvolvimento de atividade econômica no interior do território demarcado exclusivamente por indígenas, em observância ao usufruto exclusivo previsto no art. 231, §2º, da CF, não celebrando contratos que possam caracterizar arrendamento ou parceria, sob pena de rescisão do presente acordo.
Ainda segundo o TAC, compete à Funai realizar ações de fiscalização autonomamente ou em conjunto com o Ibama, orientando as cooperativas e associações indígenas, assim como seus associados, quanto à correta utilização das áreas a serem cultivadas e advertir seus membros quanto às consequências de eventual descumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta.
A Funai e o Ibama têm 10 dias, a contar da data do recebimento do documento, para responder sobre o acatamento da recomendação, bem como para fornecer informações sobre providências a serem adotadas para seu cumprimento.
A recomendação foi assinada no dia 19 de maio de 2021 e recebida pelos órgãos no dia 24 do mesmo mês.
Recomendação – Ao contrário do que a palavra quer dizer, ao pé da letra, a recomendação não se trata de mero conselho. As recomendações são documentos emitidos pelos membros do MPF a órgãos públicos para que cumpram determinados dispositivos constitucionais ou legais. São expedidas para orientar sobre a necessidade de observar as normas e visam à adoção de medidas práticas para sanar questões pelo órgão competente. A adoção da recomendação pelo seu destinatário pode evitar que ele seja acionado judicialmente. Por outro lado, o não acatamento da recomendação pode levar ao ajuizamento de ação civil pública e responsabilização do agente público envolvido.
Assessoria de Comunicação
Ministério Público Federal
Procuradoria da República em Mato Grosso
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