Recursos virão de acordo de petrolífera com o órgão ambiental para pagamento de multas ambientais. Ibama trata assunto como certo, mas Petrobras afirmou que acordo ainda não está fechado
Mesmo com os orçamentos nanicos dos órgãos ambientais e do próprio Ministério do Meio Ambiente, o Ibama acabou de fechar um acordo com a Petrobras no qual destina pouco mais de R$23,3 milhões referentes a multas ambientais diretamente para os bolsos da Força Nacional de Segurança Pública, gerida pelo Ministério da Justiça. A reportagem de ((o))eco teve acesso a trechos do acordo, que determina ainda um desconto de 60% no valor total dos autos de infração, que somavam R$58,3 milhões. A Petrobras afirmou que ainda não houve a assinatura do acordo.
Em resposta ao questionamento de ((o))eco sobre o acordo substitutivo, o Ibama esclareceu que tanto o desconto quanto o procedimento são previstos em decreto e “os recursos visam justamente permitir que a Força Nacional possa dar apoio ao Ibama nas operações de fiscalização”. Nesta quinta-feira (29), foi publicado no Diário Oficial da União, uma portaria do Ministério da Justiça que dispõe exatamente sobre o emprego da Força Nacional em apoio ao Ibama pelo prazo de 260 dias.
De acordo com a portaria, o contingente a ser disponibilizado “obedecerá ao planejamento definido pela Diretoria da Força Nacional de Segurança Pública, da Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça e Segurança Pública”, que é comandada pelo coronel da Polícia Militar Antônio Aginaldo de Oliveira, marido da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados.
A Força Nacional é composta por policiais militares e civis, bombeiros militares e profissionais de perícia dos estados e Distrito Federal e atualmente já atua em apoio às unidades de conservação federais na Amazônia desde outubro de 2018.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, vê no fortalecimento do uso das forças policiais uma forma mais barata de conseguir efetivo grande para combater ilícitos ambientais, sem precisar abrir concurso público. “O recurso da Força Nacional é para ajudar a viabilizar os batalhões que dão apoio ao Ibama e ICMBio nas operações. Foi necessário (fazer o acordo) para viabilizar esse apoio. Sem a Força Nacional, não há como fazer as operações”, disse Salles, em entrevista a Giovana Girardi, no Estadão, no início de abril.
((o))eco entrou em contato com a assessoria da Petrobras, que afirmou que “as tratativas entre Petrobras e Ibama ainda se encontram em andamento” e que não houve assinatura de acordo.
“Cabe ao órgão ambiental a decisão sobre a destinação dos recursos a serem pagos, assim como a definição dos valores envolvidos. Nesse caso específico, consta na minuta a proposta do Ibama de que o valores sejam destinados à Força Nacional, para uso exclusivo no apoio e escolta a fiscalização do IBAMA na Amazônia, para combate ao desmatamento. A negociação do acordo está sendo realizada diretamente com o Ibama, que está articulando com os demais órgãos que vierem a ser envolvidos. A Petrobras se responsabiliza por reparar qualquer dano decorrente de suas atividades. E, para isso, busca uma conciliação”, disse a Petrobras.
Orçamento
Em resposta ao questionamento de ((o))eco sobre a decisão de destinar os recursos para Força Nacional no momento em que o órgão lida com um orçamento minúsculo para fiscalização, a assessoria do Ibama acrescentou que: “O orçamento do Ibama já está sendo recomposto através do pedido feito ao Ministério da Economia”.
O abono no valor integral das multas foi um mecanismo inserido originalmente pelo decreto nº 9.179/2017, assinado pelo então presidente Michel Temer, e que previa que o infrator poderia pleitear a conversão da multa em serviços de recuperação e preservação ambiental ou adesão a projetos previamente selecionados, e com isso ganhar um desconto de até 60% no valor total a ser pago.
Em 2019, já na caneta de Bolsonaro, a norma sobre as infrações foi novamente alterada e acrescida com o dispositivo de “conciliação ambiental”, alternativa ao pagamento formal da multa e que deveria “ser estimulada pela administração pública federal ambiental”.
Não é a primeira vez que o Ibama fecha um acordo substitutivo para autos de infração e dá uma destinação inusitada aos recursos. Em fevereiro deste ano, o Ibama assinou um acordo similar com a Log-In, empresa de logística, onde destinou a maior parte dos R$19 milhões em multas para a Polícia Militar de São Paulo, conforme apurou a repórter Ana Carolina Amaral, para a Folha de São Paulo.
Uma ação popular protocolada pelo PSOL tramita atualmente na 5ª Vara Cível Federal de São Paulo contra o Ibama sobre a ilegalidade do acordo feito com a Log In. “Apesar de o acordo mencionar que não haverá qualquer interferência em quaisquer “obrigações de interesse primário na eventual reparação e compensação por danos ambientais”, não fica expresso como tal fato será possível, haja vista o objeto do acordo. A tendência, ao que tudo indica, será a não reparação”, aponta a ação. “Ademais, o que se vê é a administração pública renunciando a preciosos recursos sem qualquer motivação ou fundamento legítimo”, completa o texto.
“A conversão de multas em serviços ambientais prevê descontos desse tipo, para alavancar recursos para projetos ambientais previamente selecionados por editais. O problema é que o governo, no lugar de implementar a conversão de multas, tem priorizado acordos substitutivos que geram decisão caso a caso, com forte componente político. Considero que esses acordos têm problemas jurídicos. O acordo substitutivo entendido de forma genérica não pode ser aplicado se a lei prevê expressamente a forma consensual de substituir a multa em prol do meio ambiente, sendo que o art. 72, § 4º, da Lei 9.605/1998 estabelece o rito específico a ser usado, a conversão de multas em serviços ambientais. Estão adotando o acordo substitutivo para não terem de seguir as regras que disciplinam a conversão”, aponta Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
“Da forma como estão agindo, gera-se a ‘indústria da multa’ criticada por autoridades desse governo. Se aplicassem as regras da conversão de multas em serviços ambientais, os recursos iriam diretamente para projetos, privados ou públicos, previamente selecionados. Não entrariam no caixa público de forma desvinculada de um projeto, e nem devem entrar, na minha opinião. Avalio como um equívoco no mérito e uma opção que deve ter sua legalidade questionada, uma vez que a forma de fazer substituição de multa, em meio ambiente, é por meio da conversão em serviços ambientais. Veja-se a lista de serviços no art. 140 do Decreto nº 6.514/2008, com a redação atualizada: passam longe de destinar recursos para o Fundo Nacional de Segurança Pública”, completa a especialista para ((o))eco.
Por: Duda Menegassi
Fonte: O Eco
PUBLICADA EM: AMAZÔNIA.ORG.BR
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