Navegando o Tapajós ‒ Parte VIII 

Cel Hiram em seu caiaque

O Sequestro da Hevea Brasiliensis II  

Primeiros Empregos da Borracha 

A borracha foi empregada inicialmente em usos elementares como apagar traços de lápis no papel. Foi Magellan quem propôs este uso e Joseph Priestley, na Inglaterra, difundiu-o e a borracha recebeu, em inglês, o nome de “India Rubber”, que significa “Raspador da Índia”. Os portugueses a utilizaram para a fabricação de botijas para transporte de vinhos. Em 1785, o físico francês Jacques Alexandre César Charles, pioneiro do uso do gás hidrogênio para encher balões aerostáticos, recobriu seu aeróstato com uma camada de borracha dissolvida em essência de terebintina e, a partir de 1790, começou a aplicá-la sobre tecidos e empregá-la na fabricação de molas. Em 1815, Thomas Hancock tornou-se um dos maiores fabricantes do Reino Unido, inventando um colchão de borracha e associou-se à Mac Intosh, para fabricar as capas impermeáveis. Nadier; um industrial inglês, em 1820, fabricou fios de borracha e começou a usá-los em acessórios de vestuário. A América foi assolada, então, pela “febre” da borracha e, logo em seguida, apareceram os tecidos impermeáveis e botas de neve na Nova Inglaterra. A fábrica de Rosburg foi criada em 1832 mas, como os artefatos de borracha natural sofriam sob a influência do frio e do calor, os consumidores logo se desinteressaram dos seus produtos.

Charles Goodyear, em 1836, havia conseguido um contrato com o Departamento de Correios dos EUA, para fornecer sacos postais de borracha. O problema é que os sacos de borracha eram muito ruins. Goodyear, não querendo perder o importante contrato comercial, realizou diversas pesquisas para produzir uma borracha de melhor qualidade, misturando dezenas de substâncias à borracha. Três anos depois, surgia a borracha “vulcanizada”, em homenagem a Vulcano, deus romano do fogo. Em 1842, Hancock, de posse da borracha vulcanizada por Goodyear, descobriu o segredo da vulcanização, fazendo fortuna. Em 1845, R.O. Thomson inventou o pneumático, a câmara de ar e a banda de rodagem ferrada. Em 1850, já se fabricavam brinquedos de borracha e bolas (para golfe e tênis). Em 1869, Michaux inventou o velocípede que provocou o desenvolvimento da borracha maciça, depois da borracha oca e, em consequência, a reinvenção do pneu, que havia caído no esquecimento. Michelin, em 1895, adaptou o pneu ao automóvel e, desde então, a borracha ocupou um lugar preponderante no mercado internacional.

Charles Goodyear e a vulcanização

O Ciclo da Borracha  

O Brasil inicia, a partir de 1827, a exportação da borracha natural. Charles Goodyear inventa o processo de vulcanização na década de 1840, possibilitando a produção industrial de pneus. No final do século XIX, a recém-criada indústria de automóvel estava em franca expansão e, com isso, a demanda pela borracha aumentou consideravelmente. O Brasil exportava, então, toneladas de borracha, principalmente para as fábricas de automóveis norte-americanas.

A necessidade de atender a demanda crescente do produto gerou uma expansão demográfica importante na região, oriunda, principalmente, do Nordeste do país. Em 1830, a população da Cidade de Manaus que era de três mil habitantes passou, em 1880, para cinquenta mil. O aumento da população e da renda per capita estimulou o comércio e contribuiu para a construção civil e de obras de infraestrutura, era o período áureo da Borracha.

Victor W. Von Hagen Reportando Richard Spruce 

Richard Spruce havia partido de Santarém a 08.10.1850, para percorrer os afluentes do Amazonas e, depois de quatro anos embrenhado nas selvas do Peru e da Venezuela, coletando exemplares da flora e da fauna, aportou em Manaus. Von Hagen faz uma interessante descrição do retorno do naturalista e de suas impressões a respeito do “boom da borracha”. Adoentado, Spruce resolvera regressar a Manaus para passar uma temporada de repouso com os amigos mas, antes mesmo de aportar no seu destino, ele verificou que algo de anormal estava acontecendo, o tráfego era mais intenso e apressado.

E o tráfego não esmoreceu quando eles se foram aproximando da pequena Cidade. Canoas coalhavam o Rio; caprichosos batelões com gigantescas toldas de popa, botes com imensas pilhas de mercadorias passavam velozes. Nisso, Spruce viu a Cidade e quase não acreditou no que via! Não um, mas três barcos a vapor estavam atracados num cais muito bem feito. O fumo que deitavam era como nuvem negra que se erguia no ar imoto ([1]). Barcos a vapor no Amazonas! … Que portento! …

Ao desembarcar, ficou abismado vendo as ruas cheias de gente: brancos, morenos, pretos, estrangeiros arrastando mercadorias a toda pressa, como se fossem formigas carregadeiras. Sobre o molhe, pilhas enormes de pedaços de borracha negra e manchada de fumo, esperavam a hora de ser transportada para os vapores ofegantes. A Cidade toda havia mudado. Estava o dobro do que era; novos prédios haviam surgido e no armazém do Sr. Henrique Antony a confusão era enorme.

Comprava-se tudo – fósforo, espingardas, os mais variados artigos, aos berros e empurrões, agitando na mão o dinheiro para ter primazia nas compras. Teria alguém descoberto o fabuloso Eldorado? O Sr. Antônio viu, do escritório anexo, a chegada de seu velho amigo e veio de lá com os braços abertos para receber Spruce.

–  Meu Deus! – disse o botânico, alvoroçado – que foi que aconteceu, Antônio?

–  O senhor não sabe? – respondeu o italiano. Não sabe, Sr. Ricardo? Nós descobrimos as riquezas fabulosas. Quem manda agora é a borracha! Estamos na época da borracha!

Richard Spruce tinha estado muito tempo isolado na selva para entender a coisa. Borracha? Sim, borracha! Mas, e aquela azáfama? Um caucheiro barbudo, suando muito e bebendo ainda mais, perguntou a Spruce, com espanto, por onde havia andado. A borracha, que poucos anos antes custava 3 centes o quilo, agora estava 1 dólar e 50, e cada vez subia mais. Cada dia que um explorador de borracha deixava passar, era dinheiro que perdia. A procura de objetos de borracha crescia constantemente com a expressão da indústria.

Até mesmo no “Palácio de Cristal”, onde os ingleses realizavam a primeira exposição universal, os produtores de borracha atraíram verdadeiras multidões. A guerra também lhe deu o seu impulso. A luta inevitável entre os estados livres e escravos da América do Norte, estava principiando a devorar toneladas de viscoso líquido extraído da árvore chamada “Hevea brasiliensis”. De tal modo a procura superava o fornecimento, que a cada semana o preço subia. Ninguém podia resistir à coisa.

Manaus, que as lendas do passado davam como a sede do Eldorado, tornara-se efetivamente Eldorado. O ouro corria como água nas suas ruas e a Cidade inteira palpitava com o recrudescimento do sonho de riqueza. Os Índios que antes se embriagavam com rum, agora mergulhavam seu “Weltschmerz” em champanha. Comia-se até “patê de foie gras”, geleia de “Cross & Blackwell”, biscoitos de “Huntley & Palmers”, bebiam-se vinhos importados. Podia-se sentar a uma mesa para jantar e tinha-se manteiga vinda de Cork, biscoitos de Boston, presunto do Porto e batatas de Liverpool.

Caixeiros e barbeiros, homens de certa posição e mamelucos que, no passado, mourejavam para ganhar um punhado de mil-réis, agora tinham visões de milionários. Embrenhavam-se na ignota região do Amazonas com uma confiança que causava espanto a Richard Spruce. Seria possível que aqueles loucos não fizessem ideia do lugar para onde iam? O caucheiro começava sua vida de um modo simples. Arranjava dinheiro, vendia a alma a um patrão para lhe pagar em borracha, comprava uma piroga e mantimentos – farinha, peixe seco, garrafas de vinho, sal, artigos caros de importação – depois adquiria mercadorias e, no fim de tudo, machetes com que cortar e fazer porejar todas as árvores de borracha que encontrasse.

De muitos que se haviam metido na empresa de obter a borracha e alcançar a glória, nunca mais se teve notícia. Muitos outros voltaram, com o espanto gravado na fisionomia, cheios de rugas pelos sustos que levaram, contando que se viram perdidos, que tinham curtido as torturas e incômodos da fome, da sede, da febre e das intempéries, que tinham lutado incessantemente contra enxames de insetos que não se saciavam de mordê-los e chupar-lhes o sangue. Referiam as suas tristes aventuras ao atravessarem pauis insondáveis, cheios de enguias elétricas e florestas com arbustos e cipós que lhe retalhavam a carne.

Spruce queria ver o progresso chegar ao Amazonas, mas nunca supôs que ele lá seria introduzido dessa maneira. Velhos negociantes que noutros tempos comerciavam em insignificantes quantidades com a opulência da Amazônia, eram agora verdadeiros nababos. Ébrios com o seu triunfo e com a champanha importada, descreviam para Spruce o que seria Manaus dentro de poucos anos. E, por mais que carregassem nas tintas do quadro, tudo o que diziam ainda seria inferior à realidade: dentro de 25 anos Manaus se transformou da Aldeia de 3.000 almas que era, na populosa e alucinante metrópole de seus 100.000 habitantes. Transatlânticos fariam escalas obrigatórias junto às suas docas flutuantes, teatros líricos de mármore seriam construídos, bondes elétricos atravessariam velozmente suas ruas calçadas, capital estrangeiro superior a 40 milhões de dólares seria aplicado na Cidade edificada sobre o pântano do ouro negro. Richard Spruce sentiu um arrepio ao pensar naquilo que ele inconscientemente tinha ajudado a formar. Suas mudas, seus espécimes de produtos de borracha tinham estado em exposição e haviam contribuído para fomentar aquele negócio. Agora não havia mais de deter-lhe o avanço.

A extração da borracha prosseguia com um entusiasmo que nunca fora igualado por nenhum outro movimento desde a descoberta do Novo Mundo. Essa indústria haveria de tragar os silvícolas. Tribos inteiras de Índios seriam dizimadas. A borracha subiria ao preço fantástico de 3 dólares o quilo!

Os magnatas da borracha escravizaram o Amazonas inteiro; a cobiça e a ambição aumentariam com o clamor sempre crescente do mundo para obter borracha… Ninguém sabe quanto tempo poderia ter durado o delírio da borracha, mas o famoso “seed-snatch” de Henry Wickman pôs-lhe fim. O ouro negro tornou-se lama negra e, por volta de 1900, o pântano da selva engoliu o sonho de um viçoso Eldorado. (HAGEN)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 08.04.2021  –  um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia 

HAGEN, Victor Wolfgang Von. South America Called Them: Explorations of the Great Naturalists: La Condamine, Humbolt, Darwin, Spruce – USA – New York – Alfred A. Knopf, 1945

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;    

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]    Imoto: parado.