Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte L
Juruá, AM – Tefé, AM I
A partida para o Alto Purus é ainda o meu maior, o meu mais belo e arrojado ideal. Partirei sem temores; e nada absolutamente me demoverá de tal propósito.
(Euclides da Cunha)
O início de minha Expedição pelo Juruá foi carregado de incertezas, dificuldades e obstáculos de toda a ordem, o bom senso recomendava que eu abortasse a Missão. Esta era, porém, uma oportunidade única de desbravar novos horizontes, navegar por estes “brasis ainda sem Brasil” tão desconhecidos dos nacionais e olvidados pelo poder público, perlustrar infindos meandros do serpenteante Juruá, conhecer novas gentes e, sem dúvida, de ter a ventura ímpar de fazer parte de uma Expedição Histórica que desceria de caiaque, pela primeira vez, na história do tumultuário Juruá, percorrendo-o na sua integralidade.
Tudo conspirava contra, mas as palavras do imortal Euclides da Cunha, meu escritor favorito, retumbavam na minha mente e me impulsionavam a continuar. Henry Ford dizia que “existem mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”.
Eu podia até fracassar sucumbindo aos inúmeros fatores adversos identificados desde o planejamento inicial, mas desistir jamais.
Esta opção nunca foi considerada, eu ia reconhecer o Juruá, empenhando-me de corpo e alma como se esta fosse a Missão mais importante de toda minha vida. Eu estava confiante, embora ciente das agruras que iria encontrar nestes “ermos dos sem fim”. Como oficial de engenharia de construção, aprendi a superar, improvisar, criar, a buscar recursos onde fosse necessário e não seria agora que meras dificuldades logísticas iriam comprometer este projeto.
Inconstante Juruá
A inconstância tumultuária do Rio retrata-se ademais nas suas curvas infindáveis, desesperadoramente enleadas, recordando o roteiro indeciso de um caminhante perdido, a esmar horizontes, volvendo-se a todos os rumos ou arrojando-se à ventura em repentinos atalhos…
(Euclides da Cunha)
Nos Municípios ao Norte da Bacia do Juruá no Estado do Amazonas, as aulas só se iniciam após as cheias, enquanto ao Sul elas começarão agora e serão interrompidas quando as águas da grande alagação chegarem. O comportamento do Rio influencia sobremaneira a vida dos ribeirinhos e é preciso conhecer os segredos de sua hidrodinâmica para administrar corretamente o cotidiano dos que vivem às suas margens. Os Rios de planície têm um comportamento bastante diverso de seus irmãos que fluem por terrenos mais acidentados onde a variação do nível das águas é praticamente uniforme em todo seu curso. Um infindável número de Lagos, Sacados e Igapós sangram ferozmente as águas do Juruá até que estejam nivelados ao tumultuário Rio, determinando que a cheia se processe progressivamente por platôs.
É interessante observar suas águas fluindo para maioria dos pequenos afluentes transformando-o, temporariamente, em tributário de seus próprios afluentes. As cheias se processam, portanto, por segmentos já que as águas do Rio são drenadas intensiva e inexoravelmente desde adentra no Estado do Amazonas. As escuras marcas no caule das árvores deixadas pela última alagação mostravam nitidamente este comportamento peculiar.
Em Carauari, quando por lá passamos, a marca estava a apenas 50 cm do nível do Rio enquanto que no Município de Juruá, uma semana mais tarde, mais abaixo, faltavam 2,50 m para atingi-la. A distância, linha reta, entre Caruari e Juruá é de 154 km e a fluvial de 417 km.
16.02.2013 – Juruá – Com. Estirão das Gaivotas
Aprontamos nossas tralhas e, às 05h30, antes mesmo de telefonar para a Polícia Militar, a viatura já estava a postos. Partimos rumo à Comunidade Saudade, a única das três contempladas no Mapa do DNIT que realmente existia. A pouco mais de sete quilômetros passamos pelo Arrombado do Batalha, que parece ser o único furo que sofreu intervenção institucional no Rio Juruá. O então Prefeito Raimundo Batalha Gomes determinou que seu pessoal abrisse um furo para abreviar os deslocamentos de quem demandasse do Juruá para o Solimões.
Marcamos a Foz do Rio do Breu e entramos no braço Ocidental do Juruá onde se encontra a Ilha de Antonina.
A formação de Antonina foi similar à das Ilhas de Mararí e Chué, o Rio do Breu serpenteava ao longo da margem esquerda do Juruá até que o barranco que separava os dois caudais foi rompido criando a enorme Ilha de Antonina. No início, a largura deste Canal era a mesma do Rio do Breu que o originou e, com o passar dos anos, solapado pela energia das alagações, foi se transformando no talvegue do Rio Juruá, enquanto o Braço Oriental foi, aos poucos, perdendo sua importância.
Depois de remarmos 70 quilômetros, comecei a me sentir mal. Meu coração batia mui rapidamente e fiquei preocupado com a pressão, chamei o Mário, que me alcançou imediatamente meu kit de medicamentos e tomei três comprimidos para baixar a pressão. Melhorei um pouco e retornamos aos remos, a jornada era longa e não podíamos nos dar ao luxo de perder tempo. O Sol a pino e a ausência de ventos transformara o Juruá num imenso espelho a refletir a abóboda celeste e as nuvens. Era um momento mágico e eu absorto navegava ou, quem sabe, voava mesmo sobre cristalinas nuvens em busca da Terceira Margem.
Dez quilômetros antes do que eu achava ser o nosso destino, a Comunidade Saudade, despachei o Mário para fazer contato e, para nossa surpresa, depois de uma curva avistamos um povoado que, mais tarde, ficamos sabendo se tratar da Comunidade do Estirão das Gaivotas ([1]). Imediatamente eu e o Marçal nos refugiamos nas canaranas aguardando o resultado das negociações do Mário, temerosos de que, aparecendo comprometêssemos as tratativas, como acontecera com Imperatriz.
Depois de algum tempo, fomos ao encontro do Mário que, para nossa surpresa, vinha em nossa direção. Achamos que mais uma vez tinham-nos fechado as portas e, desanimados, aguardamos nosso companheiro. Ele nos informou que o Secretário Extraordinário de Juruá, o amigo José de Arribamar, já tinha passado por ali e recomendado aos moradores que nos acolhessem já que esta era a única Com. que possuía uma escolinha para nos abrigar nos próximos 60 km. Remáramos 99 km.
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 17.03.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected]..
[1] Estirão das Gaivotas: 02°58’46,7” S / 65°56’30,0” O.
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