Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XLVIII
Itamarati, AM ‒ Carauari, AM ‒ Juruá, AM I
A passagem por Carauari, AM, foi muito gratificante. Desde nossa chegada até a partida, os Policiais Militares, comandados pelo 2° Ten PM Alain Nalon Ferreira de Menezes, do 5° Grupamento de Polícia Militar, não pouparam esforços para tornar a nossa permanência na pequena, mas muito simpática Cidade, a mais agradável possível.
Através do Venerável Santiago e do Ten Alain, conhecemos o Prefeito Chico Costa que nos concedeu uma interessante entrevista e proporcionou-nos gratuitamente a estada no Hotel Monteiro e alimentação no Restaurante Bom Gosto.
Chico Costa foi criado na Comunidade Horizonte, Carauari, AM, até os doze anos de idade, quando partiu para Tefé, para dar continuidade aos seus estudos. Em Tefé, foi aprovado em concurso para o INCRA onde trabalhou durante um ano no Instituto até decidir ir para Manaus concluir o segundo grau. Lá iniciou um curso superior que foi interrompido ao ser aprovado, novamente, em concurso público.
Retornou a Carauari dando os primeiros passos na vida pública. Ausentou-se novamente do Município de Carauari durante 16 anos e, ao retornar, concorreu, pela primeira vez, à prefeitura. O dinâmico Prefeito exerce, hoje, seu 2° mandato. (Chico Costa)
Na véspera de nossa partida, realizamos, de forma expedita, tendo em vista a exiguidade do tempo disponível, o cálculo das áreas dos diversos bairros da Cidade. Poderíamos ter realizado um trabalho mais acurado se o tivéssemos realizado a pé e não motorizado como o foi. O Sd PM Charly Mota Fernandes, que dirigiu a viatura da PM, conhecia perfeitamente o Plano Diretor da Cidade, mas esbarrou em um sério obstáculo técnico – as chuvas tornaram o acesso a algumas ruas impraticável, teríamos de fechar o cálculo utilizando os resultados apurados pelo meu GPSmap 62sc da Garmin acrescidos de um pequeno percentual estimado para compensar.
O Venerável José Santiago Magalhães, da Loja Maçônica Cândido Honório Soares Ferreira n° 30, do Oriente de Carauari, AM, realizou conosco um “tour” pela Cidade que só não foi completo devido às péssimas condições da estrada que liga Carauari ao Porto do Gavião no Juruá, construído próximo à Comunidade do Gavião. O Santiago tornou-se mais um de nossos caros amigos investidores já que os membros de sua Loja brindaram-nos com alguns gêneros alimentícios necessários para nossa nova etapa.
Carauari, na sua origem, foi construída às margens do Juruá mas, com o passar do tempo, o tumultuário Rio resolveu procurar outros rumos e hoje a mesma está assentada em um grande e assoreado Lago que permite o acesso de embarcações maiores apenas na época das alagações. A construção do Porto à margem esquerda do Juruá, na região de Gavião, viabiliza o acesso de mercadorias à Cidade no verão amazônico, desde que a estrada, de aproximadamente 8 km, apresente condições de trafegabilidade.
Mais uma vez observamos que o Porto, localizado em uma curva, suporta toda a impetuosidade das águas do Juruá que incidem sobre o local e que acarretarão, futuramente, vultosos recursos para a sua manutenção além de exigir dos práticos e pilotos muita perícia para aportar suas embarcações em pleno inverno amazônico.
08.02.2013 – Carauari – Comunidade Concórdia
Acordamos cedo, telefonamos para o 190 e imediatamente uma viatura da PM estava a postos para nos levar até o porto. O Mário tinha deixado as três embarcações em um flutuante ancorado no meio do Lago de Caruari. Partimos com a ideia fixa de percorrer um Furo que nos pouparia o esforço de navegar novamente no extenso braço do Lago percorrido na chegada.
Não tivemos dificuldade em achar a entrada do Furo mas, mais adiante, por estas coisas do destino, eu e o Marçal enveredamos por um extenso e tortuoso descaminho que era quase tão longo quanto a rota original. Quando chegamos novamente ao Juruá, na altura da Comunidade Gavião, o Mário nos aguardava aflito há mais de 90 minutos. Nossa pequena aventura não abreviou distâncias e o tempo, mas valeu pelas belas imagens dos igapós infindos, pelos Lagos de águas negras, pelas imensas bromélias que enganchadas no alto dos galhos ostentavam orgulhosamente suas flores. Na oportunidade, passamos por enormes bandos de uacaris ([1]) que faziam acrobacias na copa das árvores despreocupados com os dois canoístas que navegavam muito abaixo deles.
O Mário nos aguardava na Comunidade Vila Nova de olho no Porto do Gavião e, tão logo aportamos, veio juntar-se a nós. A progressão foi tranquila e ancoramos, por volta das 14h00, na Comunidade Concórdia ([2]) depois de navegar 91 km. Verificamos com os ribeirinhos que nenhuma das três próximas Comunidades em que tínhamos planejado pernoitar antes de chegar a Juruá, “confirmadas” em Carauari, realmente existia. Reprogramamos nosso planejamento, cientes da dificuldade de alcançar a cidade de Juruá em apenas cinco dias.
09.02.2013 – Com. Concórdia – Casa Abandonada
Partimos cedo antes do alvorecer e, mais uma vez, constatamos uma série de erros nos mapas do DNIT. Parece que a localização das Comunidades no Mapa Multimodal foram feitas apenas no Cartório dos Municípios sem a devida checagem através dos trabalhos de campo. Antigos seringais extintos há mais de cinco décadas lá estão, pequenas Comunidades são referenciadas enquanto as maiores ficaram de fora, além de apresentar nomes e localizações erradas.
Paramos na Comunidade Uniãozinha (região onde se localizava o antigo Seringal União) e fingi não ter notado que o morador local tinha ido até sua moradia buscar uma espingarda. Passado o impacto inicial, em que mais uma vez nos tomavam por bandoleiros ou traficantes, ele foi esclarecendo uma a uma nossas indagações sobre as próximas Comunidades e suas respectivas distâncias, em praias, é claro. Íamos procurar a residência de um compadre seu, Sr. Pedro Glicério, que morava em uma Comunidade abandonada.
Procurando evitar problemas como os que aconteceram em Imperatriz, resolvi, doravante, despachar o Mário à frente quando faltassem uns 15 km para atingir nosso objetivo evitando que nos fechassem as portas novamente. O Mário trocou o motor rabeta de 13 Hp pelo 40 Hp e partiu célere para fazer os devidos arranjos para nosso estacionamento.
Como já tínhamos remado mais de 60 km, resolvi parar em uma casa abandonada onde três pescadores de Carauari estavam acantonados, 27 km à jusante da extinta Comunidade de Caititu e próxima de uma tal Comunidade da Campina, segundo o mapa do DNIT, e que nunca existiu. O Marçal improvisou o fogo no que restava de um fogão de barro para preparar nosso “almojanta” enquanto eu lançava os dados coletados no computador e o Mário preparava a lancha para a nova jornada. Foi uma noite tranquila sem galos, porcos ou cachorros para nos incomodar.
10.02.2013 – Casa Abandonada – Com. Juanico
Reprogramei nossa próxima parada para Juanico, a 120 km de distância, foi um dia exaustivo sob uma canícula impiedosa. As contraturas começaram a aparecer e usei um gel mento-salicilado para tentar suportar os incômodos desconfortos musculares. As dores lombares se manifestaram, minha veterana coluna, com três cirurgias no currículo (2 hérnias e um parafuso de aço), se ressentia do esforço de remar até nove horas diárias. Quando faltavam 90 min para aportar na Comunidade, despachei o Mário para que ele realizasse os devidos ajustes para nossa permanência na Comunidade.
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 15.03.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Cacajau calvus: primata encontrado na Amazônia Brasileira. A pelagem é laranja-pálido, amarelada, acinzentada ou esbranquiçada, o ventre, a cauda, a face e as orelhas avermelhadas são desprovidas de pelos. Conheci, pela primeira vez, estes belos e raros primatas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) de Mamirauá, no Município de Tefé.
[2] Comunidade Concórdia: 04°35’27,9” S / 66°38’32,9” O.
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