Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XLVII
Itamarati, AM ‒ Carauari, AM II
01.02.2013 – Com. Morada Nova – B. do Preguiça
Novamente nos deparamos com uma Ilha formada nas últimas décadas – a Ilha do Chué (Imagem 107). A única diferença que existe na formação desta Ilha e a de Mararí, citada anteriormente, é que o Canal agora era formado por igapós. Curiosamente a posição da Ilha, as curvas do Juruá e do afluente são muito semelhantes às do Mararí.
Remamos freneticamente nesse dia para conseguirmos realizar nosso intento de alcançar Carauari em seis dias. Vale a pena relatar um caso insólito que aconteceu em Rio Manso. Ao nos aproximarmos da Comunidade, as pessoas em fila indiana se dirigiram rapidamente para uma das casas e, como esta fosse muito pequena para acomodar tanta gente, buscaram imediatamente uma maior e fecharam apressadamente portas e janelas. Perguntei a uma senhora, que não conseguira acompanhar a estranha “procissão”, se ela podia me dizer o nome do povoado e ela, visivelmente apavorada, disse que não sabia de nada. Depois de algum tempo, um homem entreabriu uma das janelas do refúgio. Informei-lhe sobre nossa missão, que não éramos celerados e que aquela multidão não precisava ter medo de dois inofensivos canoístas. Rio Manso parece ter sido um presságio que não identificamos na oportunidade.
Depois de remar mais dez quilômetros, chegamos exaustos a Imperatriz, por volta das 15h00, após navegar durante nove horas, sem aportar; foram mais de 105 km sob Sol causticante, banzeiros e ventos fortes. O Mário já fizera os devidos contatos e tinha desembarcado o material na frente da escolinha da grande povoação que possui Igreja, Centro de Recreação, enfim diversos locais onde exaustos peregrinos poderiam encontrar abrigo.
Puxamos nossos caiaques para a margem, retiramos a água do convés, e estávamos carregando também nossas tralhas para a escolinha quando surgiu um elemento, não sei de onde, dizendo que a chave da escolinha estava com a líder do povoado que se encontrava em Carauari.
O impressionante disso tudo é que ninguém interveio oferecendo uma varanda, um telheiro, enfim um abrigo. A sugestão “surreal” e absurda dos “hospitaleiros” ribeirinhos é que deveríamos procurar abrigo em Nova Esperança, uma Comunidade que fica a quase quarenta quilômetros de distância e que jamais teríamos condições de alcançar naquele dia remando. Observem os leitores que em nenhuma oportunidade me referi a Imperatriz como COMUNIDADE, ela absolutamente não merece este título.
A primeira lição que recebi de COMUNIDADE foi de uma índia Cocama, da Comunidade Prosperidade, quando lá aporei em dezembro de 2008 pedindo abrigo. Ela veio até nós e nos ajudou a carregar nossas tralhas para a escolinha e, quando foi interpelada por um jovem e arrogante nativo, por estar nos ajudando, ela lhe respondeu – “porque isto aqui é uma COMUNIDADE!”
A falta de hospitalidade de Imperatriz ficará, para sempre marcada em nossas memórias. Que saudades tenho dos pescadores da minha Laguna dos Patos que, numa emergência, nos abrigaram, vestiram e alimentaram! Saudades da Dona Anésia lá de Santa Isabel do Rio Negro que, mesmo acompanhada de apenas duas filhas e dois netos numa Ilha remota, não deixou de alimentar e abrigar o canoísta solitário.
Aqui mesmo, no Juruá, quantas vezes fomos abrigados e convidados a partilhar do jantar na casa de ribeirinhos! Não esquecerei jamais do Professor Raimundo Nonato Andriola, da Comunidade da Boca da Campina que comemorou meu aniversário na sua casa com direito a bolo e refrigerantes. Muito tem de aprender os ribeirinhos de Imperatriz com seus vizinhos, perfeitos comunitários.
O desastre só não foi total porque encontramos, a 7 km de distância de Imperatriz, a Com. da Boca do Preguiça ([1]). Nessa época de alagação na Bacia do Juruá, não existem praticamente locais de terra firme para acampar e os que existem estão cobertos pela mata.
Depois de uma longa curva à esquerda, uma esperança: avistamos ao longe o Mário conversando com uma moradora, até que, de repente, ele acelerou o motor e achamos que mais uma vez tínhamos sido enxotados. Felizmente ele estacionou a lancha na frente de outra casa e nos sinalizou, de longe, com o polegar para cima. A nossa barraca seria montada na varanda da humilde habitação do hospitaleiro Sr. Antônio Geraldo Brito dos Santos e o Marçal dormiria na sala-cozinha da casa.
Tomei meu banho, coloquei meu abrigo e meias para não ser torturado pelos piuns e coloquei um “filmete” de nossas jornadas para as crianças assistirem no computador enquanto conversava com nosso anfitrião. O contraste era nítido entre Imperatriz e a Com. da Boca do Preguiça, uma com boas e numerosas construções, escola, templo, casa de recreação e a outra com apenas quatro famílias vivendo na penúria, mas solidários e dispostos a dividir o pouco que tem. Obrigado Sr. Antônio Geraldo por nos acolher, não encontraríamos outro abrigo até chegar à distante Nova Esperança. Percorrêramos 105 km.
02.02.2013 – Com. Boca do Preguiça – Goiabal
O Sr. Antônio orientou-nos a respeito dos furos Jaibá e Pupunhas. O Mário teve dificuldades para entrar com a lancha na Boca do Jaibá tomada por troncos mas, superado o entrave inicial, o amplo Furo não possuía outros obstáculos.
Antes do Furo Pupunhas existem algumas entradas que podem ser identificadas como Bocas de Lagos pela cor escura de suas águas e que não enganariam um nauta atento, o Furo Pupunhas fica na curva, depois de um barranco e, confirmando nossas expectativas, surgiram dele duas rápidas voadeiras. Chegamos à Comunidade Goiabal ([2]) por volta das 14h00, depois de percorrer 95 km. Localizada a pouco mais de 01 km do antigo Arrombado do Idílio ou Euré. O Mário aguardou nossa chegada para confirmar a parada já que a próxima Comunidade ficava muito longe. Decidimos permanecer em Goiabal tendo em vista que a próxima etapa até Carauari era inferior a 60 km.
O Sr. Ataíde Soares dos Santos e o líder da Comunidade Sr. Mário Castro dos Santos ajudaram-nos a carregar as tralhas e nos instalaram na Casa de Recreação. A esposa do Líder comunitário, Sr.ª Antônia Rosa Pires dos Santos, permitiu que o Marçal preparasse a refeição na sua cozinha. Tomei meu banho, almocei e permaneci na barraca lançando os dados no computador e tratando da perna direita que vinha me incomodando há mais de dois dias.
03.02.2013 – Comunidade Goiabal – Carauari
Partimos por volta das sete horas já que a jornada era bem mais curta neste último dia. Passamos pelo Arrombado do Euré que certamente em menos de uma década deverá alterar novamente o seu curso. Ele deverá romper o bloqueio em um pequeno estreito ([3]) diminuindo ainda mais a distância até Carauari.
Chegamos depois do meio-dia a um Lago muito assoreado que já foi um dia o leito principal do Juruá e avançamos lentamente até a bela Cidade. Sem o auxílio da correnteza do Rio nossa velocidade que antes girava em torno dos 13 km/h, passou para 7,7 km/h. Em Caruari ([4]), depois de remar por 63 km, novamente fomos socorridos pelos amigos da Polícia Militar liderados pelo 1° Tenente Alain que providenciou para que ficássemos instalados no confortável Hotel Medeiros e realizássemos as refeições no Restaurante Bom Gosto. O acesso à internet, por sua vez, só foi possível graças à boa vontade da Fernanda Camilo Ferreira, Agente de Pesquisas e Mapeamento do IBGE.
²Total Parcial: Itamarati ‒ Caruari = 531,0 km
²Total Geral: Foz do Breu ‒ Caruari = 2.308,5 km
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 12.03.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Comunidade da Boca do Preguiça: 05°18’21,0” S / 67°13’02,9” O.
[2] Comunidade Goiabal: 05°04’54,2” S / 67°01’45,1” O.
[3] Estreito: 05°04’04,8” S / 66°52’39,2” O.
[4] Caruari: 04°52’49,0” S / 66°53’47,2” O.
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