Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XLII
Ipixuna, AM – Eirunepé, AM I
Ao partirmos de Ipixuna, gostaria de agradecer a atenção que nos dedicaram os amigos Maria Consuelo e Raimundo, da Pensão Juruá.
Soldado Mário Elder Guimarães Marinho
O Sd Mário é o exímio piloto da lancha de apoio e encarregado de nossa logística. Para evitarmos os piuns que infestam as margens lodosas do Juruá e desnecessárias paradas, Mário nos abastece com água, frutas e bolachas no talvegue do Rio. Ele é o responsável, também, de encontrar o local ideal para montarmos nosso acantonamento nas Comunidades ribeirinhas, no interior das escolas, templos ou residências.
O aportamento diário final é feito a partir das 14h00, depois de termos remado aproximadamente 85 km em oito horas consecutivas. Algumas condicionantes alheias à nossa vontade podem alterar esta programação como, por exemplo, longos trechos de até 40 km dentro de áreas indígenas (Comunidade Condor – Comunidade Santa Maria) sem uma única Comunidade de ribeirinhos. Quando eu e o Marçal concluímos nossa jornada diária e chegamos à uma Comunidade, o Mário já providenciou a montagem do acampamento e o descarregamento do material da lancha.
Soldado Marçal Washington Barbosa Santos
O Sd Marçal é meu parceiro de remadas e o cozinheiro da Expedição. Sabendo que os desafios do Juruá seriam maiores que os dos Rios Madeira e Amazonas, treinou com afinco nas águas turbulentas do Tapajós. Temos, eventualmente, remado mais de 100 km em um único dia e o formidável guerreiro Munduruku chega ao final de cada jornada cantando e sorrindo sem esboçar qualquer sinal de cansaço. A primeira providência dele ao aportar é preparar os caiaques para a próxima jornada e, logo concluída esta etapa, o nosso cozinheiro se dedica à preparação de nossa “almojanta”, já que nossas atividades diárias só permitem que façamos uma única refeição quente ao dia. Algumas vezes, o preparo dos alimentos é feito na cozinha dos amigos ribeirinhos e condimentada com temperos retirados da horta dos mesmos.
10.01.2013 – Partida para a Comunidade Ituxi
Acordamos às 05h30, horário antigo, e nos deslocamos para o Porto Juruá II, do empresário Abraão Cândido. Partimos ao alvorecer, as poucas nuvens tornavam a progressão mais difícil sob o Sol abrasador. Chegamos, finalmente, às 15h30, à Comunidade Ituxi ([1]), depois de remar 102 km. O Mário tinha conseguido autorização para acamparmos na Escola Manoel Fernandes, a residência do Professor, contígua à sala de aula estava ocupada pela família do pescador Francisco Sales da Silva que estava de mudança para Ipixuna. Depois do banho e do “almojanta”, ficamos ouvindo histórias de pescadores.
11.01.2013 – Partida para a Com. das Piranhas
Mantendo nossa rotina diária, partimos antes de o Sol nascer. Logo depois da partida, começou a cair uma chuvinha fina e gelada que nos acompanhou até nosso destino na Comunidade das Piranhas ([2]), a 81 km de distância. Aportamos, por volta das 13h30, e o Sr. Antônio Santana da Silva havia nos informado que a Com. Monte Lígia, encravada em uma bela região de terra firme, estava a apenas uma hora de voadeira com motor de 8 Hp (tipo rabeta), não quis arriscar e optamos por pernoitar na Comunidade das Piranhas. O Sr. Antônio permitiu que nos instalássemos na casa do Professor ao lado da Escola que se encontrava vazia. A Falta de higiene nas Comunidades é muito grande, na maioria delas não existe uma passarela de madeira que permita um deslocamento seguro sem ter de pisar na fétida mistura de lama e fezes de animais que perambulam livremente e se refugiam da chuva ou ao anoitecer, sob as casas. As casinhas (sanitários), quando existem, são meros estrados com um buraco na madeira e os dejetos caem diretamente no chão onde aves e suínos dão prosseguimento ao tratamento dos mesmos.
12.01.2013 – Partida para a Comunidade Condor
Alcançamos a Comunidade Monte Lígia às 08h20, duas horas exatas depois de partir. Infelizmente as referências de que dispúnhamos para tomar a decisão não eram suficientes para escolher a melhor opção. Chegamos, às 11h30, à Comunidade Condor ([3]) depois de remar apenas 55 km.
Tínhamos um enorme vazio, de 40 km, a partir daí até a Comunidade Santa Maria. Instalamo-nos na escolinha, como de praxe e, depois do banho e do “almojanta”, veio me procurar um dos membros da Comunidade, visivelmente embriagado, que suspeitava que fôssemos da Polícia Federal. Argumentei que se fôssemos da Federal, a lancha seria muito mais potente e não de 13 Hp como a nossa, e que, se os agentes tivessem de pernoitar no local, o fariam em sua confortável embarcação e jamais em acanhadas barracas.
Novamente os ribeirinhos relataram sua preocupação em relação ao comportamento dos Culinas que promovem saques nas residências em que gentilmente são acolhidos para pernoitar quando se deslocam para Ipixuna. Infelizmente, alguns pequenos grupos liderados por chefes sem escrúpulo criam um estigma perigoso em relação a todo o povo Culina ([4]).
Em Ipixuna, havíamos topado, diversas vezes, com um bando sujo e maltrapilho de Culinas que bebiam álcool puro indiscriminadamente. Os homens agrediam violentamente suas mulheres e crianças Durante estas borracheiras. É uma pena observar a decadência de alguns grupos liderados por maus Tuxauas. O uso de bebidas alcoólicas pelo povo Culina tornou-se crítico nos últimos 20 anos. A maioria dos jovens de apenas 12 anos já bebe álcool puro e, quando termina o dinheiro das bolsas assistencialistas, para adquiri-lo misturam água à gasolina, que recebem do governo, para separá-la do álcool e o bebem de canudinho.
Com o alcoolismo, aumentou a violência no seio das famílias e nas Comunidades em geral assim como as mortes por afogamento e doenças em decorrência do álcool.
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 05.03.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Comunidade Ituxi: 06°57’57,6” S / 71°18’09,7” O.
[2] Comunidade das Piranhas: 06°50’31,7” S / 71°01’21,6” O.
[3] Comunidade Condor (06°44’54,5” S / 70°47’21,2” O.
[4] Os Culina (ou Kulina) habitam tradicionalmente nas planícies dos Rios Juruá e Acurauá (afluente do margem esquerda do Rio Tarauacá) e pertencem à família linguística arawá. Os Culina se autodenominam Madija, que significa “os que são gente”. Os Culina formam um grupo de pouco mais de 700 membros e ainda preservam sua língua e cultura.
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