Em artigo assinado pelo bispo de Rio Branco, dom Joaquín Pertíñez, o apelo pela segurança dos imigrantes na Ponte da Integração, que liga Assis Brasil, no Acre, a Iñapari, no Peru, dirigido “às autoridades competentes, inclusive a organismos internacionais, para que solucionem esta crise humanitária, que vai contra todos os direitos humanos.
São pessoas, irmãos nossos, em situação de grande vulnerabilidade em todos os sentidos. Diante disso, podemos ficar de braços cruzados, esperando uns pelos outros? Que Deus tenha misericórdia dos pobres, necessitados e migrantes, que não têm nem o direito de voltar a seu país de origem!”.
No dia 21 de janeiro de 2006, com participação dos presidentes e autoridades dos países do Brasil e do Peru, era inaugurada a ponte chamada da “Integração”, comunicando os dois países de forma fraterna.
Passaram-se 15 anos, e a ponte virou a ponte da “desumanidade” e da “discórdia”, onde hoje acolhe embaixo de lonas de plástico, mais de 400 pessoas de diferentes raças e nações, com homens e mulheres grávidas, crianças de peito, e pessoas que só querem voltar a seus países de origem.
A ponte não está servindo para cumprir sua missão, unir dois países, mas, todo o contrário! Uma ponte que se converteu numa barreira policial, com soldados armados e com intenções de não permitir a passagem de nenhum estrangeiro.
Em determinado momento, os migrantes já cansados e desesperados de tanto descaso por parte das respectivas autoridades, decidiram arrombar a barreira policial e chegar até Iñapari. Com força desproporcionada, e sem os mínimos direitos humanos respeitados, os policiais causaram humilhações e ferimentos físicos e psicológicos, forçando-os a abandonar o território peruano.
Segundo uma testemunha ocular: “Foi triste e violenta (a cacetadas e bombas de gás), com cerca de 11 pessoas feridas no hospital, incluindo uma ou duas gestantes e uma criança… Um grupo de cerca de 80 pessoas foi empurrado pela avenida em direção à ponte, devolvendo-os ao Brasil e depois foram pegando outras pessoas e trazendo-as em transportes de órgãos do município para devolvê-los à ponte”.
Assim, a ponte se converteu na ponte das “lamentações”, para vergonha nacional e internacional, sem ninguém tomar as providências necessárias, após várias reuniões e intervenções de diferentes entidades.
Entre as muitas lamentações, partilhando suas vidas e esperanças, alguns deles disseram: “Quando decidimos sair do lugar onde estávamos no Brasil e vir aqui, foi porque a situação era insuportável. Nós migrantes fugimos do que está para trás com a esperança de que para frente será melhor, à procura de um lugar melhor para viver tranquilos com nossas famílias”.
Outros, oferecendo algumas vias e possibilidades, disseram: “Achamos certo as fronteiras estarem fechadas por causa da covid. Mas, se este é o motivo, quem estiver contaminado fica aqui fazendo quarentena sem problema. Mas, quem não está, por que não pode prosseguir viagem, só de passagem, pois não queremos ficar no Peru… Também, se acharem que somos muitos, podem repartir-nos em grupos pequenos, de 10 pessoas ou menos e ir passando. Nós não estamos pedindo nem que o governo pague as nossas passagens, pois nós ainda temos possibilidade de pagar”.
Houve até tentativas de despejo da ponte, por parte de certas autoridades, como se eles tivessem intenção de permanecer e tomar posse da mesma. Assim, no dia 27 de fevereiro, o Ministério Público Federal (MPF), manifestou-se pelo indeferimento de pedido liminar formulado em ação de reintegração de posse, com interdito proibitório ajuizada pela União Federal contra os estrangeiros que estão acampados na “Ponte da Integração”.
“O procurador da República Lucas Costa Almeida Dias fundamentou sua manifestação no direito de livre manifestação que deve atender aos imigrantes nesse caso, afirmando que tal direito tem posição de preferência sobre outros direitos, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”.
A Cáritas se faz presente junto aos migrantes, tanto a do Brasil como a do Peru, com muito trabalho e sem grandes meios humanos e econômicos, mas, esses esforços são extremamente importantes, nestes graves momentos, para dar apoio aos migrantes, principalmente sabendo “estar” ao lado do sofrimento humano e escutando.
Com o passar do tempo, e sem uma solução definitiva, os ânimos podem se acirrar. Os migrantes passam a ficar instáveis, caminhoneiros fazendo pressão para fazer suas entregas, poder público local e moradores descontentes, informações veiculadas pela imprensa podem gerar ainda mais instabilidade.
Os migrantes estão muito sensíveis, e qualquer informação “ou desinformação” que seja divulgada para eles, pode comprometer a própria segurança deles. Infelizmente há sempre alguém com más intenções que quer ver o “circo pegar fogo”.
Jerry Correia, prefeito de Assis Brasil, dizia publicamente, faz alguns dias, entre outras palavras: “Esclareço que a Prefeitura de Assis Brasil em momento algum sugeriu ‘o uso da força’ para retirar os imigrantes da ponte. Mas pedimos que o MPE e MPF se posicionem a respeito da crise humanitária que vivemos aqui. Eu pergunto: É humanitário permitir que crianças e mulheres grávidas fiquem por dias em uma ponte debaixo de sol e chuva? Esta Prefeitura não deixou de assistir essas pessoas em nenhum momento. Mesmo no limite de nossas condições temos garantido água, comida, abrigo e atendimento médico. Chegamos a fornecer 1.500 refeições por dia. É uma situação de guerra que foge totalmente da nossa capacidade de gerenciamento. Estamos pedindo socorro. Repito: Onde estão os órgãos de direitos humanos que permitem que crianças e mulheres grávidas permaneçam em uma ponte sob sol e chuva? Precisamos de socorro pra evitar uma tragédia maior. Somos o município com o maior índice de contágio da Covid-19, pois já temos mais de mil pessoas infectadas para uma população de 7.300 mil habitantes. Nossos abrigos, que na verdade são escolas, não oferecem condições dignas de acolhimento. Não é possível que o Brasil vai continuar assistindo esse drama sem tomar nenhuma medida eficaz. Se alguém não está sendo humanitário, não é o município de Assis Brasil que, mesmo sem condições financeiras, de pessoal e estrutural, tem cuidado do estrangeiro por quase um ano. Senhores, senhoras, pelo bem dos imigrantes e da população de Assis Brasil, NOS AJUDEM!”
No dia 01 de março, o Sr. Juiz Federal, Herley da Luz Brasil, no seu Despacho sobre o Processo: 1001055-87.2021.4.01.3000; Classe: Reintegração/Manutenção de posse, falava entre outras coisas: “Diante desses fatos e dos fundamentos, objetivos e princípios da República Federativa do Brasil, dentre eles a dignidade da pessoa humana, a solidariedade e a prevalência dos direitos humanos (arts. 1º, 3º e 4º da Constituição Federal), bem como das convenções internacionais das quais o Brasil é signatário e, ainda, do disposto nas Leis n. 13.445/2017 e 13.684/2018, intime-se a União para, no prazo de 48 horas, informar:
a) Quais esforços foram envidados pela União para resolver a situação;
b) se já prestou auxílio material aos migrantes que se encontram na fronteira e a previsão de fazê-lo;
c) qual o plano de remoção e reassentamento dos migrantes porá em prática, consultando inclusive o Ministério da Justiça a respeito;
d) sob sua ótica, quais preocupações e cuidados devem ser tomados com os migrantes em situação de vulnerabilidade, antes, durante e após eventual desocupação da ponte, tendo em vista que na petição inicial explicita tão somente preocupações com o transporte e o comércio internacional (menções a questões sanitárias são apenas genéricas).
Deve ainda se manifestar, no mesmo prazo, acerca das manifestações da DPU e MPF juntadas aos autos.
Faculto ao Município de Assis Brasil, que tem prestado assistência direta aos migrantes, a manifestação nos autos, no mesmo prazo. Intimem-se com urgência”.
Até a presente data, dia 06 de março, reuniões com juízes, advogados do governo, organismos ligados à ONU, Defensoria Pública e outros…, não resolveram a situação. A cada dia, sendo Assis Brasil o município acreano com maior índice de contágios de Covid, vários migrantes já adoeceram e outros fugiram. Portanto, esperar até quando…?
O Brasil não poderia devolver os haitianos ao seu país de origem, via aérea, usando os aviões da FAB, caso ser necessário, sendo que o Peru não abrirá sua fronteira? Os haitianos com seu trabalho já deram sua contribuição ao Brasil. Por que o Brasil não retribui agora, de alguma forma, sua contribuição ao desenvolvimento do país?
A antecipação de atos que comprometam a ordem social, inclusive a segurança dos migrantes, exige que se adotem medidas que evitem algum conflito, humano e social.
Apelamos às autoridades competentes, inclusive a organismos internacionais, para que solucionem esta crise humanitária, que vai contra todos os direitos humanos. São pessoas, irmãos nossos, em situação de grande vulnerabilidade em todos os sentidos.
Diante disso podemos ficar de braços cruzados, esperando uns pelos outros?
Que Deus tenha misericórdia dos pobres, necessitados e migrantes, que não tem nem o direito de voltar a seu país de origem!
Dom Joaquín Pertíñez – bispo de Rio Branco, no Acre
PUBLICADO EM: VATICAN NEWS
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