Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XXXVI

P. Walter – Valparaíso, AC

Porto Walter – Cruzeiro do Sul 

P. Walter – Valparaíso, AC

Depois de alguns dias de permanência, os mosquitos foram-se tornando tão intoleráveis que já não nos permitiam sequer pensar em ficarmos sentados à tardinha lendo ou escrevendo. Aí ficamos sabendo que os moradores costumam queimar esterco de vaca junto às portas, a fim de afugentar aquela praga, que é como aqui os denominam com muita propriedade. Esse é o único recurso que produz algum efeito contra eles. (WALLACE) 

25.12.2012 ‒ Rumo à Comunidade Ruças 

O Angonese resolveu tentar a sorte na pescaria embarcando na lancha “Mirandinha” e o Marçal assumiu o comando do “indomável”, me acompanhando neste percurso de mais de 55 km até o Rio Valparaíso. Partimos às 07h15, o nível das águas do Juruá baixara mais de um metro em 24 horas e, em consequência, a velocidade das águas diminuíra consideravelmente. Como se isso não bastasse, o Sol inclemente e a ausência de nuvens minou sensivelmente nossas energias e chegamos bastante cansados à Foz do Rio Valparaíso (08°01’09,5” S\72°44’43,1” O) onde tivemos ainda de remar uns 500 m Rio acima para alcançar a Comunidade Ruças. O Angonese e o Mário já tinham conseguido com o Sr. Antônio, morador local, autorização para acamparmos na Escolinha Municipal Alfredo Said.

Poderíamos fazer uso das instalações sanitárias e tomar um bom banho de caneca, usando a água da cisterna, alimentada por água da chuva. O excelente carreteiro para nosso almoço foi preparado pelo Marçal na residência do Sr. Antônio, tudo corria bem, havia apenas um senão, enxames de carapanãs, piuns e maruins disputavam nosso sangue avidamente. Alguns deles conseguiam passar pela tela das barracas – a situação era drástica. O Mário conseguiu uma chapa metálica e iniciou um pequeno fogo onde colocou folhas verdes de ingá. O Angonese e o Mário foram pescar e eu e o Marçal ficamos sofrendo com o ataque dos pequenos insetos que não se intimidaram com a fumaça, até que resolvemos fazer uso de uma antiga e infalível receita. Recolhemos esterco seco de gado e alimentamos o fogo, o efeito logo se fez sentir – os famigerados seres alados sumiram e nos deixaram em paz.

Quando criança, desde os 6 anos de idade, acompanhava meu pai nas caçadas e pescarias e este remédio contra os insetos sempre se mostrou extremamente eficaz. Diferente das noites anteriores em que os maruins conseguiam passar pelas telas das barracas e os carapanãs ficavam zumbindo do lado de fora, tivemos uma noite agradável e reparadora.

Valparaíso – Nova Cintra, AC

26.12.2012 ‒ Rumo à Comunidade Nova Cintra 

Partimos eu e o Angonese logo depois das 07h00. Diferente do dia anterior, a manhã já se iniciou bastante nublada e uma garoa fina nos acompanhou até a Comunidade Nova Cintra (07°49’28,1” S/72°39’31,1” O) aonde aportei por volta das 12h10, plenamente em forma, depois de percorrer 56 km.

Valparaíso – Nova Cintra, AC.

Estranhei a demora de minha equipe e resolvi adiantar os contatos. Puxei o caiaque barranco acima e procurei a moradora de uma casa mais próxima. A simpática Dona Maria de Nazaré de Souza Correia, muito prestativa, informou-me onde ficava a residência da Sra. Nonata, encarregada da modelar Escola Estadual José de Souza Martins.

Valparaíso – Nova Cintra, AC

Depois de recorrer a diversos moradores, cheguei, finalmente, à residência da Dona Nonata, uma simpática idosa, que informou que não tinha autoridade para liberar as instalações escolares para montarmos nosso acantonamento, mas que podíamos utilizar a varanda e a grande cozinha de sua casa para nos instalarmos. Frustrado nas minhas pretensões de acampar na escolinha, resolvi deixar o material que carregava na casa de minha nova anfitriã e voltei para a margem para aguardar minha equipe.

Nova Cintra, AC

Estava na margem observando o Rio quando se aproximou Dona Maria de Nazaré e perguntei se poderíamos usar a igreja em construção para acampar e ela informou que sim. A igreja ficava bem mais perto da margem do que a residência de Dona Nonata. Poderíamos fazer a comida na cozinha de Dona Maria e tomar banho na cacimba logo abaixo.

Nova Cintra, AC.

Ficamos conversando durante uma hora até que avistamos o Coronel Angonese. Chamei o amigo e ajudei-o a puxar o caiaque pelo alto e escorregadio barranco. Aguardamos uns dez minutos até que o Mário e o Marçal apareceram subindo o Rio. Os marinheiros não haviam notado o meu caiaque na barranca e passaram ao largo. O curioso é que eles tinham fotografado a Comunidade Nova Cintra e meu caiaque “Cabo Horn” aparecia nitidamente nas fotos.

Falei, brincando, que como castigo o Mário teria de ir até a casa de Dona Nonata buscar minhas coisas e trazê-las para a igreja onde iríamos acampar. Descarregamos o material da lancha e eu estava fazendo uma faxina na igreja em construção quando o Mário disse que estávamos autorizados a acampar na escolinha. Quando lá cheguei, estava Dona Nonata gerenciando a limpeza do local para nosso acampamento, ela liberou, também, através da servente da escola, a cozinha e as instalações sanitárias. Realmente a sagaz capacidade de negociação do Mário para com os ribeirinhos ficou, mais uma vez evidenciada, conseguindo deles o maior apoio possível. Tomamos um bom banho com água de poço artesiano e fomos almoçar o saboroso carreteiro preparado pelo Marçal, na residência da simpática senhora Maria de Nazaré. Enquanto almoçávamos, Dona Maria de Nazaré relatou a passagem do místico Irmão Francisco José da Cruz pela Comunidade nos idos de 1968, quando ela tinha apenas 5 anos, e o enorme Cruzeiro que o mesmo fez erigir na elevação mais alta defronte ao Rio Juruá. A Cruz fora atacada pelos cupins, mas os fiéis erigiram uma nova no mesmo local e a ela amarraram a antiga e venerada cruz. Mais adiante, contaremos a história deste estranho e místico pregador que plantou inúmeros cruzeiros ao longo da Bacia do Amazonas.

Nova Cintra, AC.

27.12.2012 ‒ Rumo a Cruzeiro do Sul, AC  

Acordamos ao clarear o dia e, depois de fazer uma faxina completa nas instalações da escolinha e nos despedimos de Dona Maria de Nazaré, iniciamos nossa jornada. O ritmo das remadas foi bem mais lento que o dos dias anteriores.

Apenas 45 km nos separavam do Porto do 61° BIS, em Cruzeiro do Sul. Tínhamos combinado, com o repórter Leandro Altheman, jornalista da TV Aldeia, do grupo SBT, que passaríamos pela Ponte da União exatamente às 13h00. A “Mirandinha” teve de abastecer 20 litros em Rodrigues Alves, a 30 km de nosso destino, nosso motor de 40 Hp, na descida mantivera uma média preocupante de apenas 2 km/l. Aproveitamos para curtir a natureza, observar as frágeis embarcações ribeirinhas que passavam carregadas de gêneros e pessoas, em uma delas seis cães acompanhavam, estáticos, seus donos sem esboçar o mínimo movimento o que, certamente, poderia comprometer o equilíbrio da instável voadeira. Aportamos, às 11h00, em uma praia 500 metros à montante da Foz do Moa e fizemos contato com o Leandro, através de minha querida parceira Rosângela que se encontrava em Bagé, para tentar antecipar em uma hora a reportagem. O Leandro acionou imediatamente sua equipe e agendamos então, para as 12h00, a passagem pela Ponte.

O dia claro e com poucas nuvens prometia facilitar as tomadas da equipe de televisão. Às 11h30, iniciamos lentamente nossa aproximação, o tempo começou a mudar, nuvens pesadas surgiram pela proa trazendo logo em seguida chuva, ventos fortes encapelando as águas. Era cedo ainda, eu e o Angonese nos agarramos a alguns arbustos nas margens, aguardando a hora marcada. Às 11h40, mandei a equipe de apoio realizar um reconhecimento para verificar se os repórteres estavam a postos e, como a resposta foi negativa, ficamos realizando pequenas remadas Rio acima, para aquecer os corpos castigados pela chuva fria, aguardando a hora exata da transposição.

Como a chuva e o vento continuavam castigando-nos, ao meio-dia, em ponto, decidi abordar a Ponte (07°49’28,1” S / 72°39’31,1” O). Não notamos nenhum movimento da reportagem e resolvi rumar diretamente para o Porto do 61° BIS. A meio caminho, por telefone, a Rosângela me informou que a repórter Glória Maria estava na Ponte nos aguardando. Determinei à equipe de apoio que buscasse a equipe de reportagem para que eles fizessem as tomadas a partir da lancha “Mirandinha” enquanto eu e o Angonese aguardávamos os mesmos na margem direita, acostados em uma pequena chalana.

Depois de feitas algumas tomadas de nosso deslocamento, abordamos a lancha para permitir que a simpática e inteligente repórter nos entrevistasse enquanto as embarcações desciam languidamente de bubuia. Depois da entrevista, fomos para o Porto do 61° BIS (07°37’12,7” S / 72°38’47,0” O) onde uma viatura nos aguardava para nos levar até o Hotel de Trânsito. Tivemos, finalmente, a oportunidade de conhecer o Tenente-Coronel Alexandre Guerra, Comandante do 61° BIS, que hipotecou total apoio à Expedição.

www.youtube.com/watch?v=bjH0BVXN8e4&feature=emb_logo

²Total Parcial:   Mal Thaumaturgo ‒ C. do Sul =     329,0 km

²Total Geral:    Foz do Breu ‒ Cruzeiro do Sul =    467,5 km

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 25.02.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].