De acordo com a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR), a norma viola o direito de autodeterminação dos povos originários

Arte: Secom/MPF

O Ministério Público Federal (MPF) divulgou nesta quinta-feira (4) nota pública em que recomenda à Fundação Nacional do Índio (Funai) a revogação imediata da Resolução 4/2021, editada pela autarquia no último dia 22. A norma estabelece novos critérios de heteroidentificação de povos e indivíduos indígenas para fins de execução de políticas públicas, complementares à autodeclaração. O MPF afirma que a medida é inconstitucional e destaca que qualquer iniciativa relacionada ao reconhecimento da identidade indígena deve ser submetida à consulta livre, prévia e informada desses povos.

A nota pública foi elaborada pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR/MPF). No documento, o colegiado ressalta que a Constituição Federal de 1988 garantiu aos povos indígenas o direito à autodeterminação, o que implica reconhecer sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Dessa forma, “está no plano da autonomia dos povos indígenas a definição, implícita na própria cultura, de critérios de pertencimento ao grupo e, portanto, a capacidade de reconhecer quem são seus membros”, aponta o documento.

A 6CCR também destaca que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é expressa ao estabelecer que “a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção”, ou seja, para determinar quem são os povos indígenas.

O documento afirma que os “critérios específicos de heteroidentificação” definidos pela Funai são “ambíguos e permitem interpretações descabidas acerca da identidade indígena, como se esta fosse mera cristalização de diferenças biológicas ou culturais entre grupos humanos”. Aponta ainda que os argumentos alegados pela Funai, como a necessidade de proteger a identidade indígena e evitar fraudes na obtenção de benefícios, não podem ser usados para subtrair o direito fundamental desses povos de afirmarem suas identidades, nem para cercear seu acesso a políticas públicas, como a atenção à saúde diferenciada, por exemplo.

Os membros do MPF ressaltam que a questão da autoidentificação envolve o reconhecimento de pertencimento de um indivíduo em relação a uma comunidade e o reconhecimento por parte da comunidade de que aquele indivíduo a integra. “Não há razão alguma para a criação de nova normativa, considerando que se trata matéria afeta aos valores, práticas e instituições das coletividades indígenas, que devem ser integralmente respeitados e protegidos pelo Estado brasileiro”, concluem no documento.

A 6CCR chama atenção ainda para as consequências danosas da medida na atual conjuntura. “Os riscos de tal intervenção infundada tornam-se ainda mais gravosos no atual contexto da crise sanitária ocasionada pela pandemia da covid-19, podendo, inclusive, conduzir a uma eventual subtração de direitos já consolidados”.

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