Após recusar estudos da Norte Energia, órgão mudou repentinamente de posição e autorizou a empresa a desviar mais água para Belo Monte
O Ministério Público Federal (MPF) requisitou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) os dados técnicos que embasaram a mudança repentina de posição do órgão sobre o desvio das águas do Xingu para a usina de Belo Monte, no Pará. Nos meses de janeiro e fevereiro, o Ibama havia determinado que menor quantidade de água fosse desviada do rio, diante da gravidade dos impactos registrados e da insegurança para a sobrevivência dos ecossistemas e comunidades da região da Volta Grande do Xingu, afetada diretamente pelo desvio.
De acordo com os pareceres técnicos emitidos pelo próprio órgão ambiental a partir de 2019, o hidrograma artificial aplicado na Volta Grande não tinha se mostrado capaz de garantir a reprodução da fauna aquática, a manutenção das florestas e dos modos de vida dos moradores indígenas e ribeirinhos. Por conta das conclusões técnicas, foi determinada a realização de estudos complementares pela empresa Norte Energia (Nesa) e a aplicação de um hidrograma alternativo, com maior quantidade de água sendo liberada para o curso natural do rio Xingu nos meses de janeiro e fevereiro, época da piracema na região.
No dia 1º de fevereiro, os estudos complementares entregues pela empresa foram considerados insuficientes pela equipe técnica do Ibama e devolvidos para readequação. Mesmo assim, no dia 7 de fevereiro o Ibama anunciou que estaria negociando um termo de compromisso com a Norte Energia. Ontem (8), o acordo entre o órgão ambiental e a concessionária de Belo Monte teria sido celebrado.
Ontem mesmo, o MPF enviou ofício ao presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, ao diretor de licenciamento ambiental, Jônatas Souza da Trindade, e ao coordenador geral de licenciamento, Régis Fontana Pinto, requisitando vários detalhes sobre as negociações, os critérios técnicos e equipes técnicas responsáveis pelo termo de compromisso assinado entre as partes.
Entre as dez perguntas feitas ao órgão ambiental, o MPF quer saber “considerando os impactos ambientais em curso, qual o resultado esperado das medidas de mitigação em relação a eles? Como se chegou a tais projeções de resultados? Quais os critérios utilizados na sua formulação pela Nesa e na sua aceitação pelo Ibama (indicar, nominalmente, os autores de tais estudos e conclusões)?”
O MPF também quer saber “o que justifica a escolha técnica pela adoção de medidas de mitigação em vez da adoção de medidas de prevenção dos impactos, tal como aquelas já adotadas pelo Ibama, com a definição de vazão média mais elevadas para o Trecho de Vazão Reduzida”. Para todas as respostas requisitadas, o Ibama deve indicar nominalmente os responsáveis pelos estudos e conclusões que embasam o acordo com a Norte Energia.
O MPF concedeu prazo de 48 horas para que todos os questionamentos feitos às autoridades responsáveis pelo licenciamento de Belo Monte sejam respondidos.
Veja os questionamentos feitos ao Ibama:
1 – Foi celebrado Termo de Compromisso entre o Ibama e a Norte Energia? Se positivo, quais os seus termos?
2 – Na definição das chamadas “medidas de mitigação” previstas no Termo de Compromisso como foram compostas as equipes técnicas do Ibama que apreciaram as propostas da Nesa? Qual o motivo de tais equipes técnicas não terem participado das reuniões técnicas em que discutido o Termo de Compromisso?
3 – Quais os critérios técnicos utilizados por tais equipes, bem como pelos seus superiores e pela Diretoria do Ibama para assegurar a relação de pertinência das mencionadas medidas de mitigação e os danos verificados com a aplicação das vazões reduzidas, especialmente ao se constatar que “deve-se sempre lembrar que os impactos ambientais em curso estão sendo observados sob vazões superiores ao teto do HCB indicando que as condições de degradação ambiental podem piorar com a implementação definitiva das vazões alternadas do hidrograma de teste” (Parecer Técnico 17/2021/COHID/DILIC)?
4 – Considerando os impactos ambientais em curso, qual o resultado esperado das medidas de mitigação em relação a eles? Como se chegou a tais projeções de resultados? Quais os critérios utilizados na sua formulação pela Nesa e na sua aceitação pelo Ibama (indicar, nominalmente, os autores de tais estudos e conclusões)?
5 – O que justifica a escolha técnica pela adoção de medidas de mitigação em vez da adoção de medidas de prevenção dos impactos, tal como aquelas já adotadas pelo Ibama, com a definição de vazão média mais elevadas para o Trecho de Vazão Reduzida? Indicar nominalmente os responsáveis por tais estudos e conclusões.
6 – A assinatura do Termo de Compromisso, com a adoção de medidas de mitigação, significa que o Ibama considera inviáveis medidas de prevenção do dano no Trecho de Vazão Reduzida? Se positivo, qual a fundamentação técnica de tal conclusão? Se negativo, o que justifica a adoção de medidas de mitigação se existentes medidas de prevenção do impacto ambiental? Em ambos os casos, indicar nominalmente os autores de tais estudos e conclusões.
7 – Quais os critérios técnicos que, a partir da adoção de medidas de mitigação, permitem afastar a conclusão constante do Parecer Técnico 133/2019/DILIC, que demonstra que “os dados presentes no processo de licenciamento são insuficientes para garantir que não haverá piora drástica nas condições ambientais e de modo de vida na Volta Grande do Xingu no caso de sua implementação”?
8 – Quais os critérios técnicos (e os autores de tais estudos e conclusões) que demonstram de que forma concreta as medidas de mitigação acertadas com a Norte Energia impedem que a aplicação do Hidrograma B do Hidrograma de Teste resulte em “piora drástica nas condições ambientais e de modo de vida na Volta Grande do Xingu no caso de sua implementação”? Como se chegou a tal conclusão?
9 – Quais as justificativas técnicas (e os autores de tais estudos e conclusões) que demonstram a pertinência e correlação entre os impactos decorrentes da aplicação do Hidrograma B do Hidrograma de Testes e as medidas de mitigação previstas no “Plano de Fortalecimento Comunitário, em especial, o Projeto Experimental de Biotecnologia Aplicada à Reprodução de Peixes Nativos na Volta Grande do Xingu; Projeto de Fortalecimento da atividade produtiva de subsistência; e o Projeto de Incentivo à Pesca Sustentável”?
10 – Quais as justificativas técnicas (e os autores de tais estudos e conclusões) que permitem afirmar que as medidas de mitigação acertadas com a Nesa, dentre elas “o Plano de Fortalecimento Comunitário, em especial, o Projeto Experimental de Biotecnologia Aplicada à Reprodução de Peixes Nativos na Volta Grande do Xingu; Projeto de Fortalecimento da atividade produtiva de subsistência; e o Projeto de Incentivo à Pesca Sustentável” são suficientes e adequadas para compor o dano decorrente do regime de vazão média previsto no Hidrograma B? Como se aferiu que tais medidas implicarão em evitar a perenização da “piora drástica nas condições ambientais e de modo de vida na Volta Grande do Xingu no caso de sua implementação”?
Ministério Público Federal no Pará
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