Vacinação excludente, ausência de fiscalização e de barreiras sanitárias para conter invasores nos territórios, inexistência de um plano de contingenciamento por parte do governo e falta até de alimentos são problemas que os povos indígenas enfrentam durante a pandemia
“Direito é aquilo que se arranca quando não se tem mais escolha, e neste momento nós não temos escolha.” A ativista e educadora Célia Xakriabá resume em sua fala a posição dos indígenas que lutam para proteger seus territórios, seus direitos constitucionais e, sobretudo, seu povo em meio à pandemia. Vacinação excludente, ausência de fiscalização e de barreiras sanitárias para conter invasores nos territórios indígenas, inexistência de um plano de contingenciamento por parte do governo e falta até de alimentos para quem dependia do comércio de seus produtos. Já é o segundo ano da pandemia e as organizações e lideranças indígenas seguem denunciando uma série de problemas nas comunidades.
Só na região da Amazônia brasileira, até o dia 12 de fevereiro eram cerca de 35 mil casos de covid-19 e 783 mortes registradas nesta população, de acordo com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). A entidade reclama que o plano de vacinação brasileiro prevê a imunização inicial de apenas 45% da população indígena e define que serão vacinados somente 410.348 indígenas. O problema é que, de acordo com o último censo do IBGE (2010), a população indígena estimada era de 896,9 mil, número que, inclusive, já se encontra defasado.
“A estimativa hoje é que o Brasil tem uma população de 1 milhão de indígenas”, diz Dinamam Tuxá, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). De acordo com ele, os dados sobre a pandemia apresentados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) também são irreais, com números bem inferiores quanto à contaminação e à mortalidade. “Apesar de ter havido uma melhora recente, ainda há um déficit de profissionais também por causa da subnotificação de casos e do subdimensionamento da população. O quadro funcional da Sesai também precisa ser ampliado para um melhor atendimento das comunidades.”
Para Dinamam, o Estado brasileiro foi e segue sendo omisso na pandemia. “Até hoje nós não temos aprovado um plano de contingenciamento da pandemia para as terras indígenas. O Supremo acatou o nosso pedido de que o Estado apresentasse um plano com base na nossa proposta. O plano do governo foi apresentado quatro vezes, mas nas quatro foi negado pelo Supremo porque não trazia medidas eficazes de combate à covid. Já estamos no ápice da segunda onda e só temos em prática uma diretriz ineficiente elaborada pela Sesai, que além disso deixa vários indígenas de fora. A exemplo dos indígenas em terras ainda não demarcadas e os indígenas em contexto urbano. O próprio Plano Nacional de Vacinação não inclui esses indígenas”, diz ele.
O indígena das aldeias já está em vulnerabilidade porque vem à cidade adquirir produtos e acaba entrando em contato com outras pessoas sem estar acostumado a usar álcool em gel, nem a própria máscara, diz Noel Henrique, vereador de Oiapoque (AP). Mas a situação dos indígenas que moram na cidade – e por isso não foram vacinados – é ainda mais preocupante, conta ele. Não existe uma separação rígida entre populações e comunidades, como supõe o plano de vacinação. “Há famílias que residem na cidade mas também entram nas terras indígenas. Na rodovia, há um ramal que liga Oiapoque à Aldeia Manga, que é um ponto de encontro para nós, povos das quatro regiões, e não há uma barreira sanitária.”
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