O reconhecimento como indígena era feito por meio de uma autodeclaração passa a incluir agora uma série de critérios que retoma plano frustrado da ditadura militar
No dia 22 de janeiro a Fundação Nacional do Índio (Funai), que tem como presidente o delegado de Polícia Federal, Marcelo Xavier, publicou uma resolução pela qual estabelece novos critérios para que um indígena possa ser reconhecido como tal além da autodeclaração que existe há quase 40 anos.
Na resolução divulgada, os novos critérios incluem: “I-Vínculo histórico e tradicional de ocupação ou habitação entre a etnia e algum ponto do território soberano brasileiro; II – Consciência íntima declarada sobre ser índio; III – Origem e ascendência pré-colombiana; IV) Identificação do indivíduo por grupo étnico existente, conforme definição lastreada em critérios técnicos/científicos, e cujas características culturais sejam distintas daquelas presentes na sociedade não índia”.
Segundo a Funai, as mudanças têm o intuito de “proteger a identidade indígena e evitar fraudes na obtenção de benefícios sociais voltados a essa população.” Segundo o presidente do órgão, Marcelo Xavier, “a Funai acredita que a política indigenista deve ser fundamentada em três pilares: dignidade, pacificação dos conflitos e segurança jurídica. Dessa forma, temos trabalhado para construir uma nova realidade para os indígenas, pautada no respeito e na proteção dos direitos dessas populações.”
Posicionamento da APIB e MPF
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), principal organização indígena do país, divulgou um comunicado no dia 4 afirmando que “governo racista não define indígenas!”, e deixou também o seu posicionamento: “a Apib denuncia este novo ato do governo federal, que declaradamente está contra os direitos dos povos. Alertamos para que todas as lideranças e organizações indígenas estejam atentas para essa medida e que exijam o cancelamento deste ato, que tem suas raízes na ditadura militar, época em que mais de 8 mil indígenas foram mortos no Brasil”.
A nota aponta ainda que “a Funai recorre a essas artimanhas para mascarar o real propósito de negar a existência de mais de 42% da população indígena existente no país, que independentemente da sua localização ou da situação fundiária dos seus territórios, mantém vínculos com a sua ancestralidade, cultiva seus modos de vida, mantém viva a sua cultura, e sobretudo, se reconhece a si próprio, individual e coletivamente, indígena, povo originário, execrado e massacrado pelo poder colonial e os sucessivos dominadores ao longo da história. Dessa forma não depende do Estado ou de governo qualquer para que lhe venha a dizer se é ou não indígena”.
A APIB apontou em parecer jurídico que a resolução insere “critérios universais que podem ter como consequência a criação de obstáculos aos direitos de determinados povos indígenas do Brasil, violando diretamente o Princípio da não discriminação dos povos indígenas”. Além disso, apontou que “a publicação vem justamente no início da vacinação contra a covid-19, podendo assim, limitar e prejudicar o processo de vacinação dos povos indígenas”.
O Ministério Público Federal (MPF) também divulgou no dia 4, nota pública em que recomenda à Funai a revogação imediata da Resolução 4/2021. O MPF afirma que a medida é inconstitucional e destaca que qualquer iniciativa relacionada ao reconhecimento da identidade indígena deve ser submetida à consulta livre, prévia e informada desses povos. No documento, o colegiado ressalta que a Constituição Federal de 1988 garantiu aos povos indígenas o direito à autodeterminação, o que implica reconhecer sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Dessa forma, “está no plano da autonomia dos povos indígenas a definição, implícita na própria cultura, de critérios de pertencimento ao grupo e, portanto, a capacidade de reconhecer quem são seus membros”, aponta o documento.
De onde surgiu essa resolução?
A resolução divulgada pela Funai tem como referência um plano elaborado na ditadura militar, durante o governo do general ditador João Figueiredo (1979-1985), onde a imprensa passou a relatar a existência de “critérios de indianidade” que estavam sendo definidos e aplicados por órgãos diretivos da Funai, a respeito de determinados grupos indígenas. A iniciativa acabou arquivada pelo próprio governo militar, devido a reação contrária que a ideia repercutiu na época. Em abril de 1982, o então presidente da Funai, o coronel-aviador reformado da Aeronáutica Paulo Moreira Leal, mandou suspender “toda e qualquer atividade” que tratasse, dentro do órgão, de “planos e critérios de indicadores de indianidade”.
Fonte: Amazônia.org.br
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