Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XV

FOZ DO BREU/AC – Google maps

Conflito Inevitável II 

Leandro Tocantins, no capítulo LXV de seu livro “Formação Histórica do Acre – Volume II” faz um pequeno histórico da penetração peruana do Alto-Purus e no Alto-Juruá, a partir de 1896.

Atribui-se a Vicente Mayna o primeiro estabelecimento peruano [1896] a fundar-se no Juruá. “Um arraial no local em que atualmente se encontra a Vila de Porto Walter, não com o fim de negociar e tão-somente de explorar os cauchais vizinhos”. Na pista de Vicente Mayna vieram outros caucheiros patrícios. A firma Hidalgo Ruiz montou casa a jusante do Rio Moa, no lugar Centro Brasileiro, nome substituído pelos chefes da empresa arrendatário do seringal para Centro Peruano.

O seringal foi arrendado pelo brasileiro Antonio Marques de Meneses. Hoje, nesse lugar, ergue-se a Cidade de Cruzeiro do Sul.

Em apoio a essa Fundação Comercial que tinha um fundamento político, veio do Peru um Destacamento Militar pelo varadouro Ucaiali-Juruá-Mirim, não logrando alcançar o Juruá porque alguns brasileiros interceptaram-lhe o caminho. No ano de 1897, um oficial da Marinha de Guerra do Peru, D. Henrique Espinar, procedente de Iquitos, chegou ao Juruá, no vapor Brasil, cuja denominação, evidentemente intencional, servia para ganhar simpatias dos ribeirinhos.

Porque, em caráter secreto, Espinar tinha a missão de fazer um levantamento social e hidrográfico do Rio, o que realizou:

desde a Foz até a Boca do Tejo, a que dá a extensão de 1.505 milhas, retirando-se depois ao Ucaiali pelo varadouro que liga o Tamaia ao Amônea.

É interessante destacar do relatório que o emissário peruano apresentou ao seu Governo a circunstância de estar o Juruá ocupado pelos brasileiros, até o alto curso. Apenas cinco habitações peruanas ele registrou, perdidas no meio de tantas “fincas” a cujos proprietários Espinar chama de estrangeiros.

Entre os compatriotas de Espinar encontrava-se o famoso Carlos Sharff, no Rio Gregório [afluente da margem direita], com 360 caucheiros. Toda essa gente vinha atraída pelos novos cauchais, nas cabeceiras do Juruá ou nos cursos altos de seus afluentes Meridionais.

A riqueza vegetal atiçou a cobiça dos loretanos vizinhos que açodadamente “atiravam-se ao objeto de sua avidez”. O primeiro estabelecimento administrativo do Peru, no Juruá, ocorreu em 1898. D. Justo Balarezo surgiu no Rio Amônea na qualidade de Governador-comissário, por nomeação do “Comisionado Especial del Supremo Gobierno en el Departamento [Loreto]”. Participando em circular, de 08.07.1898, esse fato e a sua posse no cargo, Balarezo garantiu o propósito de emprestar todas as “facilidades necesarias al Comercio y a la Industria para un amplio desarrollo en la circunscripción de mi jurisdicción”. E acrescentava: “siendo mi autoridad la primera que ha sido nombrada para esta región. [Circular de 08.07.1898, dirigida a Urbano Müller – Arquivo Ramalho Junior]

Um mês depois, Justo Balarezo, da Boca do Amônea, onde assentara a sua Gobernación, dirigiu um ofício ao brasileiro Urbano Müller, nos seguintes termos:

Ha llegado a mi conocimiento que ha solicitado U. de autoridades brasileras la adjucación de diversos lotes de terrenos comprendidos entre el Río Gregorio y la Boca del Río Breo. Como dichas adjucaciones deben pedirse a nuestro Gobierno por medio de sus autoridades, pues es el único que tiene legítimo derecho a expedirlos, me encuentro en el deber de velar por los intereses del país como también por los de los particulares, sean peruanos o extranjeros, que se encuentren bajo mi jurisdicción. Por lo tanto prohíbo a U. que continúe practicando tal irregularidad y desearía se acerque U. a esta Gobernación para hablar con mas extensión sobre el asunto. [Ofício de 13.08.1898 – Arquivo Ramalho Júnior]

Urbano Müller, em resposta, acusou a circular de comunicação de posse e o novo expediente de Balarezo, frisando que deixaria de parte qualquer contestação:

pois ao Governo de meu País compete oferecer ao vosso os direitos que tenha sobre este território.

Entretanto, era:

forçado a desconhecer a vossa autoridade, diante dos inúmeros atos oficiais emanados da Intendência de São Filipe e do Governo do Estado do Amazonas, os quais traduzem categoricamente a posse em que se acham da região em que atualmente nos achamos. Vou, portanto, levar ao conhecimento das referidas autoridades de meu País não só a circular como, também, o vosso ofício, para que seja tomado em consideração assunto tão grave. [Ofício de 13.08.1898 – Arquivo Ramalho Junior]

Na entrada do século, os peruanos possuíam centros de relativa atividade comercial no Juruá. Ricardo Hidalgo, na Boca do Moa; Asumpción Ruiz e Samuel Aspiasse, no Juruá-Mirim; Carlos Sharff, Menacho y Hermanos, Vigel & Co., Efrain Ruiz, Lecca y Hermanos, “negociantes e potentados”. Quase todos mantinham intercâmbio direto com o Peru, através dos varadouros do Ucaiali.

O Governo do Amazonas, prevenido pelos funcionários da Intendência de São Filipe, acerca dos planos do Peru e das atividades suspeitas de seus nacionais no Juruá, animou-se a criar uma Coletoria na Boca do Breu.

Em fevereiro de 1902, a repartição foi instalada mais abaixo, entre os Rios Arara e Amônea, porém, logo nos 3 primeiros meses do ano seguinte, o Executivo Estadual suprimiu-a, a pedido do Chanceler Olinto de Magalhães, por interferência do Ministro do Peru, sem que isso importasse em reconhecer o território como peruano, segundo a decisão da Chancelaria brasileira. E havia bem fundadas razões para o Amazonas tomar essa providência. Os peruanos, a princípio, querendo ganhar simpatia e confiança, submeteram-se às leis e às autoridades nacionais.

Quando consideraram o seu comércio suficientemente forte, a atitude mudou. A sombra do interesse econômico ocultava-se o objetivo político, e este veio à tona em manifestações positivas de domínio na região, onde:

reside grande número de peruanos aos quais o nosso Governo cerca de ampla liberdade, de todas as garantias, sem que eles as reconheçam e correspondam. [Relatório apresentado pelo Comissário Raimundo Augusto Borges, da Intendência de São Filipe, ao Governo do Amazonas]

A Independência de São Filipe salientava ao Governo do Amazonas o “grande e ativo comércio” que o Juruá “entretém com as praças do Pará e Manaus, fornecedoras de todos os gêneros nacionais e estrangeiros que recebem os produtos naturais desta Comarca, comércio “exercido em alta escala por milhares de brasileiros disseminados nas frondosas margens dos Rios Juruá e seus afluentes”. Havia, porém, “a concorrência criminosa e vantajosamente exercida pelos cidadãos peruanos, contrabandistas, que povoam diversos Rios, devastam suas matas e sugam sua riqueza, sem concorrerem com um ceitil ([1]) para o aumento das rendas do Município e do Estado”. A esse tempo, lanchas e pequenos vapores peruanos, viajando com bandeira do Brasil, trafegavam pelo Juruá, o Tarauacá, o Envira, o Muru. Partiam de Iquitos, base principal das operações, num misto de comércio e de conquista política, e fonte de contrabando que também se fazia através dos varadouros do Ucaiali. Caucho e borracha escapavam-se por caminhos escusos, sem pagar nenhum imposto ao fisco brasileiro. Daí um dos motivos da criação da coletoria amazonense, retirada logo mais para atender as conveniências diplomáticas do Itamarati. (TOCANTINS, 1989)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 27.01.2021 –  um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia 

TOCANTINS, Leandro. Formação Histórica do Acre, Volume II – Brasil – Brasília, DF – Conselho Federal de Cultura e Governo do Estado do Acre, 1989.

 (*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]    Ceitil: moeda portuguesa criada no reinado de D. Afonso V.