Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XVII
Modus Vivendi I
Graças à ação pioneira e patriótica desencadeada, com muita competência e determinação, pelo Governo do Estado do Amazonas é que se conseguiu pelas armas, com Plácido de Castro, e pela diplomacia, com Rio Branco, a incorporação das plagas acreanas ao Brasil. Os arrojados desbravadores haviam penetrado corajosa e progressivamente nas Bacias do Rio Purus, Acre e Juruá sem encontrar um único boliviano ou peruano sequer. A geografia, por sua vez, mais tarde, impôs no Rio Acre que os interesses nacionais colidissem com os dos bolivianos e nos Vales do Alto-Purus e do Alto-Juruá nossa incontestável e laboriosa presença viesse a enfrentar os caprichos peruanos. No dia 12.11.1898, o omisso e temeroso Governo Federal, totalmente alheio aos interesses nacionais permitiu que os bolivianos instalassem no Rio Acre um Porto Aduaneiro boliviano. No dia 03.01.1899, a Aduana de Puerto Alonso, hoje Porto Acre, foi inaugurada desencadeando, imediatamente, as insurreições acreanas contra a presença boliviana na região.
“Temos um Homem no Itamarati”
Brasil x Bolívia
Logo após a assinatura do Tratado, o Governo Federal criou o Território Federal do Acre e o dividiu em três Departamentos autônomos designando, em abril de 1904, o Coronel Rafael Augusto da Cunha Matos para Prefeito do Departamento do Acre, com sede em Rio Branco; Seringal Empresa (Rio Acre), o General José Siqueira de Meneses para Prefeito do Alto-Purus sediado em Sena Madureira (Rio Iaco) e o Coronel Thaumaturgo de Azevedo para Prefeito do Alto-Juruá em Cruzeiro do Sul (Rio Juruá).
Brasil x Peru
Rio Branco sempre afirmou que o governo brasileiro não aceitaria qualquer tipo de negociação baseada no Tratado de Santo Ildefonso [1777], como pretendiam os peruanos já que este Tratado tinha sido declarado nulo pelo Tratado de Badajós [1801]. Os peruanos intensificam as ações bélicas, mas o Chanceler brasileiro, que conhecia as questões de limites, como poucos, não se curvou às pressões militares peruanas e respondeu enfaticamente às provocações afirmando em Nota Oficial ao Ministro Hernán Velarde:
é que o Governo peruano começou em fins de 1902 e meados de 1903 a apoderar-se, “manu militare” ([1]), dos territórios em litígio, quase que exclusivamente habitados por brasileiros, procurando modificar o estado em que se achavam as coisas, e acreditando que tais invasões e tomada de posse violentas, efetivadas à última hora, lhe podiam alcançar posição vantajosa no processo arbitral que desejava. [Rio Branco, 27.06.1904 ‒ Arquivo Histórico do Itamarati]
Eventualmente, atendendo às solicitações dos cidadãos brasileiros, as Forças Nacionais intervêm a fim de evitar que os abusos por parte das autoridades peruanas se perpetuem.
No dia 10.11.1903, o Ministro Hernán Velarde apresenta um protesto junto ao Itamarati nos seguintes termos:
Un Destacamento Militar ha penetrado en territorio peruano llegando hasta la Boca del Río Chandless en cuyas márgenes se hallaban establecidas la Aduana, la Comisaría y una diminuta guarnición peruana, de que el jefe de la fuerza brasilera, procediendo en nombre del Gobernador del Acre, intimó a los peruanos la desocupación del territorio. […] que tropas del Brasil han invadido el Perú, desposando al amparo de la sorpresa y del número a las legítimas autoridades territoriales.
Os peruanos tentaram iniciar seu processo de ocupação instalando pontos de apoio à sua exploração e comércio do caucho. Uma tropa do exército peruano, em março de 1904, tentou reconquistar a Boca do Chandless, atacando inicialmente os brasileiros no Barracão do Funil e outros Barracões do Alto-Purus com o objetivo de conseguir mantimentos para suas tropas.
O Prefeito do Alto-Purus, Cândido José Mariano, enviou um Ofício Reservado, no dia 21.02.1906, ao Barão do Rio Branco, informando que no Barracão Funil os brasileiros “despercebidos do que lhes ia suceder e ocupados com os seus afazeres” não conseguiram “repelir tão insólita agressão, e aí, de posse do lugar, cometeram toda a sorte de tropelias, violando brutalmente algumas das mulheres brasileiras e aprisionando o proprietário do mesmo, de nome Francisco Correa de Meneses, e mais dez fregueses seus, todos brasileiros”. Os peruanos levaram os prisioneiros para o Peru e fuzilaram a quase todos. Relata Leandro Tocantins:
As populações ribeirinhas ficaram em pânico e apelaram para o Coronel José Ferreira de Araújo. Este reuniu uma centena de seringueiros e foi ao encontro dos peruanos. Cruzeiro, “Cuartel General” dos incursores, já estava abandonado quando a diligência brasileira alcançou-o. Ferreira de Araújo prosseguiu para montante, encontrando, na passagem, barracões destruídos e pessoas famintas, pois houvera saque de víveres. E na Foz do Santa Rosa deparou com o novo acampamento peruano, a fervilhar de gente, sendo recebido a bala, o que deu ensejo a renhida luta durante o dia 31 de março de 1906, noite adentro, até 11 horas da manhã de 1° de abril de 1906. Os invasores retiraram-se, na maior parte, protegidos pela escuridão da noite, indo procurar os varadouros das cabeceiras do Rio.
Estes fatos foram reproduzidos dos jornais de Manaus por “O País”, de 26.07.1904, cujos recortes se encontram na Coleção de Rio Branco, Arquivo Histórico do Itamarati. Logo após a essa ocorrência, o General Luis Antônio de Medeiros, Comandante do Distrito Militar, em Manaus, recebeu uma Comissão de proprietários do Alto-Purus que lhe foram narrar os fatos e pedir proteção. Os brasileiros prenderam 5 peruanos em Funil e sem o consentimento de José Ferreira de Araújo e sua completa ignorância [diz o Prefeito Candido Mariano], sob a chefia “de um desalmado de nome Jorge Rangel deram morte aos prisioneiros”, fato “reprovado por todos, não lhes servindo de desculpa o modo por que foram tratadas pelos peruanos as famílias naquele lugar. “Esse tristíssimo caso, originário da invasão peruana no território nacional e das depredações por ela cometidas merece a censura dos homens educados”. Mas, “trata-se de gente sem instrução e inteiramente dominada pelo ódio à vista dos horrores ali praticados pelo invasor audaz”.
Estas ocorrências só vieram a ser conhecidas no Rio de Janeiro nos últimos dias de abril, através de telegramas de Manaus. Somadas aos preparativos militares do Brasil, na capital amazonense, aumentavam de muito a tensão psicológica. Mas o bom senso acabou por vencer a intransigência peruana que poderia ter arrastado a uma guerra não desejada pelas duas nações. A 08.05.1904, o Ministro Hernán Velarde dirigiu uma nota ao Itamarati cujos termos já indicavam melhores disposições de espírito do Governo peruano. A certa altura, dizia o representante do país vizinho:
Hoy, Señor Ministro, interpretando el espíritu de concordia que guía y ha guiado siempre a mi Gobierno en sus relaciones con el Brasil, propongo a V. Exª como medio decoroso de salvar las graves dificultades en que se hallan comprometidos nuestros respectivos países la neutralización de la zona reconocida como litigiosa por ambos los Gobiernos y la consecuente retirada de las fuerzas que pudiesen encontrarse en esa zona, mientras se negocia un acuerdo que ponga término a toda dificultad entre nuestros respectivos países.
A nota foi lida a Rio Branco por Velarde e, explicada a inteligência da “zona reconocida como litigiosa” não logrou acolhimento do Chanceler, porque, se aceita, ficaria neutralizado todo o imenso território pretendido pelo Peru, tanto o que se estende ao Sul da linha Madeira-Javari do caduco Tratado de 1777, compreendendo 251.000 km² no Estado do Amazonas, ao Norte da oblíqua Javari-Beni.
“Ponderei imediatamente ao Sr. Velarde que tal proposta era inadmissível”. O Brasil só aceitava a neutralização de dois pequenos territórios no Alto-Juruá e no Alto-Purus, e nesse sentido o Itamarati ia redigir uma nota em termos explícitos. (TOCANTINS, 1989)
Rio Branco negou-se a tentar qualquer tipo de acordo com o Governo de Lima enquanto os Destacamentos Militares peruanos permanecessem nas regiões do Alto-Juruá e Alto-Purus. Como as ações peruanas persistissem, o Presidente Rodrigues Alves determinou ao General Luiz Antônio de Medeiros, Comandante do 1° Distrito Militar, sediado em Manaus, AM, que organizasse dois destacamentos e os deslocasse para o Alto-Juruá e o Alto-Purus. O Comando de 300 combatentes, destinados ao Alto-Purus, coube ao Major Olímpio de Oliveira, enquanto o Tenente-Coronel Cipriano Alcides, no comando de 225 soldados do 15° Batalhão de Infantaria, seguiria para o Alto-Juruá. Partiram ambos, de Manaus, em princípio de maio.
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 29.01.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
TOCANTINS, Leandro. Formação Histórica do Acre, Volume II – Brasil – Brasília, DF – Conselho Federal de Cultura e Governo do Estado do Acre, 1989.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Manu militare: com poder militar.
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