Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LXXIX
Descendo o Rio Madeira ‒ X
Golfinhos Mágicos da Amazônia
O Madeira, como os demais amazônicos caudais, possui um encantamento próprio: suas águas fluem céleres buscando o Rio-Mar, nas suas margens ribeirinhos hospitaleiros nos saúdam alegremente e os menos tímidos nos alcançam de voadeira e convidam-nos para um lanche ou almoço; os enormes gigantes da floresta, tombados, são arrastados pela fria correnteza, transformando-se em verdadeiros aríetes contra os cascos das embarcações, os pequenos afluentes pululam de vida. Mas nada disso se compara ao prazer que experimentamos de sermos acompanhados pelos irrequietos e alegres amigos golfinhos.
Desde minha primeira descida pelo Solimões, em 2008, estes simpáticos cetáceos aparecem nos momentos certos, seja para afastar o cansaço quando este começa a tomar conta do meu corpo, seja para nos orientar quando existe alguma dúvida quanto à melhor rota a ser seguida ou, ainda, simplesmente para nos alegrar.
Golfinhos do Lago Pebas
A maioria dos especialistas defende a tese de que os seus ancestrais penetraram na Bacia Amazônica pelo Pacífico nos tempos da Pangea.
Naqueles tempos, o Rio Amazonas corria para Noroeste e desaguava no Pacífico; mais tarde, quando os continentes se separaram, suas águas foram barradas pela Cordilheira dos Andes que formaram, na grande depressão Amazônica, um formidável manancial chamado Lago Pebas ([1]). Estes magníficos seres foram sofrendo adaptações através dos tempos até se transformarem em espécies endêmicas. Hoje sua distribuição se verifica na maioria dos Rios do Norte da América do Sul, em uma área de 5 milhões de km².
Boto Vermelho (Inia geoffrensis)
Os machos chegam a atingir 2,55 m e pesar 185 quilos, enquanto as fêmeas 2,15 m e 150 quilos. Diferente de seus parceiros marinhos, possui um corpo robusto; em contrapartida, por não possuir as vértebras cervicais fusionadas, é capaz de movimentar a cabeça em todas as direções, possuindo também uma flexibilidade muito grande que lhe permite manobrar, com facilidade, entre as raízes e galhos dos igapós.
O nascimento, na Amazônia Brasileira, após um período de gestação de aproximadamente 11 meses, ocorre no período da vazante, agosto e setembro, quando há abundância de peixes.
Os filhotes nascem sem dentes, com uma média de 0,9 m e 13 quilos, e são amamentados durante mais de dois anos. O boto é um exímio nadador e sua velocidade de deslocamento normal é de 1,5 a 3,2 km/h chegando, em alguns casos, a atingir de 14 a 22 km/h.
Por mais de uma vez fomos acompanhados por estes animais magníficos e medimos velocidades que variaram de 12 a 15 km/h. O boto é um animal predominantemente solitário, anda aos pares e mais raramente em grupos de mais de dois indivíduos.
Boto Tucuxi (Sotalia fluviatilis)
Com o nome vulgar herdado dos Índios Mayanas (tucuchi-una), o tucuxi é uma miniatura do golfinho-nariz-de-garrafa (tursiops truncatus) com um comprimento médio de 1,46 m e peso médio de 50 quilos. O tucuxi é endêmico da bacia Amazônica e sua distribuição é limitada, ao contrário dos botos, pelas corredeiras de alguns dos principais afluentes do Amazonas, como o Negro (Cachoeira de São Gabriel), o Madeira (Cachoeira Teotônio) e o Xingu (Cachoeira de Belo Monte). O nascimento ocorre após um período de gestação de aproximadamente 10 meses, no período da vazante na Amazônia Central, entre outubro e novembro, e os filhotes nascem com uma média de 0,77 m e 11 quilos.
Rio Madeira
O Rio Madeira, afluente da margem direita do Rio Amazonas, banha os Estados de Rondônia e do Amazonas e tem um comprimento total aproximado de 1.450 km.
Possui uma extensão navegável de 1.056 km entre a sua Foz no Rio Amazonas (AM) e a Cidade de Porto Velho (RO). Tem uma profundidade mínima de 2 metros, principalmente no trecho entre a Cidade de Humaitá (AM) e Porto Velho (RO), e máxima de 20 a 30 metros.
É navegável em toda sua extensão durante todo o ano, com atenção especial na estiagem (agosto a outubro) aos bancos de areias e pedrais, principalmente no trecho entre a Cidade de Humaitá (AM) e Porto Velho (RO). Seu período de enchente vai de março a maio. Nos afluentes do Madeira vive uma subespécie de “boto endêmica” (Inia boliviensis) da Bacia do Madeira a montante das Cachoeiras. Por isso, há preocupação dos biólogos com o projeto dos Sistemas de Transposição de Peixes construídos nas Hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio.
Estes sistemas deveriam continuar impedindo, como antes, que os botos, que vivem a jusante destes obstáculos naturais, pudessem utilizar, agora, estes sistemas para acessar águas de montante, comprometendo todo o ecossistema a montante das Hidrelétricas.
Golfinho Boliviano
Fonte Eco: Giovanny Vera
O golfinho boliviano Inia boliviensis compartilha muitas semelhanças anatômicas com a espécie Inia geoffrensis. À diferença do gênero Sotalia, que são os golfinhos que vivem em ambientes marinhos e de águas continentais, as espécies do gênero Inia vivem estritamente em água doce, por isso apresentam algumas adaptações ao ambiente em que vivem.
Manuel Ruiz Garcia, biólogo espanhol pesquisador de golfinhos na América do Sul, explica que algumas das características notáveis do Inia boliviensis são o tamanho médio da população, que é ligeiramente menor que o tamanho médio dos botos-vermelhos que existem no Peru e no Brasil. Outra diferença é a cor, já que o golfinho boliviano é mais claro, o que para alguns pesquisadores é provavelmente devido à temperatura, transparência da água, atividade física e da localização dos indivíduos.
É um cinza mais escuro que caracteriza as populações de outras localidades. Estes animais são de menor comprimento, mas certas partes do corpo, como o pescoço ou o peito, são mais grossas.
Diz Ruiz García, e continua:
Esses golfinhos bolivianos têm um maior número de dentes e parece que a capacidade craniana é menor do que o encontrado em outras formas de golfinhos de Rio.
Na Bolívia, este golfinho endêmico do país tem sua distribuição nos Rios da Bacia Amazônica, nos Departamentos de Cochabamba, Santa Cruz, Beni e Pando.
Associações
Embora não interajam de forma direta, os grupos se aproximam, em consequência da busca por alimento. Foram observados grupos de tucuxis repelindo botos e, também, um tucuxi adulto brincando com um filhote de boto. Muitas vezes, tucuxis e gaivotas se alimentam na mesma região, embora não haja competição entre eles, já que as gaivotas comem peixes bem menores.
Lenda do Boto
Fonte: Altino Berthier Brasil
Conta a lenda que o boto encontrado nos Rios da Amazônia se transforma em um belo e elegante rapaz durante a noite, quando sai das águas à conquista das moças. Elas não resistem à sua beleza e simpatia e caem de amores por ele. O Boto também é considerado protetor das mulheres pois, quando ocorre algum naufrágio em uma embarcação em que o boto esteja por perto, ele salva a vida delas, empurrando-as para as margens dos Rios. As mulheres são conquistadas pelo boto quando vão tomar banho ou mesmo nas festas realizadas nas Cidades ribeirinhas. Os Botos vão aos bailes e dançam alegremente com elas, que logo se envolvem com seus galanteios e não desconfiam de nada.
Apaixonam-se e engravidam deste rapaz. É por esta razão que ao Boto é atribuída a paternidade de todos os filhos de mães solteiras. Reza a lenda que o boto costuma perseguir as mulheres que viajam pelos Rios e inúmeros Igarapés; às vezes, tenta virar a canoa em que elas se encontram e suas investidas contra a embarcação se acentuam quando percebem que há mulheres menstruadas ou mesmo grávidas. Esse particular é curioso, e devemos observar que, em relação à mulher menstruada, há uma série de alusões e tabus, que realmente servem de vetor para certas atitudes e crenças populares. Algumas pessoas confessaram temer viajar nos pequenos “cascos” ou “montarias”, quando nelas está uma mulher “incomodada”. O boto é o grande encantado dos Rios que, se transformando num guapo rapaz, todo vestido de branco e portando um chapéu ‒ para esconder o furo no alto da cabeça, por onde respira ‒ percorre as Vilas e Povoados ribeirinhos, frequenta as festas e seduz as moças, quase sempre engravidando-as.
Há, inclusive, estórias em que a moça é fecundada durante o sono… Para se livrarem da “influência” do bicho, os caboclos vão buscar ajuda na magia, apelando para os curandeiros e pajés. O primeiro, com suas rezas e benzeduras, exorciza a vítima, e o segundo “chupa” o feto do ventre da infeliz. É esse Don Juan caboclo, o sedutor das matas, o pai de todos os filhos cuja paternidade é “desconhecida”, que deu origem à deliciosa expressão regionalista:
‒ Foi o boto, sinhá! (BRASIL)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 15.12.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
BRASIL, Altino Berthier. Amazônia Legendária ‒ Brasil ‒ Porto Alegre, RS ‒ Editora Posenato Arte & Cultura, 1999.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Pangea ou Pangeia: nome dado ao continente que, segundo a teoria da deriva continental, existiu até 200 milhões de anos, durante a era Mesozoica e que, nessa altura, começou a se fragmentar.
Lago Pebas: há aproximadamente 11 milhões de anos, a Bacia Amazônica estava submersa num grande Lago (Pebas) que tinha saída para o Oceano Pacífico. Com a deriva dos continentes e a consequente elevação da Cordilheira dos Andes, as águas ficaram temporariamente represadas até que passaram a correr para Leste, formando a Bacia Amazônica e o Rio Amazonas desaguando no Oceano Atlântico. A drenagem possibilitou que algumas das terras submersas aflorassem.
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