Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LXXIV

Descendo o Rio Madeira ‒ V  

Humaitá ‒ Manicoré  

Não é um aquífero, que é uma reserva de água sem movimentação. Nós percebemos movimentação de água, ainda que lenta, pelos sedimentos.
(Valiya Mannathal Hamza)

Não conseguimos nenhum tipo de apoio em Humaitá além do prestado pela valorosa Polícia Militar do Estado do Amazonas. Tentamos, em vão, conseguir com os camaradas de infantaria, pernoite gratuito no Hotel de Trânsito da Guarnição, contatamos os irmãos da maçonaria local que da mesma forma não nos estenderam a mão.

Não achamos a Professora Doutoranda Elisabeth Tavares Pimentel. Elizabeth é geofísica, coordenadora do curso de Ciências: Matemática e Física do Instituto de Educação, Agricultura e Meio Ambiente da UFAM de Humaitá, AM.

Sua tese, sobre o Rio Hamza, apresentada no 12° Congresso Internacional da Sociedade Brasileira de Geofísica, no Rio de Janeiro, orientada pelo Doutor Valiya Mannathal Hamza, aponta para a existência de um Rio subterrâneo correndo sob o Rio Amazonas, desde os Andes até o Oceano Atlântico, a uma profundidade que pode chegar aos 4 mil metros de profundidade.

Teria sido um encontro bastante interessante, mas infelizmente, após as diligências realizadas, gentilmente, pelo Tenente Daniel S. Melo da Polícia Militar descobriu-se que ela se encontrava na Cidade do Rio de Janeiro e que sua residência, em Humaitá, fora assaltada. A diligência que tinha como objetivo agendar uma entrevista com a pesquisadora evoluiu para uma ocorrência policial. Não desistimos, porém, e deixamos com o Tenente Daniel S. Melo nosso contato caso ela venha a nos conceder uma entrevista virtual.

Novamente minha rota se entrelaça com a do amigo José Holanda, de Itacoatiara, AM. No Porto do Caçote, ancorado no Flutuante Vovó Abigail, se encontrava sua lancha “Rosa Holanda” e sua simpática tripulação, Comandante Elizeu dos Santos Gonçalves, Marinheiro Fluvial de Convés (MFC) e o maquinista Khryslley Márcio Fonseca de Souza, Marinheiro Fluvial de Máquinas (MFM). Márcio mostrou a mangueira que deixara vazar aproximadamente 600 litros de combustível na viagem de Santarém (20.12.2011) para Humaitá (22.12.2011) em que conduziam Soldados do 8° Batalhão de Engenharia de Construção (8° BEC).

Aproveitei a segunda e terça-feira para colocar em dia o material coletado em Porto Velho, conhecer a Cidade e adquirir fontes de consulta de escritores locais.

E-Mail  

O Grande Arquiteto do Universo resolveu, através de verdadeiros maçons, me animar um pouco. A falta de apoio, a frustração dos objetivos propostos para esta etapa da viagem e a saúde abalada por um forte resfriado, resultado de navegação contínua de quase seis horas debaixo de chuva, foram amenizados pelas gentis palavras de um Irmão encaminhadas pelo mano Carlos Afonso Urnau Athanasio.

Tenho recebido as contadas caminhadas do Coronel Hiram Reis e Silva. É um braço heroico deste desprezado Brasil de todos nós e que poucos, muito poucos, com artifícios ou por distração ou mesmo por incompetência nossa e esperteza deles, se adonaram desta bendita terra de Santa Cruz. Precisamos de homens valorosos como este Coronel Hiram, para defender cada palmo desta Terra Santa, que nos foi legada, porque este país, no dizer psicográfico de Chico Xavier, será, sem dúvida, o Coração do Mundo, o Berço da Paz e a Pátria do Universo.

Que assim seja.

Partida para Manicoré, AM 

É muito melhor arriscar coisas grandiosas, alcançar triunfos e glórias, mesmo expondo-se à derrota, do que formar fila com os pobres de espírito, que nem gozam muito, nem sofrem muito, porque vivem nessa penumbra cinzenta
que não conhece vitória nem derrota.
(Theodore Roosevelt)

Nossa estada em Humaitá não podia ter sido mais decepcionante. Foi compensada, porém, pelo empenho da tripulação do Piquiatuba e de nossos novos amigos Khryslley Márcio Fonseca de Souza e Elizeu dos Santos Gonçalves, funcionários do grande Mestre José Holanda, que procuraram torná-la o mais agradável e produtiva possível. O irreverente Márcio apelidou meu filho de “Alto Relevo”, em virtude das tatuagens “Maori” que ele orgulhosamente ostenta no braço esquerdo.

Partida de Humaitá, RO (28.12.2011)  

A jornada programada até Manicoré previa sete dias de viagem numa média de cinquenta e cinco quilômetros por dia. Conversei com meu filho e acordamos tentar remar sessenta e quatro quilômetros diariamente, o que permitiria alcançar nosso objetivo em apenas seis dias; para isso teríamos de iniciar os deslocamentos antes de o Sol nascer, de maneira a fugir da canícula vespertina.

Acordamos às 04h30, preparamos a tralha, coloquei minha lanterna de cabeça e partimos às 04h40. Cometi um erro fatal ao tentar passar entre o segundo e o terceiro flutuante do Porto Hidroviário de Humaitá: percebi, muito tarde, um grande tronco barrando nossa rota, apoiado no segundo flutuador. A proa bateu no obstáculo e girou o caiaque, deixando-me preso entre correnteza e o tronco. Não consegui avisar, a tempo, meu filho, que vinha logo atrás, e o caiaque dele, sem a mesma estabilidade do formidável “Cabo Horn” da Opium Fiberglass, girou, da mesma forma, e virou. Felizmente o reflexo do “surfista” falou mais alto e ele rapidamente saiu do caiaque e se apoiou nos troncos, tentando segurar o “indomável”, o caiaque cedido pelo mestre Holanda. Perguntei se ele estava bem e mandei que largasse o caiaque que eu o levaria até a margem. Felizmente apenas pequenas contusões resultaram do choque dele com os troncos submersos. Começara mal nossa marcha para Manicoré. Ainda deu tempo de salvar o quite que flutuava à mercê da corrente, este quite consta de um protetor solar (FPS 50), Salonpas para dores musculares, Andolba para pequenos cortes, repelente de insetos e cápsulas de guaraná.

Estava conduzindo, com certa dificuldade, o caiaque do João Paulo para a margem quando apareceram nossos anjos da guarda: o Soldado Mário Elder G. Marinho, do Piquiatuba, e o Márcio, da lancha Rosa Holanda, com uma “voadeira” para nos auxiliar. O Márcio ficara observando, do Porto do Caçote, nossa progressão e alertou a tripulação do Piquiatuba que desencadeou imediatamente uma operação de salvamento do “Alto Relevo” que caíra n’água. Encontraram o João Paulo se equilibrando nos troncos e ele lhes informou que estava bem e que eles me auxiliassem no resgate do caiaque.

O João Paulo escalou, por um dos cabos de aço da ponte e veio até nós visivelmente aborrecido, não era para menos. O mais triste, porém, é que todos estes acontecimentos foram presenciados por dezenas de pessoas que aguardavam embarque no Porto Hidroviário de Humaitá e apenas uma delas, o vigia, se apresentou tentando nos ajudar. Já naveguei quase 4.000 km em águas amazônicas e sempre fui recebido com solidariedade e carinho em todas as comunidades pelas quais passei e pude sentir o coração generoso do nortista sempre pronto a estender a mão ao próximo. Humaitá foi, sem dúvida, uma triste e melancólica exceção à regra. O João Paulo não se abalou e remou como nunca, demonstrando a determinação e a têmpera e a determinação de um verdadeiro Guerreiro Maori.

Fizemos a primeira parada na Fazenda Santa Rosa que ostentava uma polêmica placa de exploração sustentável de madeira. A devastação da mata, sem qualquer tipo de critério científico, e o gado que perambula pelo local, mostra que o Projeto não tem nada de sustentável.

O Piquiatuba se aproximou para que pudéssemos drenar, adequadamente, o caiaque do João Paulo e providenciar um encosto para suas costas, que se perdera, também, no acidente. Estávamos envolvidos nesta operação quando se aproximaram dois esqueléticos e famélicos vira-latas. Eu e o meu filho dividimos o nosso estoque de bananas com eles e os animais devoraram nosso suprimento com casca e tudo. O Soldado Walter Vieira Lopes se compadeceu da drástica situação em que se encontravam os animais e resolveu, ali mesmo, adotar um deles enquanto o Soldado Marçal Washington Barbosa Santos foi até a cozinha trazer um considerável reforço de rancho para o outro animal.

O novo membro da tripulação foi batizado de “Coxinha” e, no final do dia, já estava de banho tomado e totalmente integrado ao Grupo Fluvial do 8° BEC. Mais uma demonstração do grau de solidariedade e humanidade desta fantástica tripulação que tive a honra e o privilégio de conhecer no ano passado e que servem de exemplo a todos não só no que se refere ao incontestável aspecto profissional, mas, sobretudo, em relação ao espírito cristão. Depois de mais de duas horas remando, sem avistar uma Praia para aportar, alterei a rota e resolvi fazer a segunda parada, na margem esquerda, na altura da Lagoa Três Casas. A mudança de rota trouxe-nos uma agradável surpresa: estávamos partindo quando avistamos um canoísta que subia o Rio. Era o sueco Christian Bodegren que, em setembro de 2001, subira o Rio Orenoco, penetrara o Canal Cassiquiare, descera o Negro, o Amazonas até a Foz do Madeira e pretendia navegar até o Guaporé, conduzir o caiaque até o Paraguai e chegar a Buenos Aires.

O João Paulo conversou em inglês com o simpático canoísta estrangeiro, informando que ele poderia deixar seu caiaque no Porto Graneleiro da Hermasa em Porto Velho e que, nessa Cidade ele deveria procurar o Comandante do 5° Batalhão de Engenharia de Construção (5° BEC), Tenente-Coronel da Arma de Engenharia Moacir Rangel Junior que, certamente, iria apoiá-lo no que fosse possível. Antes de nos despedir do Christian, dei a ele meu repelente de insetos e um tubo de cápsulas de guaraná.

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 08.12.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].