Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LXXI

Sgt Áureo ‒ Diário da Amazônia, 18.07.2018

Descendo o Rio Madeira ‒ II 

Sargento Áureo 

Canção do 5° BEC

(Lauro Augusto Andrade Pastor Almeida)

Ecoam no céu

Mil estrondos sem par

Na terra, no ar

Vê-se o progresso abrir seus véus

E a estrada avançando vai

A selva desbravando até o fim […]

 

E rugem motores

No solo a rasgar,

Enormes tratores

Removem a terra sem parar

E a estrada cresce num olhar

Trazendo a Amazônia ao Brasil. […]

 

E juntos iremos

Na nossa missão

Civis e Soldados

Mostrando a força da união

E a pátria agradecida vai

A todo esse trabalho enaltecer,

É o Quinto que vai

Se Sem temor, sem parar…

Hurra!

Parque Memorial Madeira Mamoré, P. Velho

5° BEC – Batalhão Cel Carlos Aloysio Weber 

Fonte:www.5becnst.eb.mil.br. 

Foi criado pelo Decreto N° 56.629, de 30.07.1965, com sede em Porto Velho-RO, pela extinção do Batalhão de Serviços de Engenharia, de Campina Grande, PB, e da Comissão de Estradas de Rodagem N° 5 (CER/5), de Cuiabá, MT.

Instalou-se em dezembro de 1965 no Parque-depósito Central de Material de Engenharia, Triagem, GB.

Deslocou-se para Porto Velho, onde se instalou definitivamente em 20.02.1966, recebendo os acervos do Batalhão de Serviços e da CER/5, ambos extintos.

Em Porto Velho, ficou com a Cia Cmdo e a Cia Eqp Eng, instalando suas Cia E Cnst, respectivamente: 1ª Cia em Rondônia, 2ª Cia em Abunã e 3ª Cia em Rio Branco, AC. Instalou, também, residências Especiais em Cuiabá-MT e Parecis, MT.

Em 26.09.1966, recebeu os encargos administrativos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que a RFFSA passou para a Diretoria de Vias de Transportes. Instalado em Rondônia desde 1966, o 5° B E Cnst, pioneiro da Engenharia do Exército na Amazônia, já implantou mais de 1.600 km de rodovias federais em revestimento primário. Dentre o acervo de suas realizações, figura a consolidação da ligação Porto Velho-Cuiabá, através da construção da BR-364.

Atualmente desenvolve, através de convênios com órgãos federais, estaduais e municipais, diversas Obras de capital importância para o desenvolvimento e manutenção do progresso na Amazônia.

Parque Memorial Madeira Mamoré, P. Velho

Sargento Áureo – Um Pioneiro 

Eu e meu filho João Paulo nos deslocamos até a residência do Sgt Áureo, um dos pioneiros do 5° BEC, para uma rápida entrevista. O portão de sua casa ostenta a bandeira nacional e no jardim um mastro onde são hasteados diariamente, com a participação dos familiares, os pavilhões do Brasil e de Rondônia.

O Áureo nos recebeu, impecavelmente fardado, e contou sua história de vida e alguns casos hilários de sua passagem pela Força Terrestre, que reproduziremos em parte:

Meu Coronel, com sua permissão, meu Coronel!

Nasci em Cruzeiro, SP, onde, nos 7 de setembro, o 5° Batalhão de Infantaria – Regimento Itororó, da Cidade de Lorena, SP, desfilava. Assistindo aos desfiles, fui sendo contagiado pelo entusiasmo e vibração dos Soldados do nosso Exército Brasileiro.

Mais tarde, minha família mudou-se de Cruzeiro para Lorena. Nesta Cidade, tive a oportunidade de me aproximar do Batalhão. Todos os dias, por volta das onze horas, eu ia até o Quartel onde companheiros mais velhos já estavam servindo. Passei então a ser um “boca de rancho”, almoçava com os militares e depois da refeição ajudava lavando as panelas.

Quando chegou minha idade de servir, eu já conhecia todos os oficiais do Batalhão. Foram eles que, gostando do meu trabalho, me incentivaram a servir no então 5° Regimento. Fiz meu alistamento, inspeção de saúde e me saí muito bem; naquela época eu já praticava artes marciais.

Alistado, fui destacado para a Companhia de Petrecho Pesado e destacado para o rancho da Organização Militar, meu velho conhecido, e volta e meia executava algum trabalho na residência dos oficiais até ficar, definitivamente, à disposição do General Ernani Moreira de Castro e responsável pelo Salão Nobre do Regimento.

Um dia, o General Túlio me chamou e disse que, infelizmente, meu tempo de serviço estava terminando, na época nove anos, e que, para eu permanecer na Força precisava ser transferido para o 5° BEC, comandado pelo Coronel Carlos Aloysio Weber, onde eu teria o privilégio de participar efetivamente do desenvolvimento da Amazônia. O General Túlio redigiu uma Carta de apresentação para ser entregue ao Coronel Weber e, na minha despedida, determinou que eu me dirigisse à tropa formada pelos meus pares e subordinados:

–  Meus Cabos e Soldados! O exército é um só – “um por todos e todos por um”. Cheguei à minha graduação de Cabo graças ao empenho dos senhores que permitiram que eu levasse a bom termo todas as minhas missões e à sábia orientação de meus superiores. […]

Logo em seguida, o Comandante me entregou uma placa de bronze do 5° RI e determinou que eu desse meu último comando e me despedisse.

–  Atenção a Companhia, Companhia Sentido! […]

–  Atenção a Companhia, em continência à sua Excelência, General Ernani, Apresentar Armas!

–  Com licença, Excelência, sinto-me honrado e satisfeito de apresentar-me a Vossa Excelência, meu Comandante do 5° RI, Lorena, com muito entusiasmo e vibração.

–  Cabo 149 Áureo, Cabo de Ordens a Vossa Excelência, peço permissão para retirar-me e dar-lhe um último abraço, já que estou indo para Porto Velho, RO, trabalhar no desenvolvimento da Amazônia. […]

Preparei meu material e embarquei em um Búfalo da Força Aérea Brasileira, com escala no Rio de Janeiro e depois direto para Cuiabá. Lá apresentei a tropa ao Coronel Weber, e conheci o Coronel Aquino, Major Tibério e o Capitão Pastor.

Áureo acompanhou o Coronel Weber na camionete veraneio, sempre à frente do comboio. O primeiro grande obstáculo que encontraram, depois de três dias, foi nos areais de Vilhena onde foi necessário construir pinguelas para poder continuar a jornada. Em Barracão Queimado, os bueiros construídos precariamente com tambores de combustível tinham sido levados pelas águas das chuvas. Em alguns lugares, foi necessário improvisar balsas para a transposição de cursos d’água, a chamada estrada era apenas um precário e improvisado caminho de serviço. Depois de uma odisseia de 21 dias, o 5° BEC, finalmente chegou a Porto Velho. Logo após a chegada, o Coronel Weber e o Major Tibério, Chefe da Seção Técnica, partiram para uma missão de reconhecimento mais acurada da BR-364, acompanhados pelo Cabo Áureo.

Praça Caixas D’água, Porto Velho

Sargento Áureo e a Onça do Comandante 

O Coronel Weber conseguiu uma onça e determinou que eu tomasse conta dela. Eu ia até o rancho e conseguia um pedaço de fígado ou de rim e alimentava o animal. Depois de dois meses, a onça já me conhecia e permitia que eu entrasse na sua jaula sem problemas.

Seis meses depois de capturada, no mês de agosto, entrei na gaiola e a onça estava meio alvorotada; quando coloquei a comida, ela levantou a pata rosnando e eu resolvi sair devagarzinho, olhando nos olhos dela e conversando com a bichana, sem virar as costas, rumo ao portão. Se eu virasse, ela certamente me atacaria. Quando cheguei ao portão, para sair, ela deu o bote. Como faço karatê, meu Coronel, dei um golpe no pescoço dela e a onça caiu dura e ficou estremecendo no chão. Chamei o Tenente veterinário e contei a ele o que havia acontecido, dizendo que tinha dado uma batidinha no pescoço dela.

–  Uma batidinha?

–  Sim, senhor.

O veterinário examinou cuidadosamente o animal e disse que ela estava com uma vértebra quebrada, além de hemorragia interna. Fiquei alarmado, seria expulso do Quartel, era para tomar conta da onça e acabei matando o bicho. Procurei o Coronel Weber para explicar o acontecido.

–  Cabo Áureo, quer dizer que não teve jeito.

–  Meu Comandante, infelizmente eu peço o seu perdão. A onça veio para cima de mim e eu, ao me defender, bati com a mão no pescoço dela.

–  Não tem importância, vamos partir para outra.

Ponte BR 319, Porto Velho

Sargento Áureo e o 5° que vai 

No Batalhão, tinha um Soldado grande, forte, negro que nem carvão, no escuro só apareciam os dentes. Um dia, ele passou na frente da “Casa da Anita”, onde as mulheres eram todas de fora, gringas de pele clara e olhos azuis, e entrou.

O estabelecimento tinha umas mesas compridas colocadas uma ao lado da outra e o Negro avistou uma gringa solitária que deveria estar esperando um parceiro e sentou-se do lado dela. A mulher olhou para aquele negro enorme e perguntou o que ele queria ao que ele respondeu que queria ficar com ela, e a mulher, enraivecida, disse:

–  O que, seu chiclete de onça?

Ele deu-lhe um tapa no rosto e os outros frequentadores botaram-no para fora. Depois de o identificarem como praça do 5° BEC, chamaram a patrulha que era comandada por mim. Cheguei logo em seguida, atirei o Soldado na caçamba, e perguntei:

–  O que é que houve?

–  É que eu dei uma paradinha na Anita para fazer um amor e se deu a confusão.

Duas semanas depois ele voltou à Casa e disse ao entrar:

–  Eu estou aqui novamente, mas hoje eu não quero ficar não.

–  Hoje é o 5° que vai.

Entrou chutando as mesas e as cadeiras e dando porrada em todo mundo que encontrava no caminho enquanto as mulheres, em pânico, o xingavam. Chegando ao fundo da sala, ele voltou dizendo:

–  Agora é o 5° que vem.

E voltou chutando e batendo como o fizera na entrada.

Tribunal de Justiça, Porto Velho

Sargento Áureo e as Três Marias 

Eu estava plantando grama nos canteiros do Pavilhão de Comando do Quartel do 5° BEC. Uma equipe de vinte homens retirava grama e outra, com mesmo efetivo, plantava. Carregava a grama e despejava, de caçamba, no Batalhão para a equipe encarregada de plantar, quando comecei a notar que o serviço de plantio não estava rendendo. Um dos guerreiros encarregados do plantio se aproximou e explicou:

–  Cabo, quando o senhor volta para pegar mais grama, os Soldados pulam a cerca da Vila Tupi, onde tem um mato maior, para se encontrarem com a Maria Batalhão, Maria Regimento e Maria Mela Cocha e ficam na maior festa, beija daqui, encosta dali.

Sabendo o que estava acontecendo, joguei a grama para os plantadores e fingi que ia trazer mais uma carrada, que, em média, demorava quase meia hora. Voltei antes e peguei a soldadesca no flagrante.

–  Opa! Alto lá! Sentido! Então, eu trabalhando duro, e vocês Soldados e as senhoras aí na maior sacanagem! Não é possível! As senhoras têm de entender que o meu pessoal está trabalhando. Eu tenho uma missão a cumprir, não compliquem minha vida. O sentido da coisa é o seguinte: as senhoras querem “foder”, não querem? Então, vamos fazer o seguinte: Todas as três para a boleia ([1]) da caçamba.

–  Ai Cabo, o senhor “” nervoso.

–  Mas eu tenho que estar, eu saio para trabalhar e vocês ficam atrapalhando meu serviço. Atenção equipe de plantio: – equipe, embarcar!

Embarcaram os vinte Soldados na carroceria e dirigi até a granja do Batalhão onde tem um mato grande.

–  Ai Cabo, para onde o senhor vai nos levar.

–  Não se preocupem, vocês vão para o Hotel das Estrelas!

Ao chegar, determinei que as senhoras desembarcassem, ocupassem posições estratégicas e se posicionassem adequadamente para o ato. Dirigi-me aos Soldados embarcados e comandei:

–  Ordem ao grupamento: desembarcar! Coluna por três, cobrir!

–  Atenção: as senhoras permaneçam na posição correta, por favor. Os Soldados vão dar uma “trepadinha” com as senhoras. Atenção: quem vai com a loura, aqui; quem vai com a morena, coluna ali; e quem vai com a morena mais escura, acolá.

–  Ordem ao grupamento: retirar o calção! Atenção: preparar a “bicuda”! Ordem ao grupamento: começar!

Depois da primeira investida os soldados perguntaram:

–  Cabo: quem foi com a morena pode ir com a loura; quem foi com a loura pode ir com a morena mais escura, e quem foi com a morena…

–  Atenção outra coluna: revezamento!

O pior meu Coronel é que a noite as três estavam a postos para mais uma jornada de trabalho.

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 03.12.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem. 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]    Boleia: cabine.