Segundo a organização, que representa 14 entidades governamentais, não-governamentais e indígenas, a lei que instituiu o Zoneamento Ecológico-Econômico na Amazônia maranhense foi aprovada em maio deste ano, durante a pandemia de Covid-19, sem discussão sobre o conteúdo do projeto final com a sociedade.

Mapa com sugestões de melhorias para o ZEE da Amazônia maranhense. Fonte: REBIO Gurupi/ICMBio

Agência Museu Goeldi – O Mosaico Gurupi protocolou junto ao Conselho de Meio Ambiente do Estado do Maranhão (Consema) um ofício de questionamento à Lei Estadual nº 11269, que aprovou o Zoneamento Ecológico- Econômico (ZEE) da Amazônia maranhense. Encaminhado também aos ministérios públicos Federal e Estadual, o documento enfatiza aspectos do ZEE que precisam ser revisados para que ele cumpra adequadamente os objetivos de sua criação.

O projeto de lei que institucionaliza o ZEE foi enviado à Assembleia Legislativa do Maranhão em abril e aprovado no dia 28 de maio deste ano, em meio à pandemia de Covid-19.

Fórum composto por 14 entidades governamentais, não-governamentais, representações indígenas e de comunidades tradicionais, o Mosaico Gurupi também aponta que, apesar da realização de discussões na etapa de formulação dos diagnósticos, o projeto final de ZEE não foi adequadamente submetido à apreciação pública.

“Nossa manifestação oficial se deu no intuito de mais uma vez tentar colaborar com o aprimoramento de alguns pontos do ZEE, de modo que possamos construir uma agenda efetiva de conservação e restauração dos meios naturais no Maranhão amazônico e, consequentemente, darmos atenção e valorização real aos modos de vida de povos indígenas e comunidades tradicionais diretamente vinculados a esses meios”, explica João Guilherme Cruz, do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), organização que atualmente ocupa a Secretaria Executiva do Mosaico.

Segundo ele, as sugestões elencadas pelos representantes do Mosaico Gurupi trazem perspectivas reais e eficientes para o aprimorar o zoneamento da Amazônia maranhense. “Reafirmamos que o processo de consulta sobre o ZEE Amazônia apresentou lacunas relevantes, que impossibilitaram uma apropriação adequada dos povos indígenas sobre a questão. Tendo em vista que já está em curso a continuidade de elaboração do ZEE, agora nos biomas costeiros e no Cerrado, é de suma importância que o Estado aprimore suas metodologias de debate público, de modo que povos indígenas e comunidades tradicionais possam participar e contribuir ativamente, conforme preconiza a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário”, completa.

Questionamentos – Os principais questionamentos feitos pelo conjunto de organizações dizem respeito, principalmente, à indefinição das formas de conservação das áreas de cobertura florestal original.

Segundo o Código Florestal Brasileiro, 80% da vegetação contida nas propriedades rurais da região amazônica devem ser preservadas, sob a forma de reserva legal. Apesar da prerrogativa de redução desse percentual para 50% em áreas rurais consolidadas, essa diminuição seria inadequada para a maior parte das zonas definidas no ZEE.

A justificativa para manter os 80% de proteção é que, no Maranhão, os diagnósticos revelam que restam apenas 25% da área de vegetação original do bioma amazônico, com o restante convertido em terra para pastos, agricultura e silvicultura. O passivo de restauração de florestas do estado varia entre 20 a 90%.

A ecóloga Marlúcia Martins, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), organização integrante do Mosaico do Gurupi, aponta que há também uma falta de orientação acerca das formas de proteção da vegetação secundária e aproveitamento do seu potencial na restauração desse passivo florestal do estado.

Outro problema, segundo ela, é a ausência de reconhecimento do Corredor Ecológico da Amazônia Maranhense no ZEE. A criação desse corredor foi reivindicada pelo Mosaico em nota técnica encaminhada ao Consema no decorrer das audiências públicas realizadas durante o planejamento do ZEE.

Corredor etnoambiental – Desde a sua criação, em 2014, o Mosaico do Gurupi desenvolve ações integradas para a conservação da Reserva Biológica (Rebio) Gurupi e as Terras Indígenas (T.I) Awá, Carú, Alto Turiaçu, Rio Pindaré, Araribóia e Alto Rio Guamá.

As florestas compreendidas por todo o território do Mosaico Gurupi abrigam 46 espécies de aves e mamíferos de especial interesse para conservação, incluindo espécies ameaçadas de extinção e endêmicas.

Como recomendação, o Mosaico Gurupi reitera a proposta de criação de um Corredor Etnoambiental, não incorporada no projeto final do ZEE. O propósito do corredor é restabelecer a conectividade entre os grandes fragmentos de floresta amazônica que se distribuem entre a Rebio Gurupi e as terras indígenas que o compõem.

“O estabelecimento desse corredor é essencial para a conservação da rica biodiversidade da Amazônia Maranhense e, em particular neste caso, é a solução encontrada para a conservação da onça pintada, conforme análise de modelagem”, aponta o texto enviado ao Consema, órgão consultivo para as políticas de meio ambiente do estado.

“Os corredores têm papel ecológico reconhecidamente fundamental por possibilitar o fluxo de animais/plantas/genes entre fragmentos de áreas naturais; ou seja, por estabelecer a conectividade da paisagem”, explica.

Além dos aspectos ecológicos e socioambientais, afirma o documento, a proposta de um corredor também tem o objetivo de potencializar a reconexão dos povos indígenas das T.I Awá, Carú, Alto Turiaçu, Rio Pindaré, Araribóia e Alto Rio Guamá, especialmente os Awá-Guajá, povo de recém contato com a sociedade envolvente, com parte da população disposta em aldeamentos nas Terras Indígenas Caru, Awá e Alto Turiaçu.

O corredor também deve assegurar a proteção de grupos indígenas isolados, cuja vida é baseada na caça e na coleta, nas Terras Indígenas Caru, Alto Turiaçu e Araribóia,

“E é com grande senso de responsabilidade que as diferentes etnias que compõem o Mosaico, buscam a proteção dos ‘parentes’ isolados. Os guerreiros e guerreiras da floresta vem desenvolvendo um grande trabalho de vigilância de seus territórios para a proteção da floresta e de seus povos, se constituindo nos maiores protagonistas da região no que se refere à conservação dos ecossistemas e da manutenção de suas florestas em pé”, reforça o ofício.

Corredor etnoambiental protegerá espécies ameaçadas de extinção, como a onça pintada. Fonte: REBIO Gurupi/ICMBio

Mudanças na lei – Para ser efetivada, no entanto, essa proposta deve ser feita a partir de uma revisão ou complementação do projeto de lei do ZEE.

Na prática, a formação desse corredor deve envolver um programa de restauração e proteção da vegetação secundária, em consonância com a regulação ambiental das propriedades rurais da região. Ao invés dos 50% previstos pela lei do ZEE, essa regulação dentro do corredor precisa incorporar um percentual de proteção de 80% de reserva legal, conforme previsto pelo Código Florestal Brasileiro e, com base nesse percentual, efetuar a recuperação dos passivos.

Para o desenvolvimento socioeconômico da região, o documento sugere o incentivo às atividades que façam parte da vocação da população local, convergindo com a qualidade ambiental e a restauração de paisagens, fundamentais para a formação do corredor.

Entre essas atividades se destacam o manejo e o extrativismo florestal, a agricultura orgânica, o cultivo de agroflorestas e a restauração florestal.

PUBLICADO EM:    MUSEU GOELDI