País que mais desmata suas florestas atualmente, o Brasil tem condições tecnológicas e legislação capaz de garantir a preservação de seus recursos naturais sem prejudicar a produção agropecuária.
Essa foi a tônica do debate realizado nesta quinta-feira (17) em Plenário, numa sessão temática que reuniu especialistas para discutir a situação da Amazônia. Para eles, a agricultura não depende de mais desmatamento. Além disso, é preciso investir em ações de prevenção, fiscalização e de combate a atividades ilegais como garimpo e grilagem de terras. Assim será possível reverter o quadro das últimas décadas, nas quais o Brasil derrubou mais de 30 milhões de hectares de cobertura vegetal nativa, quatro vezes mais que Argentina, Paraguai, Bolívia, Indonésia e Rússia.
Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil (Inpe) no período de 2005 a 2012, Gilberto Câmara frisou que não há qualquer viés político nos dados relacionados ao monitoramento do desmatamento monitorado por satélite, cujas ações contam com a credibilidade da comunidade científica internacional. Câmara explicou que o Brasil utiliza tecnologia nacional para monitoramento do meio ambiente. Desde 1988 o Inpe trabalha com dois sistemas que dão a taxa anual de desmatamento, analisam cada pedaço da floresta e comparam com a medida do ano anterior. De agosto de 2019 a julho de 2020 foram 11 mil quilômetros quadrados de desmatamento por corte raso. Os dados oscilam desde 1988, mas há crescimento do desmatamento.
— Sabemos ainda que 50% da vegetação nativa foi removida no Cerrado, que conta com leis de proteção diferentes daquelas que se aplicam na Região Amazônica. Não encontramos relação entre crescimento do agricultura e desmatamento. O sistema é operacional e funciona todos os dias usando um satélite sino-brasileiro. Os dados são enviados aos órgãos ambientais e, quanto mais cedo for feita a ação, menos haverá ações ilegais na Amazônia. Aprendemos, nos últimos 32 anos, que a transparência garante a governabilidade. Nunca vi nos contatos internacionais qualquer movimento de internacionalização da Amazônia. Pelo contrário, todos os interlocutores dizem que o Brasil tem capacidade de monitorar a Amazônia pelos seus próprios meios. O rigor científico do Inpe independe do governo, de indicações políticas e permite política ambiental de qualidade. O Inpe não faz política pública ambiental, ele dá elementos científicos de qualidade, respeitados no mundo inteiro — afirmou.
Mitos x Fatos
Coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais e professor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Raoni Rajão salientou que é preciso “separar os mitos dos fatos” quanto à relação do agronegócio com o meio ambiente. Ele destacou que somente 9,9% do território brasileiro está sob proteção integral, e que 60% do país conta com cobertura vegetal, distribuída de forma desigual.
— Temos potencial enorme de gerar riqueza (…) e, com isso, mais do que dobrar o valor para a nossa agricultura, somente com áreas já disponíveis. E foi justamente isso que aconteceu. No período em que houve a maior queda do desmatamento na Amazônia, houve maior aumento do PIB agropecuário da região. O que gera riqueza é tecnologia, plantio direto, seleções genéticas das lavouras e do gado.
Rajão disse ainda que, dos imóveis que desmataram ilegalmente, somente 15% desmataram na Amazônia e 20% no Cerrado.
— Então, não é a maioria dos produtores que está desmatando e não é a maioria dos produtores que está ilegal. Inclusive 2% dos imóveis da Amazônia e no Cerrado somam 62% da área desmatada ilegalmente. Essas são as maçãs podres, são essas as pessoas que infelizmente estão trazendo o mau nome e prejudicando o agronegócio, não só comercialmente, mas gerando problemas climáticos que já estão sendo observados em algumas regiões do Brasil por causa do desmatamento gerado ali — afirmou.
Ação integrada
Secretário de Biodiversidade e Florestas no período de 2003 a 2008 e ex-coordenador do Plano de Ação Para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco disse que o Brasil tem capacidade de geração de dados que causa inveja em países desenvolvidos, e que a melhor forma de lidar com essas informações é utilizá-las para reverter o crescimento do desmatamento.
— O Brasil tem sido o campeão mundial no desmatamento nas últimas três décadas, e o país continua liderando o desmatamento, com quase 24% — afirmou.
Capobianco destacou diversas ações adotadas a partir de 2004, como o lançamento de um plano de ação para prevenção de desmatamento, que reduziu a fraude na apropriação de terras públicas e a derrubada da vegetação. A partir de 2007, essas ações foram fortalecidas, com a adoção de obrigatoriedade da comprovação de regularização ambiental para obtenção de credito rural, entre outras medidas.
O ex-secretário de Biodiversidade e Florestas destacou que o Brasil mostrou enorme capacidade de fazer frente ao desmatamento e que era capaz de estabelecer sistema de ação integrada do governo federal, estaduais e produtores. A redução do desmatamento não comprometeu a atividade econômica na região, observou. A correlação entre produção agropecuária e desmatamento deixou de existir.
— O desmatamento não é necessário para aumentar a produção e garantir a economia, ele é resultado da grilagem e da ocupação predatória da floresta com outros fins, que não a produção. A partir de 2015 para cá houve mudança no cenário do desmatamento. Esse é o momento de colocarmos freio nisso com apoio de todos e do Legislativo, para convencer o poder público a reativar o plano de controle de desmatamento e colocar políticas que deram certo — afirmou.
Grilagem
Diretora de Ciências do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar destacou que metade do fogo na Amazônia, nos anos de 2019 e 2020, concentrou-se em terras públicas, terras indígenas, florestas públicas não destinadas ou glebas privadas não definidas.
— Houve um salto muito grande nas áreas desmatadas dentro de florestas públicas não destinadas, o que indica grilagem pura, ilegalidade pura. Um pequeno número de terras indígenas detém a maior parte do desmatamento. Elas sofrem com o garimpo ilegal, a exploração madeireira ilegal. O Brasil sabe onde está acontecendo o desmatamento, são casos localizados e a gente precisa demostrar ao mundo que vai combater isso. Isso vai recolocar o Brasil em outro patamar de discussão. Negar o problema não vai ajudar. A gente sabe resolver. Já resolveu antes. Temos tecnologia e arcabouço constitucional para resolver isso — afirmou.
Focos de calor
Pesquisadora na Universidade Federal do Amazonas e doutora em Bioenergia, Eyde Bonatto avaliou que as ações governamentais têm de estar integradas para que a legislação ambiental em vigor venha a ser devidamente cumprida. Entre os vetores de desmatamento ela citou a região metropolitana de Manaus, em razão da especulação imobiliária e da produção agropecuária. Ela disse que o maior foco do desmatamento ocorre na região sul do Amazonas, devido à extração de madeira, conversão de áreas em pastagens e queima da floresta para cultivos anuais.
As áreas de desmatamento atingem sobretudo projetos de assentamento, glebas federais e áreas particulares, esta última com 14% dos focos. Os menores focos ocorreram em 2011 e os maiores, em 2015.
— O produtor não pode ser colocado como grileiro. O produtor rural que usa a terra para se alimentar não pode ser comparado com o grileiro, que comete atos ilícitos com a terra. Na medida que temos a regularização fundiária, temos como identificar quem de fato está cometendo o ato ilícito na propriedade e aplicar a multa — afirmou.
Regularização fundiária
Assessor da presidência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Carlos Eduardo Sturm disse que a regularização fundiária favorece o combate ao desmatamento. Ele afirmou que a falta de títulos dificulta o acesso ao sistema financeiro, ao crédito rural e às tecnologias desenvolvidas por órgãos como a Embrapa. Ele observou que a regularização fundiária é regida pela Lei 11.952, de 2009, enquanto a titulação de lotes de assentamentos da reforma agrária é regida pela Lei 8.629, de 1993.
— Essas políticas se complementam, mas são de execução paralela. De 1970 a 1985, houve um processo de colonização muito forte na Amazônia, com a realização de obras e incentivo à imigração para ocupação da região. A partir de 1985, destacou-se a política de reforma agrária. A política de destinação de terras públicas tem 3.537 assentamentos no plano nacional de reforma agrária, com mais de 750 mil famílias, 581 áreas e 31 milhões de hectares. A regularização fundiária na Amazônia vai ser feita em glebas públicas federais sem destinação de uso. Cerca de 25 milhões de hectares deverão ser regularizados pelo Incra, o equivalente a 5% do território da Amazônia Legal. Ou 1%, se considerada a área de reserva legal de 80% na região. Nem tudo vai virar título. Umas áreas vão ser regularizadas e outra áreas serão tituladas — declarou Sturm.
Tecnologia
Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, Alfredo Homma disse que é preciso acabar com o desnível tecnológico que caracteriza a Amazônia. Ele ressaltou que 750 mil pequenos produtores da Amazônia precisam de modernização, por meio da oferta de novas tecnologias, barateamento do calcário e mecanização agrícola, entre outras medidas.
— Existe um tremendo desnivelamento tecnológico. É preciso dar atenção aos cultivos perenes na Amazônia, como o cacau, dendê e seringueiras. A mídia internacional só tem associado a região ao desmatamento, mas os estados são grandes produtores de cacau, dendê, açaí, soja, milho, algodão, café e mandioca. Nem todo produto do extrativismo tem o comportamento vantajoso do açaí. Um dos defeitos das propostas da bioeconomia é que elas utilizam uma linguagem abstrata, mas é preciso indicar quais plantas podem ser utilizadas na produção de novas substâncias e medicamentos. O desmatamento ainda pode avançar nos próximos dez anos, caso não haja a oferta de novas tecnologias para os pequenos e médios produtores — afirmou Homma.
Aquecimento global
Professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Cartaxo disse que o desmatamento na Amazônia é recente e destacou o papel dos países desenvolvidos no aquecimento global.
— O Brasil registra anomalias de temperatura, como no Vale do São Francisco. O mesmo ocorre na parte leste da Amazônia. Enormes mudanças no clima impactam a sociedade e a economia do país. A Amazônia está sofrendo um processo claro de alteração no ciclo hidrológico, no processamento de vapor d’água. Estamos observando o aumento dos eventos climáticos extremos, a frequência das grandes cheias e secas — disse Cartaxo.
Incêndios
Diretor-geral do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), Rafael Pinto Costa destacou que a Amazônia ocupa 59% do território brasileiro, e que o tamanho da região demanda meios extensos para combate aos focos de calor e outras anomalias termais detectadas por satélite. Ele afirmou que o Censipam tem dedicado esforços para o combate aos incêndios, que incluem recursos humanos e aeronaves, entre outros.
A média foi de 110 mil focos em 2020. A tendência de longo prazo é de redução. Os meses de agosto a novembro representaram 80% dos focos registrados no ano. No Pantanal, o caso foi completamente diferente em 2020, fugiu ao comportamento esperado historicamente. As causas ainda estão em estudo, mas é fato que a região apresentou seca intensa, com os rios apresentando níveis mínimos — afirmou Costa.
Deficiência de pessoal
Diretor de Fiscalização do Ibama, Olímpio Magalhães apontou deficiência de pessoal disponível para fiscalização, segundo ele agravada em 2020 pela pandemia do coronavírus, que dificultou a operacionalização das ações. O órgão, disse Magalhães, teve que utilizar tecnologia para estabelecer uma linha de ação, deslocar fiscais de outros estados e investir na contratação de brigadistas para combate às queimadas.
Magalhães afirmou que em muitas áreas atingidas pelas queimadas, há uma situação de vulnerabilidade das populações locais, que acabam sendo alvo de atividades criminosas. Ele disse ainda que muitos planos de manejo não estão regularizados, e defendeu a atuação nas atividades de prevenção primária, a partir da educação ambiental e do controle da movimentação de matérias que são fruto de ilícito ambiental, e de prevenção secundária, o que engloba ações de fiscalização.
Aquecimento global
Autor do requerimento da sessão temática, o senador Luís Carlos Heinze (PP-RS) afirmou que “o Brasil não é a favor das queimadas”. O senador destacou a presença dos produtores rurais na Amazônia nas últimas décadas e defendeu a regularização fundiária.
— Mais de 90% não têm titulação. Os produtores estão lá há 50 anos. Começou no governo Temer a titulação. A área titulada permite tomar financiamento e usar a tecnologia à disposição (…). A área plantada de grãos cresceu. O setor da agricultura responde por 40% dos empregos e 20% do PIB [Produto Interno Bruto]. O Brasil exporta para mais de 200 países. Não somos a favor do desmatamento de forma desenfreada. Se trabalhássemos bem em áreas já desmatadas poderíamos frear o desmatamento — disse.
Heinze também afirmou que o aquecimento climático tem sido provocado pelas emissões de gases de efeito estufa dos países desenvolvidos.
— A China responde por 27,9% da emissão dos gases do efeito estufa. Ninguém fala nisso. O Brasil aparece com 1,3% das emissões. Por que não se fala do aquecimento global causado pela China e pelos Estados Unidos? Não temos dinheiro suficiente para beneficiar os produtores da Amazônia. Que o mundo desenvolvido nos ajude a buscar soluções! Que o mundo desenvolvido que critica o Brasil possa ajudar nesse processo. Não sou favorável à devastação — concluiu.
PUBLICADO EM: SENADO FEDERAL
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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