Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LXVII
Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ XIX
Cada Dormente Representa uma Vida Humana
Em 1942, João da Costa Palmeira, no seu livro “Amazônia”, disse:
Cada dormente representa uma vida que ali se extinguiu, tal foi o tributo pago pelos trabalhadores, em geral nordestinos, que ali ultimaram seus dias.
Em 1959, Benigno Cortizo Bouzas, no seu livro “Del Amazonas al Infinito”, afirmou:
Se dice que hubo tantos muertos como traviesas tiene la via.
Em 1984, Edmar Morel, no seu livro “Amazônia Saqueada”, relata que:
No início da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, diz a lenda que, para cada dormente assentado, morreram vinte trabalhadores de malária, motivo pelo qual ela recebeu o apelido de “Estrada dos Trilhos de Ouro”.
Em 1998, Zuleika Alvim, no livro “História da Vida Privada no Brasil – República: da Belle Époque à Era do Rádio”, narra que:
[…] chegando até a Amazônia, acompanhando a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, cujo preço, dizia-se, era o de uma vida por dormente.
Em 2004, João Carlos Meirelles Filho, no seu “Livro de Ouro da Amazônia”, conta que:
A construção da Ferrovia sofreu diversos reveses e resultou na perda de milhares de vidas, em função dos surtos frequentes de malária. Muitos lembram a Estrada com o lema “cada dormente representa um operário morto na construção”.
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré tinha uma extensão de 366 km, considerando que em cada quilômetro foram assentados 1.500 dormentes chegaremos, sem grandes dificuldades, a um total de 549.000 dormentes. Teriam, realmente morrido 549.000 trabalhadores na sua construção? O relatório da Companhia especifica o número total de operários “importados” e o número de óbitos desde o início das obras até a sua conclusão conforme o quadro seguinte:
A estatística da companhia só contempla aqueles que morreram no Hospital de Candelária. Não aparecem nestas cifras os que faleceram depois de abandonarem Santo Antônio e Porto Velho em trânsito para Manaus, em Belém, ou países de origem.
Consideramos razoável estabelecer que este número seja três vezes maior do que o admitido pela construtora. Multiplicando por quatro o total do relatório vamos chegar a 6.208 óbitos muito longe do número de dormentes assentados na ferrovia – 549.000.
Os óbitos continuaram a ocorrer depois da conclusão das obras, mas em número bem mais reduzido tendo em vista a melhoria das condições sanitárias, de trabalho e dos melhores recursos de profilaxia das doenças.
Administração da Madeira-Mamoré Railway
Em suma, podemos afirmar que, para o ruinoso fracasso da citada empresa, influíram os fatores seguintes: crise, má administração, excessivos gastos, inconcebíveis e imperdoáveis caprichos comerciais, além de um profundo desconhecimento das características psicológicas do meio em que se exerciam as suas atividades. (J. de Mendonça Lima)
Os dois primeiros anos de operação (1912 e 1913) foram os de maior receita e maior saldo da Madeira-Mamoré Railway; a partir destes anos, porém, as receitas acompanharam a queda do preço da borracha. Os anos de 1914 e 1918, o período de 1921 a 1924 foram igualmente deficitários para a empresa. Acompanhando o “crack” da Bolsa de Nova York, de 1929, a empresa entrou em sérias dificuldades que a levaram a solicitar à União a interrupção do tráfego.
O advogado e representante da empresa, Dr. Ricardo Xavier da Silveira, no dia 25.06.1931, entrou com uma petição declarando que a empresa estava disposta a interromper o tráfego e solicitava que a Justiça citasse a União para receber o acervo da ferrovia.
À meia-noite do dia 30.06.1931, a Madeira Mamoré Railway suspendeu o tráfego da Ferrovia. No dia 03.07.1931, o Procurador Geral da República, Dr. Carlos Olyntho Braga, comparece em juízo, e apresenta a contestação do Governo Federal afirmando que este se opunha à entrega da Estrada.
Administração do Governo Federal
No dia 10.07.1931, o Chefe do Governo Provisório, através do Decreto n° 20.200, determinou o restabelecimento do tráfego da Ferrovia. O Decreto afirmava que o tráfego seria restabelecido por conta da empresa arrendatária, com recursos provenientes da própria receita e, caso estes não fossem suficientes, seriam computados como débito da Railway. É interessante ressaltar que o Decreto não menciona que, conforme o estabelecido no contrato de arrendamento de 1909, o Governo teria:
o direito de impor uma multa por dia de interrupção igual à renda líquida do mesmo dia no ano anterior ao da interrupção.
Esta omissão, no entanto, fora proposital já que, no ano anterior, 1930, a receita tinha sido de 1.556 com um déficit de 541 contos de réis, não havendo, portanto, nenhuma multa a cobrar da companhia.
No dia 06.07.1934, o Governo Federal assinou o Decreto n° 24.596 autorizando a rescisão amigável do contrato com a Railway. No dia 05.04.1937, o Decreto n° 1.547 declarou rescindido o contrato de 1909.
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 30.11.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
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