Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LXI
Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ XIII
Jornal do Comércio, n° 267 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Sexta-feira, 25.09.1885
Publicações à Pedido
Comunicação de Estudos da
Estrada de Ferro do Madeira e Mamoré (Continuação…)
Não é certamente processando a um ex-empregado desta Comissão, que vive do seu trabalho, e que por conseguinte não pode suportar as delongas e os enormes dispêndios de um processo, que seja o bom caminho que deve seguir quem tem o interesse de por a limpo os negócios desta Comissão. Nem tão pouco o Governo Imperial deve deixar que seja processado um estrangeiro de bons precedentes, que bem servindo ao Brasil numa Comissão do Estado, teve a coragem e a dignidade, para não compactuar com os seus chefes, de vir perante o País inteiro denunciá-los. Outro não poderia ser o procedimento de um oficial do exército de uma das primeiras nações da Europa que tornou-se digno das recompensas que recebeu do Governo da sua Pátria.
Parece-me que o Governo Imperial deveria chamar-me para eu fazer o meu depoimento judicial sobre os fatos desta Comissão e mandar fazer uma rigorosa sindicância, para a qual deveriam ser chamados todos os engenheiros desta Comissão, para deporem da mesma forma o que sabem sobre os fatos aqui descritos desta Comissão. É o Governo Imperial, o único que tem interesse de saber a verdade, o que, por conseguinte, deve sair deste torpor indiferente em que se acha perante o procedimento de um funcionário que teve a desrespeitosa ousadia de lhe apresentar um trabalho que não é real, depois de tê-lo induzido a dar-lhe a direção de uma Comissão, na qual fez o Governo gastar centenas de contos de réis.
Pela própria dignidade do Governo e do País é preciso pôr esse negócio a limpo com toda a seriedade e enérgico rigor.
Se eu, como simples particular e cidadão estrangeiro neste País, tenho empenho que se saiba a verdade para justificar-me da altitude que tenho tomado neste negócio, parece-me que o Governo de um País que se preza, com mais forte razão não pode deixar-se ficar indiferente perante os atos de um funcionário que não correspondeu à boa fé e à confiança que lhe fora depositada. Tanto mais quanto o relatório que o Sr. Pinkas publicou traz aí provas circunstanciais as mais evidentes dos fatos que aqui aduzi.
Enfim, quando vim para este País para melhorar a minha sorte pelo trabalho honesto, achava-me dominado pela ideia de que, em um País livre e governado por um Príncipe ilustrado, liberal e justiceiro, encontraria completa garantia para o trabalho honesto que aqui esperava achar, e que mais vantajosamente me remunerasse do que os que eu poderia encontrar no meu País; e, por conseguinte, procedendo como tenho feito em relação aos fatos desta Comissão espero que terei uma prova que me não enganei.
Da classe dos engenheiros é preciso uma prova de que os engenheiros ou os arvorados engenheiros do Sr. Pinkas, que o auxiliaram em um procedimento tão irregular, constituem exceção de regra e caso único nos anais dos engenheiros do Brasil. É preciso uma prova que consigne para todo o sempre a reprovação e a indignação de que se acha possuída esta distinta classe. Enfim será possível, que no Brasil se possa praticar tais atos certo da impunidade?!! Pergunto aos autores dos relatórios anexos ao do Sr. Pinkas se continuam a sustentar o que neles escreveram, depois que viram que este senhor utilizar-se deles, apresentando-os como verdadeiros. Não é, certamente, procedimento muito bonito o prestar-se a escrever tais relatórios, porém é coisa muito mais séria consentir que eles tenham a aplicação que o Sr. Pinkas lhes deu no seu relatório, é mesmo coisa grave e muito grave. Ao Sr. Pressy faço, por conseguinte, as perguntas seguintes:
1ª Não é verdade que S. S., logo que chegou da sua viagem ao Rio Beni, subiu Rio acima, chegando, no dia 28 de agosto, no ponto em que me achava, e que no dia seguinte subiu comigo para encontrar-se com o Sr. Moerbeck, que se achava cerca de duas horas de viagem acima de ponto em que eu estava?
2ª Não é verdade que encontramos o Sr. Moerbeck doente e deitado numa rede?
3ª Não é verdade que S. S. permaneceu nessa localidade até o dia 3 de setembro, e que, durante a sua demora aí, nem S. S., nem o Sr. Moerbeck foram à picada, porque achavam-se doentes?
4ª Não é verdade que, no dia 3 de setembro, S. S., antes de descer, subira Rio acima com o Sr. Moerbeck, chegando de volta ao ponto de partida pouco depois do meio-dia desse mesmo dia 3 de setembro?
5ª Não é verdade que no dia 9 de setembro eu me apresentei em casa do Sr. Roseno, onde S. S. achava-se; e ter nessa ocasião S. S. me dito, na presença do Capitão Roseno e de sua senhora, de Moraes e toda a gente do batelão em que eu vinha, que sabia pelo Sr. Moraes e pelos bolivianos de tudo; que, durante sua ausência, ninguém tinha trabalhado com os instrumentos na picada, etc.?
6ª Não é verdade que, na tapera da nossa partida da casa do Sr. Roseno iram Santo Antônio, o Sr. Moerbeck fugira durante a noite, descendo para Santo Antônio sem sua autorização e de modo a não ser visto por S. S.?
7ª Não é verdade que S. S. declarara que era impossível que a 4ª turma, sem ter engenheiros propriamente ditos, pudesse correr uma linha de exploração de mais de 80 quilômetros; e que se o Sr. Pinkas não sabia disto ele teria dado uma bem triste ideia do seu talento organizatório, etc., etc.?
Pergunto também ao Sr. Cândido Ferreira de Abreu se não é verdade que S. S. viera à minha casa propor-me que lhe entregasse todos os documentos que eu dissera, na carta que escrevi ao Sr. Pinkas, possuir para provar que se não tinha ido a Guajará-mirim, e que declarasse por escrito que no dia 7 de setembro de 1884 tinha sido fincada a última estaca em Guajará-mirim, e que eu assinasse um papel em que S. S. escreveria não sei o que, e que se eu anuísse a tudo isto S. S. me daria cem mil réis [100$], proposta que foi recusada?
Antes de terminar resumirei aqui o histórico da 4ª turma. No dia 25 de julho de 1884, começou-se o trabalho no Ribeirão. Em princípio de agosto achávamo-nos nas imediações da foz do Beni. Aí chegado, o Sr. Pressy foi fazer a sua viagem ao Beni. Até esse ponto existe uma picada mal feita, porém, seguida.
Deste ponto em diante até Bananeiras não foi feita picada seguidamente, só existem trechos interrompidos que em geral foram abertos sobre a direção do Cabo Lima, a mandado do Sr. Moerbeck, que deixava-se ficar na rede, ora doente ora de vadiação. Durante a ausência do Sr. Pressy, ficamos 8 dias em casa do Sr. Molina, sem que o Sr. Moerbeck fosse uma só vez à picada, e 14 dias no nosso abarracamento em Bananeiras, ponto em que o Sr. Pressy nos achou, quando chegou de volta da sua viagem, no dia 28 de agosto: durante estes 14 dias o Sr. Moerbeck não pisou na picada. De Bananeiras a Guajará-mirim não há picadas, nem ninguém desta Comissão lá fora.
Tirando-se os dias de chuva e os domingos que se não trabalhava, porque os bolivianos não trabalham ao domingo, os dias de viagem pelo Rio que não foram poucos, os dias que acima enumerei em que o Sr. Moerbeck não foi à picada, e os dias decorridos de 9 de agosto até o dia 4 de setembro, durante os quais também não se trabalhou na picada, ver-se-á que poucos dias restam dos cinquenta e tantos em que a Comissão permanecera nessa região para o Sr. Moerbeck sozinho correr uma linha de exploração de mais de 80 quilômetros e nivela-la, como diz que fez no seu relatório.
O que é verdade é o seguinte: que no dia 3 de setembro, Pressy, deixou Bananeiras descendo para a casa do Sr. Roseno e no dia seguinte, 4 de setembro, toda a 4ª turma descera de Bananeiras e fomos pernoitar em casa do Sr. Floris, duas horas de viagem da casa do Sr. Roseno, onde estava Pressy, e aí nós permanecemos até o dia 9 de setembro, em que eu fui para casa do Sr. Roseno; e o Sr. Moerbeck durante a noite fugira para Santo Antônio chegando a 20 de setembro em Florida.
Enfim a tal estaca de Guajará-mirim tem estado encantada; ainda não apareceu quem queira tomar a inteira responsabilidade de a ter fincado, parece que o espírito maligno meteu-se nesta estaca, a qual, segundo o telegrama do Sr. Pinkas ao Ministro da Agricultura fora fincada no dia 7 de setembro, e segundo o relatório deste mesmo senhor o fora no dia 5 de setembro, e segundo o relatório do Sr. Moerbeck, no dia 4 de setembro, e finalmente segundo as declarações do Sr. Pressy na 1ª quinzena de setembro. Tanta versão sobre o fato mais importante da Comissão!!! Tenho o recibo do correio que prova que a carta abaixo publicada fora dirigida ao Sr. Pinkas em janeiro do corrente ano. Tenho também em minhas mãos o ofício e a carta do Sr. Moerbeck a mim dirigidos, e bem assim todos os documentos que aqui aduzi, os quais serão exibidos perante o Governo logo que me for exigido. Terminado, direi que espero que S. M. Imperial e o Governo não deixarão de atender ao seguinte pedido tão justo e nobre.
Sindicai sobre os fatos que aqui narrei.
José Nehrer.
Eu abaixo assinado Johannes Jochim Christian Voigt, corretor de navios, tradutor público juramentado e intérprete comercial matriculado no meritíssimo tribunal do comércio desta praça para as línguas alemã, etc.
Certifico pela presente em como me foi apresentada uma carta escrita na língua alemã, afim de a traduzir literalmente para a língua vernácula, o que assim cumpri em razão do meu ofício e literalmente versada diz o seguinte:
[Cópia] ‒ Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 1885.
Sr. Pinkas:
[…] vou provar ao mundo inteiro que esta Comissão foi mais que uma […] que na turma seção n° 4 não existe linha nem nivelamento, nem mesmo uma picada de Bananeiras à Guajará-mirim, em percurso de mais de 36 quilômetros […]
Logo que Pressy chegou ao Ribeirão começou o trabalho e eu nivelei durante seis dias. Acho conveniente fazer aqui a observação de que ainda tenho em minhas mãos as cadernetas originas e que posso também provar quanto afirmo.
Assim, segundo as cadernetas, eu nivelei seis dias e no sétimo, quando, debalde, eu chamava a atenção do chefe da turma, Moerbeck, observando-lhe que numa picada tão mal feita, como a dos dois últimos dias, era impossível fixar-se uma só estaca, ao Dr. Pressy repeti a mesma coisa, ao que ele respondeu-me:
‒ Que lembrança! Precisamos acabar depressa, assim deve tudo ser feito somente mais ou menos, e quanto ao mais pode Vm.ce ([1]) agora também ficar atrás, porque tem de desenhar a planta e o perfil.
Eu nunca desenhei as plantas por ter Moerbeck as cadernetas respectivas, em tal estado que nem ele próprio as entendia, por isso as […] melhorando-as e assim […] durante a sua viagem de volta, a que propriamente ser deviria chamar sua fugida. […] (JC, n° 267)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 20.11.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
JC N° 267. Comunicação de Estudos da Estrada de Ferro do Madeira e Mamoré – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do Comércio n° 267, 25.09.1885.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Vm.ce: vosmecê ‒ senhor.
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