Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LIX
Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ XI
Caso Nehrer X Pinkas
Enfim, a tal estaca de Guajará-mirim tem estado encantada: ainda não apareceu quem queira tomar a inteira responsabilidade de a ter fincado; parece que o espírito maligno meteu-se nesta estaca. (José Nehrer)
Em setembro de 1885, quase um ano depois de encerrados os trabalhos da Comissão Pinkas, é apresentado o projeto e as plantas da ferrovia. O Sr. José Nehrer, desenhista e auxiliar técnico da Comissão, afirma que grande parte do projeto fora forjado no escritório de engenharia. O “Jornal do Commercio” publicou uma série de artigos desencadeados a partir da lapidar afirmativa do desenhista José Nehrer:
‒ Quem Bateu a Última Estaca em Guajará-mirim!
Jornal do Comércio, n° 323 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Quinta-feira, 20.11.1884
Estrada de Ferro do Madeira e Mamoré
Por telegrama expedido pelo Sr. engenheiro Julius Pinkas [via Fortaleza] ao Sr. Ministro da Agricultura, consta haver chegado à cidade de Manaus a última das turmas incumbidas do estudo da diretriz da Ferrovia do Madeira e Mamoré, tendo sido batida a derradeira estaca em Guajará-mirim, ponto terminal da via, no dia 7 de setembro. […] pediu o Sr. engenheiro J. Pinkas fosse levada a grata notícia ao alto conhecimento de S. M. o Imperador, foi declarado por aquele chefe ser excelente e econômico o traçado estudado. […] (JC N° 323)
Jornal do Comércio, n° 343 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Quarta-feira, 10.12.1884
Gazetilha
Ferrovia do Madeira e Mamoré
Da capital da Província do Amazonas chegou ontem no paquete “Manaos” o Sr. Dr. Julius Pinkas com parte da Comissão de que foi chefe, e que com o melhor êxito levou a seu termo os difíceis estudos da Ferrovia do Madeira e Mamoré. Acha-se assim no Rio de Janeiro toda a Comissão, que ao serem terminados os mesmos estudos se achava composta do seguinte modo:
‒ Engenheiro-chefe: Julius Pinkas;
‒ Chefes de secção: Edgar E. de Prissy e Cândido Ferreira de Abreu;
‒ Chefes de turma: Lupicinio Buarque, Joaquim Carneiro de M. Horta e Ignácio Moerbeck;
‒ Engenheiros ajudantes: Costa Ferraz, Leonel Gomes, Gaudino Menelippio Junior e Giovanni Gagliardo;
‒ Engenheiros militares adidos: Capitão Joaquim de Andrade e Silva e 1° Tenente Felippe Schmidt;
‒ Desenhistas: José Aymez e José Nehrer;
‒ Médicos: Drs. Pedro de Alcântara Nabuco de Araújo e José Bonifácio da Cunha;
‒ Secretário: Innocêncio José de Almeida Junior;
‒ Almoxarife: João Lopes Pontes;
‒ Farmacêutico: José Constâncio de Jesus.
Dois outros membros da Comissão, o engenheiro Emílio Rahe e o Capitão Sant’Anna Xavier de Barros, adido militar, pagaram com a vida a dedicação pelos seus deveres falecendo o primeiro no campo, à frente da turma que dirigia, e o segundo na capital do Pará, ao retirar-se louco para o Rio de Janeiro.
A laboriosa Comissão, ao receber ordem de sobrestar ([1]) nos trabalhos por falta de crédito na lei de orçamento do atual exercício, tinha-os concluído com a maior prontidão e de acordo com as instruções dadas pelo engenheiro chefe devassando território inexplorado e, em parte, absolutamente desconhecido, correu a Comissão e nivelou 206 quilômetros desde Jirau até Guajará-mirim, ponto terminal da linha, tomando seções transversais de 5 em 5 estacas. Este considerável trabalho foi efetuado no meio de dificuldades e perigos de todo o gênero, levando-o a efeito a Comissão com atividade e zelo que não poderiam ser excedidos.
O terreno verificado não oferece obstáculos nem acidentes que dificultem a construção da linha. O percurso desta, a começar do Porto-Velho que demora 6 quilômetros e 400 metros abaixo de Santo Antônio, terá ao todo de 337 quilômetros, sujeito a encurtamentos. Os 206 quilômetros corridos e nivelados pela Comissão Pinkas nunca haviam sido estudados. A planta levantada pela “Public Works Construction”, somente organizada para o fim da rescisão do contrato desta empresa com a “Madeira e Mamoré Railway Company”, não representava traçado propriamente dito.
Tal é o valor dos estudos que acabam do ser realizados sob a direção do Sr. engenheiro Julius Pinkas e com o concurso de seus prestantes auxiliares. Já uma vez dissemos e é ocasião de repetir, que louvores não devem ser regateados a quem os merece por título, deste gênero. Os estudos de Jirau a Guajará-mirim são dos mais penosos e arriscados que a engenharia já levou o efeito no Brasil. Com isto não desmerecem os serviços da anterior Comissão, à qual fizemos justiça em tempo. (JC N° 343)
Jornal do Comércio, n° 164 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Domingo, 14.06.1885
Publicações à Pedido
Comissão de Estudo da
Estrada de Ferro do Madeira e Mamoré
Muito se tem falado sobre esta Comissão. Tem-se dito mesmo, por este Jornal que os estudos foram levados até Guajará-mirim, que, no dia 07.09.1884, fora batida em Guajará-mirim a última estaca.
Pois bem, fiz parte da chamada 4ª turma e fui um dos que mais longe fora Rio acima, e declaro que eu e toda o pessoal desta turma não passamos das Bananeiras, cachoeira muito abaixo de Guajará-mirim. No dia 10.09.1884, toda a 4ª turma achava-se no Salto do Ribeirão, ponta inicial dos trabalhos dessa turma. Quem, pois, bateu essa última estaca em Guajará-mirim?
Para evitar qualquer coparticipação ou responsabilidade futura da minha parte, faço a presente declaração. José Nehrer. (JC N° 164)
Jornal do Comércio, n° 166 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Terça-feira, 16.06.1885
Estrada de Ferro do Madeira e Mamoré
Chamando a atenção para o artigo de 14 do corrente do Sr. Nehrer, pergunta-se ao Sr. Pinkas: “Quem bateu em Guajará-mirim a última estaca?” Em vista desse artigo é admirável a ousadia de quem passou o telegrama publicado na gazetinha do “Jornal do Commércio” de 20.11.1884, dirigido ao Ministro da Agricultura, no qual pede a S. Exª para levar a grata notícia ao alto conhecimento de S. M. o Imperador.
Não respeitar o chefe da nação, tão respeitado por todos os brasileiros, é ousadia de mais. A luz. (JC N° 166)
Jornal do Comércio, n° 176 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Sexta-feira, 26.06.1885
Publicações à Pedido
Comissão de Estudo da
Estrada de Ferro do Madeira e Mamoré
Tendo chamado à responsabilidade o signatário do artigo que com a epigrafe acima foi publicado no “Jornal do Commércio” de 14 deste mês, apresentou-se como responsável legal pela publicação do tal artigo Romão José de Lima, já há muito conhecido do público. […]
Por este documento verá o público e os meus colegas a boa-fé dos que negam os brilhantes trabalhos que esta comissão efetuou. Um último aviso: Publiquem artigos caluniosos, arranjem comparsas irresponsáveis, neguem a todo o transe a verdade dos fatos, que o público, os meus colegas e o Governo Imperial estão plenamente convencidos de ter esta comissão cumprido o seu dever. Aos que tratam de explorar, aconselho outro procedimento, e aos irresponsáveis prometo não mais responder.
Engenheiro Ignácio Moerbeck, Ex-chefe da 4ª turma
Rio de Janeiro, 25 de junho de 1885. (JC N° 176)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 18.11.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
JC N° 164. Comissão de Estudo da Estrada de Ferro do Madeira e Mamoré – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do Comércio n° 164, 14.06.1885.
JC N° 166. Estrada de Ferro do Madeira e Mamoré – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do Comércio n° 166, 16.06.1885.
JC N° 176. Comissão de Estudo da Estrada de Ferro do Madeira e Mamoré – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do Comércio, n° 176 26.06.1885.
JC N° 323. Estrada de Ferro do Madeira e Mamoré – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do Comércio n° 323, 20.11.1884.
JC N° 343. Ferrovia do Madeira e Mamoré – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do Comércio n° 343, 10.12.1884.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Sobrestar: interromper.
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