Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LVIII

Revista de Estradas de Ferro, 30.05.1885

Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ X 

Controverso Relatório do Ministro da Agricultura 

O Ministro da Agricultura apresenta, no dia 07.05.1884, à Câmara dos Deputados, um relatório sobre a Comissão Morsing, no qual critica a planta da Public Works refutando, portanto, abertamente a conclusão de Carlos Alberto Morsing, afirmando:

Trabalho tão deficiente não poderia servir para determinar já o desenvolvimento da Ferrovia do Madeira e Mamoré, já o seu orçamento; o pensamento manifestado pelo Poder Legislativo, ao fixar o crédito destinado a tais estudos, ficaria em grande parte burlado se qualquer deliberação definitiva acerca da construção da estrada houvesse de ser tomada sobre dados meramente conjeturais, quais são os existentes quanto ao desenvolvimento da linha além da localidade denominada Jirau.

Morsing, no dia 19.05.1884, solicita que o Clube de Engenharia do Rio de Janeiro se manifeste sobre sua decisão de adotar como verdadeira a planta da Public Works. A entidade máxima dos engenheiros do Brasil resolve nomear uma Comissão de Notáveis, composta por nove engenheiros, no dia 16.07.1884, apresenta seu relatório favorável a Morsing nos seguintes termos:

A vista do exame que instituíram os documentos referidos, e das informações fornecidas pelo Chefe da Comissão de Estudos, incontestavelmente um dos mais hábeis e experimentados sobre questões de Estradas de Ferro, são os abaixo assinados de parecer que os trabalhos, apresentados ao Clube de Engenharia pelo referido ex-Chefe, oferecem, como estudos preliminares, subido valor técnico e satisfazem o fim para que foram organizados.

O próprio Governo Imperial resolvera nomear a sua Comissão de Notáveis formada pelos engenheiros Francisco Bicalho, Monteiro de Barros e o Conselheiro Sobragy, os quais julgaram, também, suficientes os estudos de Morsing para os fins que se tinha em vista.

Comissão Pinkas e a Ordem da Rosa  

Aguardava as informações para então travar com o nobre Ministro o combate que se julga com o direito de ferir em defesa dos seus velhos companheiros da Escola Politécnica. (Deputado Sinimbu Jr.)

Júlio Pinkas retorna a Manaus no dia 10.09.1884; surpreendentemente, em apenas 77 dias, as turmas haviam levantado 200 quilômetros da futura Estrada de Ferro em plena selva. O Ministro da Agricultura, numa clara afronta aos engenheiros brasileiros, mesmo sem conhecer o resultado da Comissão Pinkas, pois as plantas ainda estavam sendo elaboradas, resolve, no dia 25.04.1885, agraciar toda a Comissão Pinkas com a Ordem da Rosa. No dia 29.04.1885, o Ministro da Agricultura compareceu a uma tumultuada sessão na Câmara dos Deputados. O Deputado Sinimbu Jr. atacou a conduta abjeta do Ministro que desprezara deliberadamente os membros da Comissão Morsing que não mereceram por parte dele uma palavra elogiosa sequer.

O Deputado apresentou, ainda, um requerimento dirigido ao Ministro solicitando que informasse se já estavam concluídos os estudos da Estrada, quanto se gastara, etc.

Moção do Clube de Engenharia  

No dia 01.05.1885, no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, o Engenheiro Amarílio Olinda de Vasconcelos, funcionário do Ministério da Agricultura, propõe, corajosamente, ao plenário, a seguinte moção, que foi aprovada por unanimidade:

O Clube de Engenharia, conhecendo o ato recente do Governo Imperial, que galardoou os serviços prestados pela 2ª Comissão de estudos da Estrada de Ferro Madeira e Mamoré em complemento aos trabalhos não menos árduos e relevantes que a precederam e foram realizados com a maior dedicação, lastima que não fossem igualmente considerados os esforços excepcionais, os resultados obtidos e os sacrifícios pessoais da 1ª Comissão, dirigida pelo Engenheiro Carlos Alberto Morsing.

No dia 02.05.1884, o Ministro da Agricultura exonera dos quadros do Ministério o Engenheiro Amarílio Olinda de Vasconcellos, “a bem do serviço público” procurando, ainda, sem sucesso manchar-lhe a reputação. Em 30.05.1885, a “Revista de Estradas de Ferro” (pg. 65), estampa no seu editorial:

Revista de Estradas de Ferro, 30.05.1885

Revista de Estradas de Ferro, n° 005 

Rio de Janeiro, RJ – Sábado, 30.05.1885 

O EX-MINISTRO DA AGRICULTURA 

O Exm° Sr. Conselheiro Antônio Carneiro da Rocha terminou mal os seus dias de Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Uma série de fatos mais ou menos graves e desacertados coroaram a sua administração, que não se distinguiu por notáveis cometimentos. S. Exª, nas vésperas de retirar-se da pasta, demitiu a bem do serviço público o distinto e honrado Chefe de Secção da Secretaria da Agricultura, Dr. Amarílio de Vasconcellos, sem motivar tão brusca resolução. Com que direito o ex-Ministro fez uso da circunstância “a bem do serviço público”? Com o direito do amor próprio ofendido, por haver o digno profissional, em sessão do Clube de Engenharia, lastimado o ato de S. Exª, relativo à remuneração de uma só das duas Comissões de estudos da E. de F. do Madeira e Mamoré? O alvitre de S. Exª não foi correto… devia S Exª ter demitido a todos os Engenheiros que, sendo funcionários públicos, cumpriram o seu dever, aprovando a referida proposta no Conselho Superior do Clube de Engenharia. Pelo que está, porém, no domínio público, e vê-se dos artigos que adiante publicamos, o incidente do Clube não foi mais do que um pretexto, há muito ambicionado, contra o Dr. Amarílio.

Parece haver entre os liberais gente excelsa que não conhece, ou a quem não agrada, a máxima – resistir para bem servir – tantas vezes proclamada pelos mais ilustres chefes de seu partido. […] Há procedimentos que revoltam, outros que por exagerados caem no ridículo; o do ex-Ministro não sabemos classificar. Felizmente no Brasil, a vontade absoluta de um homem, seja ele Governo ou outra sumidade, não consegue abalar reputações firmadas em honrosos precedentes. […] Em nome da Engenharia brasileira, podemos dizer:

–  Ao Dr. Amarildo de Vasconcellos não atingiu a nota com que o ex-Ministro pretende estigmatizá-lo. Podíamos apontar mais alguns fatos; estes, porém, que ficam consignados, e foram os últimos, por si demonstram a nossa asserção;

–  O Exm°. Sr. Conselheiro Antônio Carneiro da Rocha terminou mal os seus dias de Ministro. E o Excelentíssimo, cuja personalidade muito respeitamos, desculpe-nos a andada e a ousadia de virmos tratar de sua tão pouco interessante administração. (REF N ° 05)

Discurso do Senador Henrique D’Ávila 

Henrique D’Ávila, no dia 06.06.1885, no Senado do Império, faz um pronunciamento criticando a rebelião de Engenheiros Brasileiros contra seu Chefe francês o Engenheiro Révy, enviados pelo Ministério da Agricultura para a construção de açudes no Ceará.

A isto deve-se acrescentar certo ciúme muito mal entendido contra os engenheiros estrangeiros. A engenharia nacional está certamente muito habilitada, ninguém duvida, em matéria de viação férrea; mas não assim em trabalhos hidráulicos, nos quais se tem cometido verdadeiros horrores: que o diga quem tem acompanhado a construção do célebre reservatório do Pedregulho e a não menos famosa Barra do Rio Grande do Sul. E por infundados ciúmes move-se guerra contra profissionais distintos que vêm prestar real serviço ao nosso país. (ANAIS, 1885 ‒ L3)

Em 29.06.1885, a “Revista de Estradas de Ferro” (pg. 81) afirma, peremptoriamente, no editorial que o Senador Henrique D’Ávila se enganara e que o Engenheiro francês Révy era um incompetente. A Revista faz questão de listar os engenheiros estrangeiros que qualifica como notáveis e muito respeitados pelos colegas brasileiros. Nesta relação, aparece o nome de Morsing, seguido do seguinte comentário:

A ENGENHARIA NO PARLAMENTO 

A Revista de Estradas de Ferro está no seu programa, desde que pugna pelos direitos da Classe, não deixando passar sem protesto injustas apreciações. O Exm°. Sr. Conselheiro Henrique d’Ávila, constituindo-se defensor do Sr. J. J. Révy, depois de longo discurso pronunciado na sessão do Senado, em 6 de junho de 1885, avançou, com referência aos Engenheiros nacionais, a seguinte proposição:

A isto deve-se acrescentar certo ciúme muito mal entendido contra os Engenheiros estrangeiros.

Garantimos que não anda bem informado o Exm°. Senador. Os profissionais de mérito, vindos para o Brasil, jamais despertaram ciúmes à nossa Engenharia; ao contrário, eles têm sido acolhidos com respeitosas provas de alta consideração.

Hawkshaw teve as simpatias e o apreço que lhe devíamos tributar; tão penhorado ficou, esse iminente Engenheiro, com os seus colegas do Brasil, que ao retirar-se para a Inglaterra, como prova de reconhecimento, instituiu a honrosa medalha que o nosso Instituto Politécnico anualmente confere a quem, concorrendo a conquistá-la, se avantaja no “certâmen” científico.

W. M. Roberts, de saudosa memória, contava dedicado amigo e apreciador convicto em cada um dos seus muitos auxiliares brasileiro. Não se encontra em nossa Engenharia quem não rendesse preito a tão digno profissional.

Carlos Alberto Morsing não nasceu no Brasil; e nem por isso deixa de gozar a estima e o conceito a que tem jus pelos seus méritos incontestáveis. Talvez não ignore o Exm°. Sr. Senador Henrique d’Ávila, que são recordados, sempre com justos aplausos, os nomes de Law, Krauss, Keller e outros de não menos notáveis engenheiros; e que não pequeno é o número de profissionais estrangeiros que têm adotado o Brasil para pátria.

Agora, em relação ao Sr. Révy, o caso muda de figura; ainda assim, não sendo ele nenhum “Adonis científico”, está muito livre de inspirar ciúmes à Engenharia Brasileira. O Sr. Révy não é tido por notabilidade… bem longe disto. A falta de admiração, que ele imaginou causar, faz-lhe crer que haja ciúmes. É uma ingenuidade como outra qualquer. À vista do exposto, fica sem efeito mais esta frase do ilustre Senador:

E por infundados ciúmes inove-se guerra contra profissionais distintos que vêm prestar real serviço ao nosso país! (REF, N° 06)

A Revista não faz qualquer menção ao nome do “Comendador” Júlio Pinkas, demonstrando a tensão que existia entre o Governo Imperial e a Classe dos Engenheiros. A mídia atenta e compromissada, daquela época, acompanhava par e passo os investimentos realizados pelo Governo Imperial mantendo seus leitores bem informados.

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 17.11.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

 Bibliografia 

ANAIS, 1885 ‒ L3. Comissão de Açudes no Ceará (pg.107) ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Anais do Senado ‒ Ano de 1885 ‒ Livro 3 ‒ Secretaria Especial de Editoração e Publicações, Subsecretaria de Anais do Senado federal, 20 de maio a 30 de junho de 1885. 

REF N° 05. O Ex-Ministro da Agricultura – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista de Estradas de Ferro n° 05, 30.05.1885. 

REF N° 06. A Engenharia no Parlamento – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista de Estradas de Ferro n° 06, 29.06.1885. 

REF N° 34. Custo das Estradas de Ferro do Brasil – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista de Estradas de Ferro n° 34, 31.10.1887.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].