Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XVIII 

Viagem da “Real Escolta” – V 

A 10.10.1749, de madrugada, atravessando a parte direita, se navegou no rumo do Sul, e logo no Sudoeste com bastante correnteza, e depois de três horas de caminho se avistou, da parte esquerda, uma barreira vermelha, a que no idioma geral dos índios se chama Guarapiranga, e dilatando-se por ¼ de légua, com seu arvoredo de mata virgem, desemboca no fim desta ribanceira o Riacho Matapi não mui caudaloso, que tem defronte da Boca uma Ilha ([1]) com sua Praia em uma e outra ponta, que correm ao Essudoeste.

Passada esta Ilha, se encontra, na margem direita barreira vermelha semelhante à da parte esquerda, mas de menor extensão no cumprimento. Continuou-se viagem até as seis horas da tarde, e portaram as canoas em uma ponta da ribanceira da parte esquerda, e em nove horas de caminho se andara três léguas e meia, a maior parte no rumo de Sudoeste.

No dia 11.10.1749, ao romper da manhã, se continuou viagem no turno do Sul e Susueste costeando a parte esquerda, na qual logo se encontrou com uma ribanceira de pedras, defronte da qual se prolongava uma Ilheta ao comprimento do Rio, por entre a qual e a margem direita se fez viagem, para salvar a correnteza que havia nas pedras da parte esquerda; nesta se seguia a dita ribanceira uma dilatada enseada de terra baixa no meio da qual deságua um grande Lago chamado Manicoré, e a última ponta da dita enseada rematava com uma feitoria de cacau. Defronte desta, principiava uma grande Praia ou coroa de areia que, se levantando pelo meio do Rio ao seu comprimento, o divide em dois canais: da parte direita deságuam dois Lagos pequenos, e toda a sua ribanceira é de terra caída que, depois de costeado ao largo, se chegou às sete horas da noite defronte da Boca do Rio Manicoré ([2]), que deságua na margem esquerda quase fronteiro à ponta de uma Ilha, em cuja Praia portaram as canoas.

Este Rio Manicoré é medianamente caudaloso, a sua direção é para Sueste, e se acha habitado de gentio bravo.

Neste dia, com dez horas de caminho, se andara cinco léguas por se ajudar da vela toda a tarde com uma trovoada à popa. Rumo principal: Sudoeste.

A 12.10.1749, se prosseguiu viagem costeando a parte esquerda, canal que fazia o Rio entre a ribanceira e a Ilha mencionada, cuja Praia, da parte do Sul, se dilata por espaço de mais de uma légua nos rumos de Sul até Sueste por toda a enseada, no fim da qual, a buscar o rumo de Sudoeste ao principiar outra enseada, se encontraram três Ilhas, e por entre os seus canais, em que havia menor correnteza, se fez caminho até às quatro horas, ficaram pela popa, e seguindo no rumo do Sul a findar a enseada, portaram as canoas em uma Praia, que da ponta da enseada da parte esquerda se dilatava até meio do Rio. Neste dia, em nove horas de caminho, se andara quatro léguas; seu rumo principal: Sudoeste.

Dia 13.10.1749. Neste dia se não andou mais que uma enseada toda desde o rumo do Sul para Leste até chegar ao Norte; toda a enseada era de terríveis correntezas. À parte direita, caminhando já a rumo de Leste, principiou uma ribanceira de terra vermelha, em que havia uma ponta de pedras, onde corria a água com grande fúria.

Dilata-se a ribanceira por espaço de três quartos de légua ao comprimento do Rio: achou-se ser a sua mata de castanhal e cacau. Remata em um Lago chamado pelos índios Capanã ([3]). É este pedaço de continente o mais capaz de fundação de Aldeia que até aqui se havia encontrado porque, além da terra ser capaz de lavoura, é o Rio ([4]) nesta enseada abundante de peixe e muita caça volátil e quadrúpede. A ribanceira da parte esquerda quase toda é de terra cabida, e estava a madeira amontoada pela margem em suma quantidade. Portaram as canoas às 6 horas da tarde, em uma Praia que sai da última ponta da enseada da parte direita até quase ao meio do Rio.

No dia 14.10.1749, se principiou viagem às 6 horas da manhã, costeando a parte direita por um canal entre a ribanceira e uma Ilha ([5]) nos rumos de Sueste, Sul, Sudoeste, até chegar a Oeste e, a meia légua de enseada, se viu a Boca de um igarapé que, cortando ao centro, deságua no Lago, de que se fez menção no dia antecedente, chamado Capanã; e continuando no rumo de Oeste, pelas quatro horas da tarde ajudou uma trovoada o remo, e portaram às 6 horas as canoas em uma Ilha nova e, em dez horas de caminho, se andara quatro léguas. Seguia-se a esta Ilhota em que se portou, outra ([6]) de bastante extensão, e por entre a Boca que uma e outra faz, se avista a ribanceira da parte esquerda, em cujo lugar teve Arraial o Capitão João de Barros da Guerra quando, no ano de 1719, foi mandado por Cabo de uma tropa a destruir os gentios chamados Torazes [Toras], os quais habitavam estes Distritos, e eram de tanta ousadia que, navegando Rio abaixo, saíam ao Amazonas e roubavam as canoas que do Pará subiam ao cacau dos Solimões, e matavam a gente. A guerra que lhes fez o dito Capitão os deixou extintos.

Dia 15.10.1749. Pelas 6 horas da manhã, se prosseguiu viagem no rumo de Oeste por um canal entre a Terra da parte direita e uma Ilha, que se prolongava ao comprimento do Rio, e quase na ponta dela deságua, pela margem esquerda, um Rio chamado Araxiá ([7]), que mostrava na sua direção vir do rumo de Leste. Continuando a derrota do mesmo canal, a quatro horas de caminho, se encontrou com terra mais elevada e vermelha, passada a qual se viu desaguar um Lago chamado Macoapi ([8]), em que há uma cobra de extraordinária grandeza, a que os índios, pelo seu idioma geral, chamam – Boiaçu – que quer dizer, no nosso vulgar, Cobra Grande. Contam os mesmos índios deste gênero de animais coisas que parecem incríveis, razão por que se remete esta notícia à curiosidade. Passada a Boca ([9]) do referido Lago em distância de três horas de caminho, da mesma parte direita ficando já a referida Ilha pela popa, se observou sair uma fumaça da margem junto à água e, chegando ao lugar donde havia sinal de fogo, da canoa da vanguarda ainda foram vistos uns poucos gentios que o faziam, os quais, apenas se deixaram ver, logo se esconderam, emboscando-se pela espessura do arvoredo. Continuou-se a derrota, sem fazer caso da novidade, e daí a uma hora de caminho portaram as canoas na ponta de uma dilatada Praia, que oferecia uma Ilha ([10]) encostada à margem esquerda. Neste dia, em oito horas de caminho, se andara três léguas.

Dia 16.10.1749. Fazendo viagem pelo canal que havia entre a terra da parte direita e a Ilha mencionada, se continuou ainda o rumo de Oeste por espaço de duas horas de caminho, em que finalizava a ponta de uma enseada, em meio da qual [já depois de passada a Ilha] saía uma ponta de pedras, aonde o Rio cheio costuma haver mui grande correnteza.

Ao entrar na enseada que se seguia, andou a agulha para OSO, e passado pouco espaço chegou ao rumo geral, SO, e neste se perseguiu caminho costeando à direita, cuja ribanceira é de terra alta e vermelha, que terá meia légua de distância no seu comprimento abeirando o Rio, porém no centro se dilata esta terra firme, na qual fez seu alojamento o Capitão Francisco de Mello Palheta quando, no ano de 1723, foi despachado pelo Governo do Pará a explorar este Rio da Madeira e, neste lugar, se fabricaram as canoas ligeiras, em que se prosseguiu derrota, que foi até chegar a Santa Cruz de Los Cajubabas, ou por outro nome, a Exaltação, Aldeia situada na margem direita do Rio Mamoré, pelo qual entramos, deixando o Madeira à esquerda em que deságua o Mamoré.

Passada a referida terra firme, em cujo lugar se fez pausa a jantar, se prosseguiu viagem abeirando a ribanceira que se seguia de terra solta, que continuamente estava caindo e com ela algumas árvores: e com o susto que causava este perigo que se não podia evitar em razão de ser a outra margem sem fundo capaz de se navegar, se saiu deste trabalho às 6 horas da tarde, em que o Rio nos ofereceu uma Ilha ([11]) com sua Praia, em que portaram as canoas sem os viajantes terem mais cuidado que o ordinário de fazerem sentinela ao gentio. Neste dia, por causa de ser já maior a correnteza do Rio se andara três léguas em nove horas de caminho.

No dia 17.10.1749, se principiou viagem de madrugada, costeando a margem direita no rumo do Sul por entre a Ilha, que corre na direção do Rio e, depois de passada em breve espaço, daí a meia hora de caminho, se principiou a passar outra Ilha ([12]) já no rumo de Sudoeste, que chegada à margem esquerda se dilata com as mesmas enseadas do Rio por espaço de cinco horas de caminho. No canal menor que faz o Rio entre esta Ilha e a terra da parte Oriental, deságua um Rio chamado Vrupuni, cuja direção não foi possível averiguar, porque o canal, cheio de baixos e correnteza não permitia passagem a canoa grande. Neste Rio, habita gentio Mura, e das queimadas que eles faziam neste Distrito se manifestava de noite o clarão dos Fogos, como se observou na deste dia e na do seguinte. Passada a referida Ilha, se segue outra a uma hora de caminho de muito maior extensão, também encostada à parte esquerda, cuja extensão é conforme as enseadas que faz o Rio, sendo o seu rumo principal a Sudoeste.

Quase na ponta desta Ilha ([13]) portaram as canoas com dez horas de caminho, em que se andara, no referido rumo, 4 léguas, por ser já por essa altura mui frequente a correnteza, e quase insuperável a canoas grandes. (G. FONSECA, 1826) (Continua…)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 22.09.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia  

FONSECA, J.. Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas – Portugal – Lisboa – Academia Real das Ciências – Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas, que Vivem nos Domínios Portugueses, ou lhe são Vizinhas, Volume 4, n° 1, 1826.

 (*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]    Ilha: 05°39’28,2” S / 61°15’22,3” O.

[2]    Rio Manicoré: 05°51’25,9” S / 61°19’36,7” O.

[3]    Capanã: 05°59’54,2” S / 61°45’22,2” O.

[4]    Rio: 05°54’59,7” S / 61°42’26,6” O.

[5]    Ilha: Ilha das Onças.

[6]    Outra: Ilha Marmelos – 06°07’02,9” S / 61°47’30,8” O.

[7]    Rio Araxiá: Foz do Rio Marmelos – 06°08’36,2” S / 61°47’2,3” O.

[8]    Macoapi: Lago Ipixuna – 06°20’09,4” S / 62°01’00,2” O.

[9]    Boca: 06°16’16,4” S / 61°52’16,7” O.

[10]  Ilha: Ilha do Bom Intento – 06°15’13,3” S / 62°02’20,1” O.

[11]  Ilha: Boca do Cará ou Acará ‒ 06°14’52,5” S / 62°14’52,9” O.

[12]  Ilha: 06°22’05,2” S / 62°14’47,9” O.

[13]  Ilha: 06°28’55,5” S / 62°17’42,3” O.