Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XXXVIII 

Imagens foram registradas pela fotógrafa Daiane Mendonça, em outubro 2019, na premiação do concurso de Redação de Turismo em Costa Marques

Real Forte do Príncipe da Beira – VI 

Tinham os Espanhóis atiladamente ([1]) consertado suas medidas, tencionando com um armamento interceptar os socorros que pudessem vir do Pará, e com o outro cortar aos Portugueses as comunicações com Vila Bela. Podiam eles, abastecidos de víveres das Reduções, facilmente manter este bloqueio enquanto que, limitada à sua própria margem, ver-se-ia a guarnição em míngua de munições de boca e de guerra, podendo assim ser reduzida sem se ferir um golpe. Daí a pouco, soube Azambuja ter o armamento de cima recebido um reforço de quarenta canoas, quase todas grandes, parecendo agora preparar-se para fazer uma demonstração contra a Praça. Inferior em número como era a sua força, sabia ele que até nos negros podia fiar-se quanto à firmeza, não sendo provável que os canoeiros índios do inimigo sustentassem o fogo: nesta confiança, pois, tripulou a sua flotilha, composta de três lanchas e quatro canoas, embarcou, meteu o Capelão a bordo, e valorosamente ofereceu batalha aos Espanhóis.

Jogavam eles jogo mais seguro, rejeitando, pois a arrojada oferta. Durante a ausência do Governo evadiu-se de noite com dois índios numa canoa um covarde traficante do Pará, por nome Joaquim de Matos, abandonando as suas mercadorias. Era certo que, se este homem lograva efetuar a sua fuga pelo Rio abaixo, havia de representar como desesperada a condição do Forte, a fim de desculpar-se para com os seus credores, cujas fazendas sacrificara. Mandou-lhes, pois, Azambuja uma canoa no encalço, não fossem as falsidades do fugitivo impedir o Governador do Pará de mandar socorro. Também para Vila Bela mandou aviso, fazendo constar em Mato Grosso e Goiás o seu perigo, não fossem os colonos do curso superior do Guaporé expor-se a cair nas mãos do inimigo, aventurando-se sem escolta como tinham de costume. O portador destes despachos tomou numa canoa pequena por sobre as terras inundadas, entrando ao nono dia no Rio acima da estação dos Espanhóis, e efetuando assim a sua viagem.

Elevava-se agora toda a força da Conceição a 244 homens, entre os quais havia 24 índios do Pará, e 114 negros. A estes nem valor, nem atividade, nem inteligência faltava, mas eram boçais ([2]) pela maior parte, e por isso pouco exercitados ainda para servirem como soldados, sobre achar-se então doente um sexto do número total. Fossem quais fossem os seus sentimentos debaixo destas circunstâncias desanimadoras, não mostrava Azambuja senão confiança, comunicando-a à sua gente. Vendo que requeriam os reparos da estacada mais tempo e trabalho do que era possível aplicar-lhes, disse aos soldados que a deixassem como estava, que não careciam de fortificações os Portugueses, enquanto tivessem armas nas mãos. Tinham as águas atingido agora a sua maior altura, sufocava o calor, e intolerável era a praga dos insetos. Aqui e ali somente, de um e de outro lado do Rio aparecia alguma eminenciazinha, surgindo das águas qual Ilha.

Destas havia uma da banda dos Portugueses defronte da Barra do Itonamas e do Porto, em que estava surta ([3]) a flotilha espanhola. Cobriam-na árvores em parte e a Azambuja pareceu possível levantar ali trincheiras, de onde fizesse jogar contra o inimigo alguma artilharia. Com grande dificuldade e algum perigo se alcançou o sítio, vadeando através de matas inundadas, mas ao principiar-se a cavar logo brotava água debaixo da enxada, sendo forçoso desistir da empresa.

Neste tentame ([4]) de necessidade haviam de ser descobertos os Portugueses, podendo ter sido seriamente molestados se da parte do inimigo houvesse ao menor a vulgar ([5]) vigilância, e com isto lhes cresceu a confiança, vendo a negligência dos Espanhóis, e a sua inatividade, depois dos grandes esforços que se deviam ter feito para reunir tão grande força. Veio ainda animá-los mais a chegada de nove camaradas, que tinham sido feitos prisioneiros, uns por ocasião da caçada, outros descendo o Rio, ignorantes do que se passava. Tinham-nos tratado mais como malfeitores do que como prisioneiros, e depois de retidos por algum tempo com cordas ao pescoço, e aos pés e mãos, enviados para S. Maria Madalena em duas canoas, sob a guarda de dois Espanhóis e trinta índios, conseguindo os Portugueses porém uma noite pelo caminho desamarrar as cordas, tomadas as armas da escolta, a haviam posto em fuga, e voltado ao Forte. (SOUTHEY)

Tendo em vista a enorme superioridade numérica dos castelhanos, Rolim de Moura optou por uma Guerra de Movimento realizando ataques-relâmpago com o claro objetivo de inquietar e deixar as tropas espanholas sem víveres necessários para a subsistência.

No dia 05.05.1763, determinou ao Tenente de Dragões Francisco Xavier Tejo, acompanhado de 10 soldados, um aventureiro, três pedestres, oito nativos e 17 remeiro-defensores escravizados que realizasse um golpe de mão na missão de São Miguel, a mais próxima das missões envolvidas no conflito e situada na retaguarda espanhola, às margens no Rio Baurés, afluente da margem esquerda do Rio Guaporé.

A patrulha parte, no dia 06.05.1763, em uma canoa de guerra, uma igarité ([6]) e três canoinhas. Na madrugada do dia 08.05.1763, atacaram a Missão de São Miguel, atearam fogo nas casas e armazéns, saquearam, apreenderam duas canoas de mantimentos que seriam enviadas ao Itonamas, aprisionaram os Padres Francisco Espino e João Roiz, e os conduziram ao Forte de Conceição.

No solo impidió cosechar esta mies, sino que también perturbó otras varias reducciones adyacentes, de la otra parte del río, es decir en territorio del rey de España, de manera que durante muchos días nos vimos forzados por temor a alguna incursión – a abandonar la reducción, huir a los bosques con nuestros indios y vivir allí en la intemperie. En la reducción mas cercana a ellos demostraron sus propósitos sobre las restantes: estaba dedicada a San Miguel y el mismo día de su festividad, en el momento de ir a comenzar a misa, la redujeron a cenizas, sin excluir el templo, llevándose como cautivos a sus misioneros y a todos los indios; no dejaron libre a uno de los Padre [pues el otro falleció en La cárcel, como efecto de los infortunios y del hambre] hasta al cabo de un año. (EDER)

No dia 15.05.1763, Rolim de Moura, seguindo a estratégia adotada, realizou uma emboscada que resultou na morte de 11 castelhanos e 3 nativos. Os luso-brasileiros mantiveram a iniciativa dos combates atacando pequenas frações castelhanas. A 22.06.1763, os reforços solicitados a Vila Bela, em 19.04.1763, chegaram ao Forte Nossa Senhora da Conceição. Entre o pedido de reforços e sua chegada ao Forte decorreram pouco mais de dois meses.

O reforço de Vila Bela, de cerca de 230 homens, chegou a 22.06.1763, e foi organizado, em grande parte, pelos moradores de Cuiabá. De Vila Bela seguiram Bento Dias Botelho, João Raposo da Fonseca, Sebastião Pinheiro Raposo, filho do brigadeiro Antônio de Almeida Lara e o Padre José Manoel Leite; e de Cuiabá, Antônio de Pinho Azevedo, Vicente Rebello Leite, Ignácio Maciel Tourinho, Joaquim Lopes Poupino, Miguel José Rodrigues e Antônio Pereira, com uma companhia de índios mansos e outra de agregados de José Paes Falcão. (FILHO)

Cem homens, comandados por Manoel da Ponte Pedreira, Ajudante de Ordens do Capitão General, no dia 26.06.1763, marcham para a Barra do Itonamas. A Companhia de Negros portava machadinhas que foram usadas para abrir caminho na mata e seriam empregadas a derrubar as paliçadas espanholas. Como manobra de cobertura, foram empregadas duas frotas de canoas, a de jusante comandada por Rolim de Moura, e a de montante, mais numerosa, comandada pelo Tenente Francisco Xavier que aportou à frente do acampamento espanhol simulando um ataque frontal. O ataque teve o sucesso almejado graças ao fator surpresa, mobilidade, simulação de ataque fluvial e retirada rápida. Os espanhóis confiando demais na sua superioridade bélica e numérica não guarneceram adequadamente suas posições defensivas nem providenciaram patrulhas noturnas.

Com o seu exemplo, parece Azambuja ter infundido em todos os ramos do seu Governo, vigor raras vezes manifestado no Brasil. Apenas o Capitão-mor de Vila Bela, João da Cruz, soube do perigo que o Governador corria, logo envidou todos os esforços para aprestar reforços. Acima do Itonamas, se estabeleceu um Posto, onde podiam ser recebidos os suprimentos, e de onde podiam os Portugueses operar ofensivamente contra os seus desleixados contrários. Daqui fizeram uma correria contra a Redução de S. Miguel, que tinha sido removida da margem direita, e continha oitocentos vizinhos. Foi tomada, saqueada e queimada a Aldeia. Alcançaram as chamas a Igreja, que os conquistadores queriam preservar do incêndio, não podendo, porém conseguir, salvaram as coisas sagradas, transportando-as com a imagem do Arcanjo para o seu posto avançado, que daí se ficou chamando Pouso de S. Miguel. Apoderaram-se de fornecimentos destinados ao exército de Itonamas, fazendo também boa presa em açúcar, e outros objetos fabricados pelos neófitos. Os Jesuítas foram levados para a Conceição, a fim de serem trocados pelos prisioneiros que ainda estavam em poder, mas tendo eles sido remetidos para Chuquisaca, foram os Padres enviados para o Rio de Janeiro por via de Vila Bela e Cuiabá.

Mantiveram-se os Portugueses na posse do território retirado dos de S. Miguel, que abundava em bois, cavalos e porcos, de modo que se viam agora bem abastecidos de víveres, sendo tão grande o terror incutido por esta incursão, que a redução de S. Martinho voluntariamente se lhes submeteu. Em fins de junho, uns três meses depois do aparecimento do inimigo, chegou de Vila Bela um grande reforço de vinte e oito canoas, vindo nelas também alguns sertanejos, práticos do País das Missões, excelentes atiradores e ótimos guias. Assim reforçado, aventurou-se Azambuja a acometer os Espanhóis no seu campo, passando por detrás de um espesso matagal e a volta de um Lago, para cair-lhes em cima pela retaguarda, enquanto a sua flotilha procurava atrair-lhes a atenção para outro lado.

Era por demais forte a estacada, mas a ousadia do ataque, posto que infrutífera, desanimou o inimigo, cujos planos de operações tinham sido inteiramente frustrados pela atividade dos Portugueses, estabelecendo-se no Pouso de S. Miguel. Retiraram-se, pois os Espanhóis da sua estação para a nova Redução de S. Rosa, não tardando também a ser levantado o acampamento do Mamoré, até que voltando todos a S. Cruz, terminaram as hostilidades. Retiraram-se então também os Portugueses da margem esquerda. Entretanto se celebrara a Paz de Paris, estipulando-se que se alguma coisa mudada houvesse nestas colônias, se reporia tudo no antigo pé em que estava antes da guerra, conforme os tratados então existentes e agora renovados. Ratificaram esta estipulação as cortes de Madrid e Lisboa. (SOUTHEY) (Continua…)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 20.10.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia  

EDER, Francisco Javier. Breve Descripción de las Reducciones de Mojos (1772) – Bolívia – Cochabamba – Historia Boliviana, 1985.  

FILHO, Virgílio Corrêa. As Raias de Matto Grosso – Brasil – São Paulo, SP – Volume IV – Fronteira Occidental – Seção de Obras d’O Estado de São Paulo, 1925.  

SOUTHEY, Robert. História do Brasil ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Editora Melhoramentos, 1977.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]    Atiladamente: sagazmente.

[2]    Boçais: que tinham pouca educação.

[3]    Surta: fundeada.

[4]    Tentame: tentativa.

[5]    Ao menor a vulgar: a mínima.

[6]    Igarité: canoa de um mastro e de dez a 15 palmos de largura.