Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XXVII

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Viagem da “Real Escolta” – XIV 

DÉCIMA SEXTA CACHOEIRA (Das Cordas)  

De duas Ilhas formadas de rochedos se compõe esta Cachoeira chamada Das Cordas (270), ambas adornadas de vistoso arvoredo, não mui alto, mas viçoso e recreativo, e no rumo referido atravessam o Rio: uma delas se acha mui chegada à margem esquerda, que em Rio a meia enchente nem ainda assim lhe concede canal; a outra, situada à parte direita, permite passagem a todo o tempo, menos o da última sacra, que é nos meses de setembro e outubro, quando somente o Rio acha canal, e os viajantes caminho pelo meio entre uma e outra Ilha, onde faz um declive de pedras com boa direção, em que, por espaço de 60 braças, se despenha a água com tolerável violência.

Esta Cachoeira se passou na forma acima mencionada e, continuando viagem no mesmo rumo de Sueste, se achou desaguar pela margem direita um Ribeirão de água clara chamado Tiahoam ([1]); terá 100 braças ([2]) de Embocadura, e vai cair o seu pequeno cabedal de torrente quase sobre a Cachoeira passada, razão por que se achou nela a água mais limpa, e logo que se encontrou o Ribeirão, se decidiu a causa daquela novidade. Fronteiro ao lugar em que deságua aquele Riacho há, na margem Oriental, uma elevação de terra que forma uma pequena serra, povoada de arvoredo mui alto e espesso, e não chega a ter meia légua de extensão no longo do Rio; para o centro não houve ocasião de fazer exame da sua direção. Passado o Riacho Tiahoam ([3]), se ia continuando viagem já no rumo de Lessueste quando, ao virar de uma ponta de pedras ([4]), em que havia grande correnteza na mesma margem direita, quebrou a pá que servia do governo a uma canoa, e foi preciso portar para fazer outra, razão por que se não andou neste dia mais do que duas horas, em que se vencera de caminho pouco mais de meia légua.

Dia 29.01.1750. Neste se principiou viagem costeando à direita no rumo de Lessueste, e logo ao do Sul, em que passada uma enseada, se continuou a Sueste, e neste rumo se achou a Cachoeira chamada Panela ([5]), que é uma das maiores e mais embaraçosa que tem o Rio.

DÉCIMA SÉTIMA CACH0EIRA (Bananeiras) 

De um intrincado labirinto de Ilhas fundadas todas sobre lajedos e rochas monstruosas, se forma esta Cachoeira em tão desordenada posição por espaço quase de uma légua ao comprimento do Rio, que este, para achar saída a tão estranhos embaraços, se derrama em uma confusão de canais por entre as Ilhas e penedos, de sorte que, em meia légua de largura que haverá de uma a outra margem, e em todo o espaço do comprimento, não acha a água outra coisa senão precipícios por todas as partes pelos quais, com ruído e fúria, se encontram as correntezas umas com as outras, irritadas dos penedos que passam, e de outros que vão atropelando.

Muitos canais, vindo por ele a água em fervedouros e rápido ímpeto, topam em Ilhas ou rochedos, que se lhes opõem diante, que obrigam as águas a fazer caminho aos lados, e vão quebrando a fúria nas ribanceiras de uma e outra parte. Da dura resistência que acha aquele soberbo elemento nos penedos da margem, retrocede a água sobre si mesma, e forma tempestuosas ondas de mares encapelados mui difíceis de vadear. Finalmente, para se expor com miudeza todos os subterfúgios que aqui busca a água para passar esta Cachoeira, confesso que, sobre não achar termos próprios e expressivos, com que bem signifique tão embaraçadíssimo passo, seria fastidiosa uma grande digressão, com que ele se poderia descrever; e por esta causa me remesso à estampa, que poderá ser delineada em termos que por ela se possa formar ideia das figuras que aqui se dificultam expressar.

À vista de um tão formidável impedimento, que a todos os lados ameaçava funestas consequências na empresa de se vencer, sem varar por terra as canoas, foi fortuna achar um canal entre o barranco da parte direita e as Ilhas da Cachoeira, por onde, salvando um não muito grande espaço de ondas que resultavam do combate de uma correnteza com a penedia da terra firme, podiam chegar as canoas até um lugar acomodado, em que, sobre pedras ainda mal cobertas de água, podiam ter passagem; e com efeito, investindo com aquele canal, se foram vencendo a remo as suas correntezas sucessivas até chegar ao lugar mencionado, em que havia um como fluxo e refluxo de água, que levantava ondas furiosas por todo o canal em distância, ao comprimento dele, de mais de tiro de mosquete.

Com muito cuidado e força de remo se atravessou aquele perigoso Distrito e, já de noite, portaram as canoas junto aos grandes penedos, por cujas aberturas no dia seguinte se havia de fazer caminho. Chegou o dia 30.01.1750 em que, com incrível diligência, se estivaram as pedras, descarregaram as canoas, e se puseram estas à parte de cima da Cachoeira até horas de meio-dia, e logo que se tornou a recolher nelas o trem, que a cada uma tocava, se prosseguiu viagem pelas três horas da tarde no rumo de Susudoeste, e nele se achou a Cachoeira chamada Quati ([6]) com uma hora de caminho, em que se andara de distância meia légua.

DÉCIMA OITAVA CACHOEIRA (Guajará-açu)  

De melhor semblante do que na antecedente se ofereceu a presente Cachoeira, que consiste em uma Ilha de suficiente grandeza lançada ao rumo de Lesnordeste e Oessudoeste desta, que tem por fundamento imensa penedia, se distribui a todos os lados quantidade de lajes e penedos, porém dispostos pela natureza em forma que, repartido o Rio em dois canais, a que a Ilha ([7]) a precisa, vai a água sem declive pela maior parte dos canais miúdos, que procedem das pedras espalhadas por uma e outra parte com pouca oposição de umas com outras. Nestes termos naquela mesma tarde do dia mencionado, se foi passando à parte direita tomando o seu canal a remo sem mais embaraço que algumas correntezas sem perigo, que se foram passando com felicidade até uma enseada, em que as águas se achavam em tranquilidade bem em meio da Cachoeira, onde portarão as canoas; e se andara uma légua no rumo mencionado.

No dia 31.01.1750, se continuou a passar o que restava da Cachoeira Quati ([8]), que só na embocadura do canal entre a ponta da Ilha e a terra houve algum trabalho; porque foi preciso usar de sirga por entre pedras e arbustos agrestes por espaço de dois tiros de mosquete.

Da enseada se navegou ao Sueste e, ao sair do canal, foi a Leste. Terá esta Cachoeira uma légua ao comprimento do Rio; e na largura, meia. Desembaraçadas as canoas daquele trânsito até às nove horas do dia, se atravessou a parte esquerda do Rio, que se foi costeando a Susueste; e neste mesmo rumo partiram as canoas da margem direita com 6 horas de caminho, em que se andara 3 léguas. Neste lugar se teve a primeira vista das serras chamadas Cordilheiras das Gerais, ou Chapada Grande, à parte esquerda do Rio, e corriam de Nordeste a Sudoeste rumo geral do Rio, e daqui principiam estas serras a atravessar o Rio, ou este a romper as suas extremidades e quebradas, em que se formam as Cachoeiras de que se tem tratado, e agora se fará o mesmo da última que resta a quem sobe, a primeira que se oferece a quem desce.

Dia 01.02.1750. Neste dia, saindo da enseada em que se havia germinado no rumo de Susueste, se avistou logo a Cachoeira chamada Tapioca ([9]), que neste lugar é a última que se oferece. (G. FONSECA, 1826) (Continua…)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 05.10.2020 –  um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia  

FONSECA, J.. Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas – Portugal – Lisboa – Academia Real das Ciências – Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas, que Vivem nos Domínios Portugueses, ou lhe são Vizinhas, Volume 4, n° 1, 1826.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]    Tiahoam: Yata ‒ 10°29’12,6” S / 65°26’02,5” O.

[2]    100 braças: 220 m.

[3]    Tiahoam: Yata.

[4]    Ponta de pedras: 10°30’07,6” S / 65°25’01,7” O.

[5]    Panela: Bananeiras ‒ 10°35’05,3” S / 65°23’52,8” O.

[6]    Quati: Guajará-açu ‒ 10°37’00,7” S / 65°24’32,9” O.

[7]    Ilha: 10°37’30,8” S / 65°24’33,8” O.

[8]    Cachoeira Quati: Guajará-Açu ‒ 10°37’00,6” S / 65°24’31,3” O.

[9]    Tapioca: Guajará-mirim ‒ 10°46’56,5” S / 65°21’08,6” O.