Associações do povo indígena Kayapó, que vive no Mato Grosso e no sul do Pará e do povo Munduruku, que habitam o Alto e Médio Tapajós, no Pará, acabam de lançar novos manifestos contra o garimpo, a mineração e o Projeto de Lei 191/2020, que libera essas atividades dentro de terras indígenas e foi encaminhado por Jair Bolsonaro ao Congresso.

O movimento é importante porque reafirma a posição de algumas das principais lideranças indígenas do país contra a tentativa clara de Bolsonaro em liberar empreendimentos minerários dentro de terras indígenas.

Caso aprovado, o PL pode representar 20 anos de desmatamento na Amazônia e causar prejuízo anual de US$ 5 bilhões, em uma previsão moderada.

Junto com o PL encaminhado, Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles têm se dedicado a tentar emplacar a narrativa de que “os indígenas querem produzir, querem minerar” e por isso seriam favoráveis ao projeto.

Mais uma mentira de um governo que não se sustenta sem elas e prontamente rechaçada nos dois manifestos.

Lideradas pelo Cacique Raoni Metuktire, que concorre novamente ao Nobel da Paz, três associações de indígenas Mẽbêngôkre – Kayapó (Instituto Raoni, Associação Floresta Protegida e Instituto Kabu) afirmam categoricamente que são contra o garimpo dentro dos seus territórios e que repudiam “a forma como o governo federal vem estimulando a invasão de nossos territórios, seja pela retórica que fortalece o crime organizado, seja pela omissão e fragilização dos órgãos responsáveis pela proteção dos territórios indígenas”.

Sucateados, com o orçamento reduzido a despesas essenciais e com servidores de carreira removidos de suas funções e dando lugar a militares e fanáticos religiosos, órgãos como o Ibama e a Funai passam por um desmonte completo e tem servido como instrumento de perseguição aos indígenas.

É o que dizem, inclusive, os Munduruku. “A Funai se posiciona favorável ao PL 191 que serve para legalizar a invasão do nosso território e está colaborando com a destruição”, afirmam.

Garimpo, problema crônico agravado por Bolsonaro e pela Covid

Mais de 6 mil indígenas do povo Mẽbêngôkre – Kayapó vivem em 56 comunidades das Terras Indígenas Baú, Capoto/Jarina, Kayapó, Las Casas e Menkragnoti, no Mato Grosso e no Pará.

Problema histórico que se arrasta por décadas, o garimpo ilegal e criminoso tem se agravado sobretudo nos últimos anos.

O garimpo destruiu cerca de 5 mil hectares de floresta na Terra Indígena Kayapó de 2017 a 2019. Todo o desmatamento provocado pelo garimpo nessa terra indígena entre a década de 1980 e o ano de 2015 chegou à metade disso: 2,5 mil hectares.

Um estudo publicado em abril mostra que estes 5 mil hectares colocam a TI Kayapó como a campeã de desmatamento provocado por garimpo entre 2017 e 2019, seguida pela TI Munduruku, com 3.456 hectares e a Yanomami, com 1.174 hectares.

44% dos 10 mil hectares desmatados pelo garimpo dentro dessas 3 terras indígenas ocorreu somente em 2019, o que prova o impacto imediato que as políticas do governo Bolsonaro estão tendo na Amazônia.

A pandemia, como previsto pelos indígenas e por especialistas, agravou a situação.

Foto: Observatório da Mineração

O povo Kayapó da aldeia Turedjam no Pará, que fica dentro da TI Kayapó, negociou a saída de garimpeiros ilegais de dentro do seu território para tentar evitar a contaminação pelo coronavírus.

Mas os esforços, isolados, não resistiram à pressão dos empresários que sustentam o garimpo e as medidas insuficientes dos governos federal, estadual e locais para conter a pandemia.

São 16 mortes e 2.032 casos de Covid-19 nas TIs Kayapó, Menkragnoti, Badjokôre, Capoto Jarina e Baú.

Os Munduruku, que vivem no maior polo de garimpo ilegal do Brasil, na região de Itaituba e Jacareacanga, no Pará, estão vendo o desmatamento provocado pelo garimpo aumentar. 15 indígenas Munduruku morreram por Covid-19.

Tentativa do governo federal de criminalizar indígenas é rechaçada por lideranças

Recentemente, uma ação orquestrada de Ricardo Salles forjou uma operação de combate ao garimpo na região do Tapajós com o único intuito de criminalizar os povos indígenas e usar os poucos indígenas envolvidos com a atividade como exemplo da posição de todo um povo.

O manifesto dos Munduruku rebate novamente essa mentira.

“Somos a maioria dos Munduruku, estamos nas nossas aldeias e somos contra empreendimentos minerários e madeireiros em nosso território! Não aceitamos os poucos que são enganados pelos pariwat e usam o nome do nosso povo. Não queremos regularizar atividades de destruição no nosso território”, afirmam.

O manifesto Kayapó vai na mesma linha. “A crescente pressão sobre nossas comunidades fez com que algumas poucas lideranças fossem seduzidas pelo ganho financeiro rápido e fácil que o garimpo proporciona. Não autorizamos que eles falem em nome do Povo Kayapó (…) Como poderíamos ser a favor de uma atividade que gera profundos impactos ambientais e sociais aos nossos territórios e comunidades? Como poderíamos privar nossos filhos e netos de um território preservado para seguirem vivendo segundo nossos usos, costumes e tradições, como garante a Constituição Federal?”, questionam.

Como é usual, as mentiras de Jair Bolsonaro, Hamilton Mourão, Ricardo Salles e cia não sobrevivem a 1 minuto de realidade.

Maurício Angelo    Jornalista investigativo especializado em mineração, Amazônia, Cerrado, Direitos Humanos e crise climática. Fundador do Observatório da Mineração. Como freelancer, publicou matérias na Mongabay, Repórter Brasil, Intercept Brasil, Pulitzer Center, Thomson Reuters Foundation, Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), Unearthed, Folha de S. Paulo, UOL, Investimentos e Direitos na Amazônia e outros. Vencedor do Prêmio de Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa (2019).   See author’s posts   

PUBLICADO POR:   OBSERVATÓRIO DA MINERAÇÃO

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