“Queremos que haja mais controle sobre a comercialização do ouro, porque hoje não há nenhum controle de origem e, por isso, os esquemas ilegais proliferam na Amazônia”, afirma Larissa Rodrigues, gerente de projetos do Instituto Escolhas, em entrevista à Folha de S. Paulo.

Foto postada em: Instituto Escolhas

A matéria aborda a Consulta Pública do Escolhas com propostas de regulação que serão apresentadas ao Banco Central (Bacen) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para que instituições financeiras não comercializem ouro de origem ilegal, de terras indígenas ou unidades de conservação na Amazônia.

A campanha “De onde vem o ouro?” lançada pelo Escolhas mostra dados e argumentos para que os consumidores evitem um negócio que põe em risco a Amazônia e mostra que o mercado financeiro, que não está livre do ouro de origem ilegal, não se preocupa em indagar a origem do ouro dando o devido lastro ambiental em suas operações.

Leia a íntegra da matéria:

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Folha de S. Paulo

Campanha quer regulação para inibir compra de ouro ilegal por instituições financeiras

Proposta está em consulta pública e será encaminhada ao Banco Central e à CVM

4.out.2020 às 23h15    EDIÇÃO IMPRESSA

Thais Carrança

SÃO PAULO

Para vender ouro atualmente a uma instituição financeira, um garimpeiro precisa apenas mostrar seu documento de identidade, preencher um formulário à mão e dizer de onde vem o metal, sem a necessidade de qualquer comprovação.

A falta de certificação de origem abre brecha para que toneladas de ouro produzidas de maneira ilegal, em terras indígenas ou unidades de conservação na Amazônia, entrem no mercado financeiro, onde passam a ser comercializadas legalmente, sem nenhum controle.

Para mudar essa situação e inibir a compra de ouro ilegal por instituições financeiras, uma organização não governamental pretende apresentar ao Banco Central e à CVM (Comissão de Valores Mobiliários, que regula o mercado de capitais) uma proposta de regulação, que está em consulta pública até 3 de novembro.

Imagens aéreas mostram garimpo ilegal na Amazônia 

Foto postada em: Instituto Escolhas

Em sobrevoo realizado em maio de 2020, em Roraima, Greenpeace registrou invasão de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami. O desmatamento nas terras indígenas aumentou 64% nos primeiros quatro meses de 2020, em comparação com o mesmo período de 2019. Por estarem dentro ou circulando por esses territórios, garimpeiros, madeireiros e invasores são potenciais transmissores da Covid-19 para os indígenas. Chico Batata/Greenpeace

Segundo o Instituto Escolhas, responsável pela iniciativa, uma normatização é particularmente relevante no momento atual, em que o garimpo ilegal na região amazônica está sendo impulsionado pelo alto preço do metal no mercado internacional, pela redução da fiscalização da atividade garimpeira e pelas indicações do governo no sentido de legalizar garimpos em áreas hoje protegidas.

De janeiro a agosto de 2020, a exportações brasileiras de ouro cresceram 30,5% em valor em relação a igual período de 2019, somando US$ 3 bilhões, segundo dados do MDIC (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços). Em volume, o incremento foi de 5,2% na comparação anual, para 64 toneladas.

Na média de janeiro a agosto, a cotação do ouro subiu 27% em relação a igual período de 2019, impulsionada pela busca dos investidores por ativos financeiros seguros, em meio à crise provocada pela pandemia do coronavírus.

“Queremos que haja mais controle sobre a comercialização do ouro, porque hoje não há nenhum controle de origem e, por isso, os esquemas ilegais proliferam na Amazônia”, diz Larissa Rodrigues, gerente de projetos do Instituto Escolhas.

Segundo ela, das cerca de 100 toneladas de ouro produzidas pelo Brasil anualmente, aproximadamente um terço vem de garimpos, onde se concentra a produção ilegal do minério. Esse ouro entra para o mercado financeiro ao ser vendido para DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários), instituições financeiras que mantêm postos de compra do metal na Amazônia.

“A ideia é que haja uma validação da comprovação de origem e que isso seja feito num sistema eletrônico, que permita o cruzamento com outras bases de dados, como de arrecadação de impostos e de produção da Agência Nacional de Mineração”, explica Larissa.

A advogada Ana Luci Grizzi, da Veirano Advogados, autora das minutas da proposta, diz que a ideia é que a DTVM, na hora da compra do ouro, faça uma  espécie de miniauditoria do vendedor.

“O comprador deve checar se o ouro foi extraído de fato de uma área que tem o direito de lavra concedido pela Agência Nacional de Mineração e se a pessoa que está fazendo aquela comercialização é a titular do direito de lavra ou tem um contrato com quem tem esse direito”, afirma. O vendedor terá que apresentar também a licença ambiental da área.

O garimpo ilegal tem forte impacto social, expondo comunidades indígenas como os Yanomami, em Roraima, e os Munduruku, no Pará, à violência e a riscos à saúde, como a contaminação por mercúrio ou pela Covid-19, trazida pelos garimpeiros.

Na ‘terra de Mourão’, garimpo ilegal age sob vista grossa do Exército    

Foto postada em: Instituto Escolhas

Rudimentares, as balsas de garimpo aspiram com uma mangueira o fundo do rio em busca de ouro Lalo de Almeida

Também tem grande impacto ambiental, contribuindo para o desflorestamento.

Segundo levantamento divulgado em junho pelo Greenpeace, com base em dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o desmatamento provocado por garimpos ilegais em unidades de conservação na Amazônia aumentou 80,6% nos quatro primeiros meses de 2020, em relação ao mesmo período do ano passado. Em terras indígenas, o crescimento do desmatamento por garimpo foi de 13,4% na mesma comparação.

Nesse cenário, o Instituto Escolhas destaca a importância das instituições financeiras e dos órgãos reguladores participarem do esforço para inibir o comércio de ouro produzido de forma ilegal.

“Todo ouro de garimpo necessariamente precisa entrar no mercado por uma instituição financeira, então são elas que podem exigir um lastro de origem legal e de conformidade ambiental para esse ouro”, diz Larissa.

“Os órgãos reguladores devem fazer a exigência disso, porque se não há obrigação legal, isso não vira prática, infelizmente.”

Procurada para comentar a iniciativa, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) disse que a entidade e os bancos a ela associados não compactuam com más práticas e estão empenhados em fortalecer permanentemente práticas de diligência socioambiental.

“O setor bancário sempre esteve atento à necessidade do desenvolvimento sustentável e tem consciência de que é necessário avançar no gerenciamento e na mitigação dos riscos socioambientais nos negócios com os clientes e canalizar cada vez mais recursos, principalmente privados, para financiar a transição para a economia verde, sempre com a preocupação de garantir a estabilidade e resiliência do setor financeiro.”

O Banco Central disse através de sua assessoria de imprensa que não iria comentar e a CVM não respondeu ao pedido de posicionamento.

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Foto postada em: Instituto Escolhas

Matéria originalmente publicada em:  https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/10/campanha-quer-regulacao-para-inibir-compra-de-ouro-ilegal-por-instituicoes-financeiras.shtml

PUBLICADA EM: INSTITUTO ESCOLHAS