Grupo liderado por cientistas do Inpe mostrou que bordas fragmentadas da Amazônia emitiram CO2 mesmo com taxa de destruição em queda
Os países da bacia amazônica provavelmente estão subestimando suas emissões de carbono por desmatamento da floresta em 37%. O recado é de um grupo internacional de pesquisadores que pela primeira vez contabilizou uma fonte de emissão até hoje ignorada: a que ocorre na borda de florestas fragmentadas pelo desmatamento.
Os cientistas, liderados pelo maranhense Celso Silva Junior, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), publicaram nesta quarta-feira (30) no periódico Science Advances um estudo mostrando que, entre 2001 e 2015, o desmatamento emitiu 9,3 bilhões de toneladas de CO2 nos países amazônicos (622 milhões de toneladas por ano). As bordas das florestas remanescentes emitiram 3,4 bilhões de toneladas (227 milhões de toneladas por ano).
O Brasil, lar de mais de 60% da floresta, teve emissões médias de 500 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano devido ao desmatamento e de 151 milhões de toneladas por ano (30% do que foi emitido por desmate) pelo chamado “efeito de borda”.
Para dar uma ideia do que isso significa para as emissões brasileiras, todo o transporte de passageiros no país emitiu 100 milhões de toneladas de CO2 em 2018, ano mais recente para o qual há dados.
“Efeito de borda” é o nome dado à perturbação que ocorre numa floresta em contato com uma área desmatada. As bordas da mata ficam mais secas, mais expostas a vento e radiação solar. Como resultado, as espécies que não são adaptadas morrem e o fogo entra mais facilmente (a historinha de que “floresta úmida não queima”, contada por Jair Bolsonaro em seu discurso na ONU, só se aplica a florestas intactas). Enquanto o interior da floresta está em equilíbrio ou sequestra carbono, a borda emite.
Silva Junior e seus colegas conseguiram estimar quanto as bordas emitem devido a uma outra característica dessas áreas: sua estatura. As margens de um fragmento de floresta são mais baixas que seu interior, justamente pela morte das árvores maiores, que não lidam bem com secura, vento e fogo.
Usando dados de altimetria, coletados por lasers a bordo de aviões, os pesquisadores conseguiram converter essa perda de altura em biomassa e, portanto, em carbono perdido para a atmosfera.
Eles concluíram que, mesmo entre 2005 e 2012, quando as taxas de desmatamento caíram no Brasil, as bordas continuaram emitindo a mesma coisa. Como essa emissão por fragmentação acontece lentamente – durante cinco ou sete anos -, mesmo que o país parasse de desmatar hoje o carbono das bordas continuaria indo para o ar por algum tempo.
“É um efeito indireto do desmatamento que a gente não está quantificando”, diz Luiz Aragão, do Inpe, orientador de doutorado de Silva Junior e coautor do estudo. “Isso tem implicações muito grandes para o Acordo de Paris.”
A meta brasileira no acordo do clima está fortemente baseada na redução do desmatamento ilegal. Qualquer esforço de corte de emissões por desmatamento precisaria agora ser 30% maior, de saída, considerando o novo fator de emissões.
O problema é maior ainda porque o próprio esforço de combater o desmatamento foi paralisado no governo Bolsonaro.
PUBLICADO EM: OBSERVATÓRIO DO CLIMA – AMAZÔNIA.ORG.BR
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