Momentos Transcendentais no Rio Amazonas I
Manaus, AM/ Santarém, PA ‒ Parte XIII
Fordlândia V
Aos trancos e barrancos, a Cidade foi crescendo e a enorme caixa d’água de 50 metros de altura e com capacidade de 570 mil litros, símbolo da presença do Ford na Amazônia, foi colocada em ponto estratégico de onde pudesse ser vista por todos que chegassem à Fordlândia.
No final de 1929, tinham completado a limpeza e o plantio de 400 hectares, bem aquém da especificada pelos administradores da Companhia Ford Industrial do Brasil. Nos dois anos que se sucederam, mais 900 hectares foram desmatados. Apesar disso, as coisas evoluíam ainda que lentamente. A Cidade possuía o melhor sistema de saúde da região e as casas dos administradores, na Vila Americana, jardins cuidados, gramados para golfe, quadras de tênis, piscina, campos de futebol, clube e cinema.
A Revolução “Quebra-panelas”
No final de 1930, Fordlândia parecia ter superado os principais óbices, a maior parte das instalações tinha sido concluída, a limpeza de novas áreas estava em andamento, estradas construídas e a plantação de mudas de seringueiras prosseguiam.
No entanto, os trabalhadores brasileiros não estavam satisfeitos com o regime espartano imposto pelos capatazes americanos o que provocava uma enorme rotatividade entre os trabalhadores. A pontualidade, a proibição da ingestão de bebidas alcoólicas no perímetro da empresa, a alimentação tipicamente norte-americana, e a sujeição a uma forma de gestão a que não estavam habituados, gerava conflitos e diminuía a produtividade. Os brasileiros, acostumados a organizar sua jornada de trabalho, de acordo com o Sol e seguindo o ritmo determinado pelos períodos de chuva ou estiagem, tinham dificuldade de se habituar aos horários ditados por uma estridente sirene e o controle rígido dos cartões de ponto.
Em cada detalhe ficava clara a falta de compreensão entre os dois mundos. Os trabalhadores solteiros foram proibidos de sair da propriedade para frequentar bares e bordéis. Em Fordlândia, era vedado o uso de bebidas alcoólicas, a “lei seca” fora exportada para a Amazônia. O jeitinho brasileiro, incrementado pelo repentino influxo de dinheiro, deu origem ao estabelecimento, nas cercanias da Cidade “americana”, de bares, casas de jogos e bordéis. Os solteiros de Fordlândia usavam de todo o tipo de artifício para contrabandear bebidas e dar uma “fugida” até a “Ilha dos inocentes” onde encontravam bebidas e prostitutas vindas de Santarém e de Belém.
Não tardou para que a insatisfação com as normas americanas provocasse uma grande confusão. O conflito teve início no novo refeitório, uma estrutura de teto baixo, construída de metal, piche e amianto, mal ventilada, que se assemelhava a um verdadeiro forno.
Contrariando o acordado na ocasião do contrato, os administradores decidiram que os operários teriam de pagar pelas refeições cuja dieta, estabelecida pelo próprio Ford, era constituída de farinha de aveia e pêssegos enlatados para o desjejum, e espinafre enlatado, arroz e trigo integral para o jantar.
A espera na fila era demorada tendo em vista que os funcionários do escritório tinham de registrar o número dos distintivos dos funcionários.
Os cozinheiros tinham problemas para manter o fluxo de comida e os escriturários levavam tempo demais para anotar o número dos distintivos. Lá fora, os trabalhadores se empurravam, tentando entrar. Dentro, aqueles que esperavam pela comida se juntavam em torno dos atribulados servidores que não conseguiam colocar o arroz com peixe nos pratos com rapidez suficiente. Foi então que Manuel Caetano de Jesus, um pedreiro de 35 anos, do estado do Rio Grande do Norte, forçou sua entrada no refeitório e enfrentou. […] Ostenfeld mandou Jesus voltar para a multidão e disse:
Tenho feito tudo por você; agora você pode fazer o resto. […]
A reação foi furiosa, lembrou um observador, como “atear fogo a gasolina”. O “terrível barulho” de panelas, copos, pratos, pias, mesas, cadeiras sendo quebradas serviu de alarme, chamando mais homens para o refeitório, armados de facas, pedras, canos, martelos, facões e porretes. Ostenfeld, juntamente com Coleman, que havia presenciado a cena sem saber nada de português, pulou em um caminhão para fugir. […] Com Ostenfeld em fuga, a multidão ficou enlouquecida.
Depois de demolir o refeitório, destruíram “tudo que pudesse ser quebrado que estivesse no seu caminho, o que os levou ao prédio do escritório, à usina de força, à serraria, à garagem, à estação de rádio e ao prédio da recepção”.
Cortaram as luzes do resto da plantação, quebraram as janelas, atiraram uma carga de caminhão de carne no Rio e inutilizaram medidores de pressão. Um grupo de homens tentou arrancar os pilares do píer, enquanto outros atearam fogo à oficina, queimaram arquivos da empresa e saquearam o depósito. Em seguida, os desordeiros voltaram os olhos para as coisas mais intimamente associadas a Ford, destruindo todos os caminhões, tratores e carros da plantação. Para-brisas e faróis foram espatifados, tanques de gasolina perfurados e pneus cortados. Vários caminhões foram empurrados para dentro de valas e pelo menos um foi jogado no Tapajós. Depois eles se voltaram para os relógios de ponto e os despedaçaram. […]
Ladeado por soldados brasileiros armados, Kennedy reuniu os trabalhadores da plantação e lhes pagou “por todo o tempo até 22 de dezembro”. Em seguida, demitiu toda a força de trabalho, com exceção de umas poucas centenas de homens. Com a Fordlândia em ruínas e danos estimados em mais de 25 mil dólares, ele aguardou que Dearborn lhe dissesse o que fazer. (GRANDIN)
Fracasso
A comercialização de madeira nobre, das áreas desmatadas, inicialmente, reduziu, o ritmo da limpeza das áreas.
A madeira excedente que deveria ser exportada para a Europa e Estados Unidos, depois de ser beneficiada na maior serraria instalada na América Latina foi considerada de aproveitamento caro demais e os administradores optaram pela compra de toras extraídas da mata pelos ribeirinhos.
A falta de critério técnico na escolha da área com topografia montanhosa e solo pobre e pedregoso dificultavam o cultivo mecanizado, elevando o custo de implantação do seringal.
A despreocupação em relação ao setor agrícola era patente se observarmos a relação dos técnicos que vieram, em 1927, para a implantação do Projeto: havia engenheiros, médicos, contabilistas, eletricistas, desenhistas, mas nenhum agrônomo, botânico ou fitotecnista fazia parte da equipe inicial. Os gerentes da Ford desconheciam os procedimentos elementares para a plantação de seringueiras, o plantio muito próximo das mudas, a umidade elevada facilitou a disseminação das pragas agrícolas e principalmente do seu maior inimigo, o “Mal das Folhas”, doença causada pelo fungo “Microcyclus ulei”. Estudos anteriores à implantação de Fordlândia indicavam que a floresta era capaz de proteger a árvore dessa praga.
Isso porque a distância entre uma seringueira e outra diminuía a intensidade do ataque. Além da topografia e do clima, Fordlândia estava a quatro dias de barco de Belém e, no período da estação seca, o Rio Tapajós baixa o nível de suas águas, não permitindo a entrada ou saída de grandes navios até o porto da Companhia.
Bibliografia
GRANDIM, Greg. Fordlândia: Ascensão e Queda da Cidade Esquecida de Henry Ford na Selva – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Editora Rocco, 2010.
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 26.08.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
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